A lição de Lia.

A LIÇÃO DE LIA

Apesar de estarmos na primavera, isso me lembro perfeitamente, devido ao colorido que as inúmeras flores emprestavam àquela praça por onde passávamos, mais parecia um concurso de Miss Universo entre as flores. Também os movimentos sintonizados do ir e vir que faziam ante o embalo provocado por um zéfiro naquela tarde fria, era um verdadeiro baile no salão de festas da mãe natureza. O inebriante perfume das diferentes fragrâncias florais acabavam por encher os pulmões de quem por ali passasse e mais, invadia sua alma como num ritual de prazer e satisfação plena, que levava ao seu espírito a certeza de que a paz existe.

Poucos metros a nossa frente, uma senhora acompanhada por uma linda menina, ambas trajando ricos casacos que avançavam até a metade da barriga da perna, demonstravam estar ainda sentido o rigor de uma frente fria, chegada fora de hora. Principalmente, a menina que sequer tirava suas mãos dos bolsos do casaco.

Como caminhávamos na mesma direção e a pouca distância, pudemos escutar quando aquela senhora disse:

- Alcina! Vamos até o shopping naquela loja de brinquedos? Assim você escolhe alguma coisa e depois fazemos um lanche!

- Está bem mamãe, vamos sim.

- Viu a coincidência Alcino? – Indagou-me mamãe.

- Vi sim, elas também vão à loja de brinquedos, né?

- Não menino, você não escutou que o nome da menina é Alcina?

- Escutei mamãe, mas o quê tem isso?

- Ah! Deixa pra lá, seu chato!

Tanto eu como a menina, deveríamos estar com a mesma idade àquela época, oito anos, portanto a nossa única preocupação naquela tarde de primavera friorenta, era de ir até a loja de brinquedos e comprar aquele que mais chamasse a nossa atenção.

Já, no shopping, enquanto mamãe apreciava entretida às vitrines das lojas de roupas femininas e infantis, além das exposições de aparelhos eletrodomésticos e dos últimos lançamentos das livrarias, eu puxava sua mão na tentativa de, praticamente, arrastá-la até a loja de brinquedos. Fui tão afoito e irreverente que acabei levando um belo puxão de orelhas e ainda tive o desprazer de ouvi-la dizer para me espelhar no comportamento de Alcina que naquele momento, sossegada ao lado da mãe, ainda com as mãos embutidas nos bolsos do casaco, observava tranqüilamente uma vitrine com enfeites de natal.

- E daí! Respondi desdenhando com movimento de meus ombros. Ela está é com frio! Ademais as meninas são mesmo bobas e vivem a imitar suas mães. Brincam com bonecas como gente de verdade, vestem suas roupas e sapatos ou pintam com o tal de batom as suas bocas. Ficam parecendo verdadeiros palhaços de circo. Isso sim!

Lia ficou brava e ameaçou de não ir mais à loja de brinquedos, caso ele não se comportasse muito bem a partir daquele momento.

Apesar de emburrado, Alcino não teve outra opção a não ser comportar-se muito bem, até que chegasse a sua vez. Aliás, aqueles minutos lhe pareceram verdadeiros séculos.

Enfim, chegou o tão almejado momento para Alcino. Dentro da loja de brinquedos, ele não tinha mãos suficientes para pegar e observar todos àqueles que despertavam a sua atenção. Lia repreendia-o, sistematicamente, para que não pegasse os brinquedos da prateleira, porém a ansiedade do menino o deixava alheio aos acontecimentos do ambiente. Foi, então, que Lia o puxou pela manga da camisa e lhe mostrou que do outro lado da loja, a menina Alcina observava às bonecas, casinhas e demais brinquedos com a maior tranqüilidade ao lado de sua mãe. Pouco adiantou, Alcino deu uma rápida olhada em direção à menina, levantou os ombros por três vezes consecutivas simbolizando um muxoxo e voltou a satisfazer de modo completo toda a sua curiosidade.

Coincidentemente, e depois de muito tempo, não foi fácil Alcino escolher apenas dois brinquedos, Lia chegou à fila do caixa para efetuar o pagamento, atrás da mãe de Alcina.

Ao chegarem no balcão para retirarem seus pacotes, Lia como num desabafo, disse para a mãe da menina:

- “Ufa! Como cansa acompanhar esse menino numa loja de brinquedos. Tudo que vê quer pegar, examinar, testar... parece um descontrolado.” Calmamente, a mãe de Alcina respondeu:

- “É assim mesmo, todas as crianças são iguais. Elas não levam na alma os preconceitos, mentiras nem a desonestidade dos adultos. São espontâneas e se deixam vencer por seus sonhos e ilusões, por isso aos nossos olhos, parecem muito ansiosas, mas creia a senhora, num futuro próximo, o dia de hoje lhe será de saudade, pois lembrarás com muita alegria a canseira que ele te deu visto que será diluída pelo tempo que certamente a apagará”.

Nesse instante, a empacotadora chamou-as, quase que simultaneamente, entregaram seus pacotes e se despediram.

Alcino logo tomou das mãos de Lia o pacote dos brinquedos.

Pouco à frente, Alcina reclamou com sua mãe que carregava o pacote, estar sentindo calor com aquele grosso casaco. Com uma das mãos a mãe retirou o casaco das costas da menina, porém as mangas do casaco continuaram nos bolsos.

Só então é que Lia entendeu as palavras da mãe de Alcina.

Alcino tropeçou numa pedra saliente do mosaico português que revestia a calçada, foi ao chão, arranhou um de seus braços, ameaçou um leve choro, levantou-se, pegou de novo a caixa de brinquedos e saiu alegremente.

Lia parou, retirou do bolso seu lenço branco, enxugou às muitas lágrimas que rolavam por sua face, enquanto Alcino disse-lhe:

- “Não precisa chorar mamãe, foi só um arranhão no braço”. Pegou-a pela mão e insistiu:

- “Vamos embora mamãe! Quero chegar logo em casa! Quero brincar, né?”.