13. AULA DE PAQUERA NA MISSA

Este texto é seqüência do texto 12. BAILE PUXADO A MÁQUINA.

Era em torno de sete horas quando sai da estação ferroviária de Mafra costeando a estrada de ferro como se voltasse para o lugar de onde tinha vindo. Assim cheguei à calçada, que na verdade era de um gramado bem aparado em uma ladeira, cujo declive era tanto em direção a estação, quanto em direção ao rio, um pouco distante dali para o norte, à esquerda de quem sai da estação. Me pareceu que a estação ficava ao fundo de uma propriedade particular, pois somente vi um trilho para chegar à rua. Na calçada, que era um gramado, não recordo se cortado de passeios, vi sair de sob um arbusto, cuja copa bem aparada ia até o chão, um como o Frank Sinatra, estilo raro já naquele tempo, trajando paletó, calça social e sapato de couro preto bem lustrado, com o cabelo lambido a caráter, repartido ao lado, fazendo aquela voltinha manhosa para cima, aparentando uns dezessete anos. Fiquei a olhar a cena desproporcional como que estupefato, com um sorriso sarcástico, enquanto o rapaz terminava de puxar uma daquelas malas quadradas de lona com umas cantoneiras de metal nas extremidades, além de um guarda-chuva de ponta comprida.

Nas mãos eu não trazia nada, a não ser o pacote com alguns pães de cinqüenta gramas, que tinham sobrado do último dinheiro que eu conseguira ainda em Lages, onde andei pedindo na rua o valor de uma passagem urbana e um cara que me confundiu com seu cunhado me deu dez cruzeiros, completando o que eu precisava para pagar o trem até Mafra, sendo que do total sobrou algum dinheiro com que comprei um saco de pão. Somente a roupa do corpo eu trazia desde Caxias do Sul, onde estivera mais de um mês desde que saíra da casa de meu pai na metade do mês de novembro do ano de 1980, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Corria o mês de janeiro de 1981 e eu estava há mais de quinhentos e quarenta quilômetros de casa, tendo pouco mais de quinze anos de idade.

Após dar um cuidadoso retoque no visual, lambendo mais um pouco o cabelo oleoso, tendo arrumando também a gola da camisa e ajeitando o paletó, o rapaz do arbusto dirigiu-se a mim, cumprimentando-me como se já me conhecesse há tempo e convidou-me para irmos à missa, onde poderíamos arranjar namoro. Disse-lhe que não costumava ir em missas, pois me assustavam aquelas imagens feito vultos sombrios pelas paredes e a decoração cheia de voltinhas funestas. Pior ainda era ir a igreja para paquerar, sendo que tal lugar não era para coisas desse tipo. E, de mais a mais, ficaria encabulado em chegar perto de uma moça no estado em que me encontrava, sem tomar um bom banho e, no mínimo, pôr uma roupa limpa bem passada.

Entretanto, eu estava interessado em saber se ele tinha passado a noite sob aquele arbusto e como conseguira dormir ali e realizar a façanha de levantar-se todo alinhado, pensando até em paquerar na missa de domingo, isto sem tomar um banho e com a roupa dormida na grama.

Ele respondeu que tinha dormido sim sob o arbusto, mas que tinha trocado de roupa pela manhã e se perfumado, bem como lambido o cabelo ainda sob o arbusto e que não via nenhum empecilho em ir à missa e sentar ao lado de uma moça para encostar-se e passar-lhe uma boa conversa. Sobre de onde viera, disse que chegara de Rio Negrinho de trem no dia anterior, cidade catarinense há pouco mais de quarenta quilômetros a leste dali, onde trabalhava na roça com a família, e chegara para trabalhar e viver em Mafra. Acrescentou que arranjaria trabalho na segunda feira, senão no domingo ainda, de vendedor de picolé provisoriamente, e que logo estaria alojado.

Embora que me parecesse estranho agir com as moças da maneira como ele falou, forma que entendi desrespeitosa, aproveitando-se por poder sentar-se ao lado delas na igreja para então encostar-se e passar-lhe a conversa, decidi ir com o "malandro", pois se mostrava uma figura intrigante, com uma malandragem esquisita, ingênua, campeira, interiorana. De qualquer forma, já era um conhecido e nada melhor para se conhecer um lugar diferente. Por outro lado, acompanhando-o à missa poderia ver se era fácil como dizia arranjar uma namorada, bastando sentar-se ao lado de uma moça, encostando-se abusadamente e passar-lhe uma conversa atrevida. De mais a mais, poderia ser também que soubesse como conseguir picolé consignado para vender, então eu aproveitaria a oportunidade para arranjar trabalho, podendo ficar na cidade.

Disse-lhe que ia à missa com ele só para ver como faria para arranjar namorada tão fácil, mas que era certo que não funcionaria, sendo que eu mesmo ficaria de lado, não tentando nada, nem participando de tal vexame, pois mais certo era que ele levaria um tremendo carão e, talvez, uma carraspana de um pai, uma mãe, ou uma avó furiosa com uma sobrinha.

Após ele olhar para todos os lados e esconder a mala sob o arbusto que fizera de quarto, onde escondi também o saco de pães, seguimos para a esquerda da estação ferroviária, indo ao norte para a cidade de Rio Negro, ao lado, mas já no Paraná, onde se chega após cruzar a ponte sobre o rio Negro. Ainda na ladeira em frente a estação ferroviária de Mafra o amigo tinha me mostrado a igreja branca além da ponte, em meio às árvores, em Rio Negro, sendo que não se pode distinguir entre Mafra e a outra cidade. No caminho confabulava hesitante com meus botões decidindo por não entrar na igreja com o sujeito, que me parecia pronto para um fiasco estupendo, tal era sua simploriedade. Próximo a igreja, disse-lhe que não entraria, mas ele insistiu, garantindo que não passaríamos vergonha.

Da porta lateral esquerda ele localizou um banco onde haviam umas quatro garotas, restando vago o espaço ao lado esquerdo da moça do meio do banco. Por um instante a cena pareceu-me preparada de propósito para o sujeito sentar-se ao lado e todas as moças debocharem da sua cara e da minha também. Ele andou imponente e ocupou a vaga, sentando bem junto a primeira moça sem qualquer constrangimento. Pareceu-me até que esfregava as mãos enquanto caminhava. Temeroso, segui-o a certa distância e sentei-me no mesmo banco um pouco afastado, sentindo-me inteiramente inconveniente e como que observado por todos, sendo que parecia que as pessoas sabiam até nossas intenções, embora que eu viera mesmo de curioso e não seria insolente de desrespeitar a casa de culto com conversas e atitudes impróprias.

Enquanto prestava atenção na fala do padre, observa de canto de olho o atrevimento do rapaz, que tentava puxar conversa e ambientar-se com a moça. Estava certo que a qualquer momento se poderia ver, e toda a congregação veria, uma reação constrangedora das jovens injuriadas. E não demorou até que elas saíram em fila indo sentar-se num banco mais atrás, onde não haviam lugares vagos. Ainda bem, pois senão acho que ele iria atrás.

Aproximei-me do "malandro" e cutuquei-o com o cotovelo, perguntando irônico o que tinha acontecido. Ele respondeu injuriado que onde já se tinha visto uma coisa dessas, pois não podia nem namorar. Disse-lhe que a igreja não é lugar nem hora para paquerar e por causa de sua façanha estavam todos nos olhando, por isto eu sairia de fininho, indo para bem distante antes que a missa chegasse ao fim e tivesse que suportar os olhares curiosos, desconfiados e um tanto debochados de alguns fiéis.

Wilson Amaral

Romance e Poesia
Enviado por Romance e Poesia em 18/04/2007
Código do texto: T454943