O COMETA
Ele pretende aproveitar as primeiras horas do anoitecer para ver o cometa.
Cometas o intrigam. Meio vagabundos, de vez em quando aparecem deixando em polvorosa o mundo dos supersticiosos e encantando uma plêiade de astrônomos.
- Será que Elenira fará o pedido de sua vida quando o avistar. Há tempos à cata de namorado sempre fala que precisa mandar recado ao cometa. Chegou a hora, ele aparecerá. Liga para ela:
- Hoje à noite, pelas nove, pode olhar o poente. Aparecerá o cometa.
Engraçado. Tanto ela falou de pedido a fazer e agora nem se empolga. Terá arrumado namorado?
Que se dane! Conhece Elenira há quase dois anos. Não pode negar a simpatia que lhe inspira. São amigos. Falam de tudo, até de amor.
Devia arrumar um jeito para apreciarem juntos a passagem do cometa! Resolve ligar outra vez:
- Vou observar o cometa lá na chácara do tio Honório Ferreira. Você pode ir junto. Tia Alvarina gostará muito. Sabe, lá fora as luzes não atrapalham a visão. Será divino ver o caudaloso passar pelo céu escuro!
A tarde no serviço custa a passar.
Escuridão total. Em poucos minutos estão na chácara. Honório Ferreira recebe-os na cordialidade de sempre.
- Estejam em casa.
Tia Alvarina traz um café e bolinhos.
- Quem sabe a moça queira chá?!
Elenira agradece. Gosta de café mesmo. Vieram para ver o cometa e não é para se incomodar por causa dela.
Ficam sozinhos no descampado. Os tios vão observar o cometa de casa mesmo.
- A aragem faz mal para velho como a gente.
A conversa de sempre, assuntos banais. Ele sabe que é o momento de fazer a declaração. Espera que chegue o cometa. O horizonte mostra as estrelas que ele conhece a séculos. O danado parece não ter pressa. E ela ali. Calada agora.
- O que deu em você?
- Por quê?
- É sempre tão falante. Por que se cala tanto?
Ele não responde, olhos fixos na infinitude da noite escura.
O pio da coruja acorda os dois. Num sobressalto Elenira pega sua mão.
- Estou com medo!
- De quê?
- Não sei. Esse grito. Parecia alma penada!
- Bobagem! É só uma coruja!
Ele puxa a moça contra seu peito.
- Não há motivo para temores. Por estes lados não existem almas penitentes. Tudo gente bem enterrada. Os vivos se bandearam para a cidade. Os poucos que ainda moram por cá penam seus pecados de sol a sol na labuta das lavouras e nos cuidados com o gado.
Elenira ouve o discurso calada. Continua sem falar.
Outra vez o pio. Outro sobressalto.
- Podíamos voltar. Acho que o cometa não vem.
- Está quase na hora.
- Eu não quero mais vê-lo!
- Mas, e o pedido?
- Que pedido?
- O que você quer fazer ao cometa!
- Não quero mais fazer pedido nenhum!
- Mas eu queria!
- E você acredita?
- No quê?
- Que o cometa possa atender algum pedido?
- Talvez!
- Que pedido você vai fazer?
- O mesmo seu?
- Então fará nenhum.
O pio estridente da coruja seguido de um bater de asas interrompe o colóquio. Passos pesados e rápidos aproximam-se.
- Vamos andar. Tem alguma coisa errada!
A voz dele demonstra quase pavor.
- Alto lá, não se mexam!
O susto estaca ambos ao chão. Ele quer gritar. A voz está presa. Elenira choraminga abraçando-se firme nele.
O silêncio agora é enervante. O ar parece pesado e a escuridão é total.
Súbito ele olha para o oeste. Lá está o cometa, exibindo sua cauda quilométrica.
- Elenira, olha o cometa.
A voz sai num sussurro.
Elenira num grito espanta o povo penitente das redondezas.
- Socorro, cometa, socorro!
Ele pega-a pela mão e saem correndo, tropeçando nos outeiros, caindo, rasgando as roupas e em instantes alcançam a caça onde Tia Alvarina os espera. Estão em estado lastimável e ela pergunta:
- O que aconteceu? Como estão assustados! Não viram o tio?
- Não. Só vimos o cometa.
- Acho que o velho danou de uns tempos para cá. Toda sexta-feira à noite dá longas voltas pela redondeza.