FALTA DE AR

E eu que repetidas vezes afirmei que daria a vida por ela — pois isso sempre me pareceu a coisa certa a fazer — agora, que chega o momento de por essa verdade à prova, sinto-me horrorizado. Desconfiado das minhas convicções, vejo-me descobrindo a verdade sobre minha própria natureza.

A água agitada e fria alerta para a gravidade da situação e a distância até a margem nos diminui de forma inapelável. A probabilidade de nos safarmos juntos parece remota. Sozinho talvez eu tivesse alguma chance... Sim. Eu nado bem. Muito bem, aliás. Não porque eu goste de nadar, mas porque há anos me reservo uma hora a cada dois dias para ficar totalmente só. Entre braçadas e viradas na piscina olímpica do clube penso na vida. Fico sozinho e planejo coisas que, em geral, nunca faço. É bom planejar. Sonhar. Nem sempre. Então, se eu estivesse só, sim, eu teria mais chance.

Mas o que seu estou dizendo? Que tipo de ser humano sou eu? Teria coragem de entregá-la à sua própria sorte? Não, claro que não. Não assim. A vida inteira fiz aquilo que ela esperava de mim. Não seria agora que eu a desapontaria. Sim, pois ela saberia que eu não fiz o meu melhor, que eu optei por mim e não por ela — ou por nós, como diria ela. Nós? Nós? Nunca houve nós. Ou melhor, nunca houve eu. Quem sabe seja essa a minha última chance? Confesso já ter pensado nisso outras vezes. Vivi uma vida inteira, estive em vários lugares, fui eu mesmo, apenas por alguns segundos. Essa hipótese de futuro me soa sedutora... Penso que ninguém me condenaria. Seria compreensível que, no momento derradeiro, eu — incapaz de fazer algo por ela — tratasse de salvar a minha pele. Instinto de sobrevivência seria uma boa razão. Mas não pra mim. A quem estou tentando enganar, hein? Eu saberia. Ela saberia. Nunca consegui fingir diante dela. Desconfio, inclusive, que ela tenha percebido a minha insegurança, pois já não implora por socorro. Apenas me olha. Um olhar que eu conheço tão bem e que, pra mim, diz o suficiente. Em qualquer situação.

Por vezes a perco de vista por conta da ondulação do mar. Tento tranqüilizá-la. Ainda estou apostando no imponderável. Um pedaço de madeira, uma bóia, sei lá. Preciso de tempo pra pensar e tento ganhar esse tempo. Mas ela me diz — com os olhos outra vez — que não há tempo pra ela. E se num baixar de onda o oceano surgir vazio diante de mim? Então não haverá mais o que ser feito. E minha vida seguirá, sem ela... Seguirá? Sem ela? Na superfície, talvez. No fundo ela estará sempre agarrada a mim. Apertando meu peito. Puxando-me para baixo. Tirando-me o ar.

Leonardo Colucci
Enviado por Leonardo Colucci em 26/05/2013
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