O invasor de pensamentos.

O sonho de Henrique era comprar a casa no alto da colina. Precisava de uns reparos, mas o faria com satisfação. Volta e meia cercava as redondezas, avaliando, olhando a paisagem deslumbrante.

Finalmente, aos trinta anos, estável financeiramente, comprou a casa e logo fez a mudança de seus poucos pertences. O restante seria adquirido aos poucos, algo simples, mas sofisticado. Era um homem atraente, tinha algumas namoradas, mas ainda não se apaixonara verdadeiramente.

Foi logo após a compra da casa que conheceu Elisa, mulher jovem e alegre.

Logo ela começou a freqüentar a casa e a espalhar alegrias pelos aposentos e jardins.

Henrique estava feliz.

Os encontros eram quase diários. Começou a pensar em dividir sua vida com ela.

Era um homem melancólico e introspectivo, e sua alegria era estar com Elisa e seu sorriso encantador e contagiante.

Assim viveu durante alguns meses, até o dia do incidente.

Nunca mais fora o mesmo. Ultimamente andava inquieto. Pressentia que alguma coisa muito ruim estava por acontecer, talvez a chegada de um fantasma, algum ser incorpóreo e vingativo que voltaria para recuperar o que era seu. As energias da sua casa estavam alteradas.

Ele sempre tivera premonições e a facilidade de ler o pensamento alheio. Já tinha lido sobre isto, era um sensitivo, pois que também via os fantasmas que as outras pessoas não percebiam.

Não comentou o assunto com ninguém, porque temia preconceitos.

Em uma noite fria e chuvosa, ele sentiu pela primeira vez a presença.

Observando furtivamente o intruso, irritou-se ao ver que ele parecia estar em casa, muito à vontade. Percebeu também que o outro não o via. Deveria ser um espírito das trevas.

Não conseguia dormir com os barulhos do outro. Assustado, encolhia-se a um canto observando o intruso a revirar gavetas, comer com seus pratos e talheres.

Tentou em vão mandá-lo embora, mas ele permanecia impassível. Certamente era um espírito das trevas, pensava apavorado.

Às vezes o fantasma recebia uma moça e ficavam conversando.

Ela olhava para Henrique, e ele sabia que ela o via, mas logo ela desviava o olhar. Porque seria? Teria ela medo do espírito do mal?

Nestes momentos, ele sentia medo, muito medo.

Consolava-se ao pensar que poderia tentar conversar com ela. Nunca conversara com espíritos, mas na sua situação atual não tinha escolha.

Todavia a jovem fingia não perceber sua presença a maior parte do tempo. Ela teme o outro, pensa ele angustiado, quem sabe está sendo ameaçada?

O tempo passa e sua ansiedade aumenta.

Para completar, Elisa não apareceu mais depois da ultima briga. Na sua pior crise depressiva, ele ficou irritado com ela que saiu da casa chorando.

Com a presença indesejada do estranho, tentou ligar para ela várias vezes sem sucesso. Chora. “Elisa meu amor, preciso tanto de ti”, pensa desesperado.

Pensa sair em busca de ajuda, mas quem acreditaria? Acha melhor tentar resolver o impasse sozinho, usando seus poderes.

Aproveita quando o outro dorme para circular pela casa, distrair-se, passear nos jardins. São raros momentos de paz, pois que um estranho instalou-se na sua casa e invadiu sua vida. Como agir para resolver a situação desagradável?

Sempre foi bom na telepatia, e quando percebe que o fantasma não o enxerga, resolve penetrar em sua mente.

E assim inicia-se uma batalha travada no âmago de duas almas atormentadas.

Começa o processo de penetrar a mente do inimigo com sugestões macabras. Ora comanda ordens de confusão mental, ora sugere doenças imaginárias.

Com certo sadismo, observa que o outro começa a passar mal. Finalmente adoece.

A jovem aparece para ajudar o amigo ou namorado, ele não imagina.

Mais trabalho para mim, pensa ele. Tenta invadir a mente dela, mas a moça parece indiferente e não se deixa impregnar. Que estará acontecendo?

Resolve tentar uma aproximação.

“Ei, estás me entendendo? Pergunta ele mentalmente.”

“Sim.”

“Porque este homem invadiu minha casa?”

“Fique calmo, tudo vai dar certo”.

“NÃO FALE ASSIM COMIGO! EXIJO RESPOSTAS AGORA!”

“Calma, repete ela, assim não poderemos nos entender.”

“Não quero entendimentos, quero minha casa e minha vida de volta!”

“A casa já não é sua, você a vendeu antes...”.

“Como assim vendi? Antes do quê?”

“Calma, logo vai chegar alguém que conheces para te explicar.”

“Quando?”

“Queres mesmo saber?”

“Sim.”

“Venha minha querida, chegou a hora, diz a moça suavemente.”

Inesperadamente, sua mãe que morrera muito jovem surge à sua frente sorrindo.

“Venha comigo meu querido, teu lugar não é mais aqui.”

“E Elisa mamãe? Pergunta ele com receio da resposta.”

“Elisa te espera. No dia da briga que vocês tiveram, saiu correndo de carro e sofreu um grave acidente. Não resistiu.”

“E eu mamãe, o que aconteceu comigo? Ando tão estranho ultimamente.”

“Ah, meu querido, ficaste tão perturbado que vendeste a casa a este bom homem e não conseguiste mais te reerguer emocionalmente. Te envolveste com drogas, e...”

“Fala logo, o que aconteceu depois?”

“Foste encontrado sem vida no matagal perto da casa.”

“NAAAAAAAAAAAAAAAAAAAOOOOOOOOO!!!!!!!!!!!!”

Henrique cai de joelhos. Chora muito, afinal perdera a casa e a mulher de sua vida.

“Mamãe, ainda posso recomeçar?”

“Sim meu querido, venha comigo, diz a jovem mulher estendendo as mãos e envolvendo-o em suave luz azulada.”

Unidos na dor, partem como uma só melodia, a suave melodia que invade a casa e convida a jovem a dançar com o seu namorado, finalmente livre dos seus tormentos espirituais.

Jeanne Geyer
Enviado por Jeanne Geyer em 13/11/2011
Reeditado em 19/08/2016
Código do texto: T3332557
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.