Boneca de porcelana

Os olhos entorpeceram-se com a chegada dos fogos no céu do mar. Finalmente, ela repousou as pernas cansadas de rodear os pais embriagados de champagne no colchão velho da praia. A paisagem transformou-se em frente à cortina negra após o último segundo, rasgou o passado com brilho imponente, coloriu o descolorido outrora duvidado pela multidão vibrante.

A menina não se deu conta dos cabelos arrepiados ao vento nem dos passos leves que a levavam. Na mão, apenas o braço da boneca de porcelana que acabara de partir ao meio. As fitas do vestido rosa perfuraram cada elevação arenosa. Podia sentir o calor da boneca que a conduzia em direção horizontal, e a força para curvar os olhos progredia em direção retrógrada. Distraía-se com a pressa da boneca e com o tropeçar dos passos curtos acelerados. Infinitas combinações surgiam no caminhar inocente das duas, e os pais ainda procuravam pela última gota da bebida. Tocavam-se sexualmente os corpos selvagens naquele ambiente desfigurado pelo descompasso dos acontecimentos. Repetidos gestos concordavam com a paisagem desenhada sob suas cabeças sujas.

Alguns caminhavam em direção ao mar para enfeitar as aguas com o branco mal aclarado pelas velas azuis das três rosas sem espinhos. A última gorda foi a última despedir-se do arranjo. Virou-se com dificuldade ao fazer o último pedido. A maré inclusive repousou talvez ao sentir o aroma floral.

A menina confundia vez por outra cada reflexo das águas. Mal podia esperar pela chegada do ano. Certamente, ele sairia com majestade entre os raios coloridos e impulsivos do céu brilhante sincronizado por trombetas douradas. A demora abrolhava a secura dos olhos auspiciosos.

No instante oportuno mais uma vez ele não surgiu. Os passos enfim calejaram-se e reencontraram o seu corpo seguro pelo braço de porcelana que acabara de tornar-se um macio moreno. A menina fixou os olhos molhados nos olhos da boneca viva e emitiu um grito embaralhado ao da multidão e ao prazer dos pais inertes no colchão da praia.

David Cid
Enviado por David Cid em 03/01/2012
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