A sentença e a juíza
        Caminhava distraída por uma rua quase deserta. Era mais de oito horas, clima ameno, céu azul com nuvens brancas. Ninguém passava por ali, era cedo. Ainda não estava no horário de expediente no Tribunal de Justiça.  Ouvi um chamado aflito:
--Doutora Jades, doutora Jades... 
Olhei para os lados e virei para trás. Uma pessoa totalmente desconhecida vinha quase correndo em minha direção. Parei. Era uma magrinha, estatura mediana, grisalha, vestida com camiseta branca e calças compridas, de brim. Aproximou-se dizendo:

— Doutora Jades eu preciso falar com a senhora.  Respondi:  não sou doutora e não conheço a senhora. Espantada, parecendo-me aflita, insistiu:
—Sei que o seu nome é Jades. Não é a doutora juíza? 
--Não, a senhora está enganada, o meu nome é o mesmo, mas eu não sou juíza. Falou:
—Engraçado! Foi a senhora que julgou o processo da minha casinha. Os invasores ficaram lá. Vagabundos! Estou na rua.
Neste momento, tremi de medo, gelei. Pensei Jesus, o que ela pode querer comigo! Tentei convencê-la do engano, tratei com carinho, mantendo distância. Demonstrei que gostaria de ajudá-la. Orientei, dizendo que aguardasse o horário de atendimento e retornasse ao Foro. Nada servia. Queria mesmo que eu fosse a juíza. Parecia-me uma emboscada.  Estava difícil  livrar-me da situação.  Sugeri que procurasse um advogado, falou que não conhecia nenhum. Insistia encarando-me e falando as mesmas coisas. Dizia que a sentença era da juíza igual a mim e que eu havia lido. Que drama! Meu coração acelerou-se. Abri a bolsa, peguei papel e caneta, coloquei nome e endereço de dois profissionais que conhecia e entreguei a ela. Leu apavorada, dizendo que não sabia ir até o centro da cidade. Mostrei-lhe o lugar por onde passava ônibus e indiquei a linha.
 —Doutora, eu não tenho dinheiro. Trabalhei muito, paguei a minha casinha, é muito triste. Agora os malvados tomaram conta. O mau cheiro é horrível. Não aguento, sou caprichosa, doutora.
Fiquei estarrecida. Conheci uma pessoa muito humilde, lutando.
A dor daquela senhora corroeu minha  alma. Ofereci a ela, de presente, duas passagens de ônibus.
Atravessei a rua com os olhos rasos d’água, pensando na sentença... 
 
Izabel Camargo
Enviado por Izabel Camargo em 24/11/2013
Reeditado em 18/08/2019
Código do texto: T4584907
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