Sensações perdidas

Oito anos habitando a mesma casa e as situações se repetiam de formas diferentes, porém com o mesmo teor, o terror. A noite era sempre igual. Depois de mais um dia de trabalho André chegava e ia preparar alguma coisa para comer.

No começo em 2007 quando se mudou para o bairro do Montese sua vida estava em frangalhos. Ele morava com sua irmã e o pai. Eles não tinham os pensamentos iguais sobre o mundo e dessa forma morar junto já não fazia mais nenhum sentido.

Primeiro sua irmã Iolanda saiu de casa num dia chuvoso e sem nem pensar como a situação ficaria decidiu tentar vida nova em outro bairro de Fortaleza. O pai Jonas não tinha pertences vultosos, mas apenas algumas mudas de roupas que levou em uma mochila jeans rasgada.

André teve que se mudar gastando boa parte da economia que tinha na poupança com o pagamento do frete e dos ajudantes. A vila onde ficava sua casa parecia mais o cortiço do Chaves. Cinco casas com portão, porta e janela, exceto a sua que só tinha entrada de ar, pela porta principal, ou por uma grande que dava para cima da sua caixa d água.

Em alguns meses André se “juntou” e depois de quatro anos se separou, dividindo com a mulher boa parte dos bens moveis que tinha adquirido e agora tinha que começar de novo. Quando morava com Joana, não conseguia diferenciar os barulhos que faziam em cima das telhas, eram apenas os gatos que se mexiam em procura de satisfazer o ciclo natural do perfume do sexo.

Os meses se sucederam e André fez da sua casa, um local para o prazer. Sempre uma mulher diferente pelo menos umas três vezes na semana ia matar a fome de sexo dele. Era algo que os vizinhos ouviam, mas não comentavam. Afinal, um rapaz solteiro morando sozinho tinha mais era que “comer” carne nova sempre que ela se colocava a disposição.

Quando a luz apagava e ele ia dormir, os barulhos das portas batendo, ou do vento forte em cima das telhas parecia algo comum. Se não fosse por ser sempre no mesmo horário. Depois das 23h, quando todos nas residências ao lado da sua estavam dormindo e um barulho desgraçado começava. Era um mexido de talheres, de portas e até uma cabra que passava a noite berrando.

André mesmo esse tempo todo morando no mesmo lugar esquecia noite a após noite do que havia acontecido no dia anterior. As noites mal dormidas refletiam seriamente no seu rendimento no trabalho e o stress era notado pelas pessoas que cruzavam seu caminho diariamente.

Tinha dias que André se imaginava num hospício e o “mal” entrando nele e fazendo-o ver alucinações. Nos momentos, que ele se masturbava, ou que bebia e fumava misteriosamente as “assombrações” também sumiam e ele dormia como um anjo.

Quando ele viu que aquela situação tinha haver com seus hábitos nocivos e procurou ajuda espiritual numa Igreja que expulsava demônios sua vida piorou. Nos fins de semana durante as reuniões espirituais sua paz voltava, mas em casa a noite, o mal aparecia.

Uma vez ele chegou e encontrou luzes acessas computador ligado e achou que tinha um bandido dentro de casa, mas na verdade não era ninguém parecia mesmo algo sobrenatural. No outro dia perto da meia-noite se dirigiu ao banheiro e avistou uma pedra na abertura em cima da caixa d água. Pensou que deveria ser algo que os pedreiros haviam deixado durante o dia no trabalho que fazem nas casas ao lado. Mas quando André voltou do banheiro a pedra não estava mais no mesmo lugar.

O coração dele disparou, sua mão tremia e a dificuldade de abrir o portão da casa era grande. Pensou em chamar algum vizinho, não era a primeira vez que tinha esse “terror noturno”, mas olhou para cima da telha e não via ninguém. Discou 190 e começou a falar com a atendente e relatar o fato e quando já estava concluído o pedido de socorro viu que aquilo que parecia uma pedra começou a se mexer e na verdade era um pano cor de creme claro que no escuro parecia uma pedra, mas era apenas o medo que deixava o senhor assim aterrorizado.

Na rua muita gente não gostava de André, do seu jeito simples e da sua maneira educada de falar e sempre puxavam com ele briga sobre qualquer assunto. Bastava ele está parado num lugar e o começavam. Sua vida acabava sempre o empurrando mais para dentro de casa e só saia mesmo para trabalhar e ficava lá em pé cumprindo as horas do dia do seu trabalho sem estar em sintonia com o mundo a sua volta.

A corda no pescoço, a faca de cozinha, o viaduto, o carro que passava. André não sabia o que fazia ter esses pensamentos de suicídio e morte constantes. Nada para ele era mais interessante. As injustiças pela qual seu país passava lhe davam desgosto. A situação política era grave e André via que estavam transformando a esquerda na America Latina em novos judeus. Uma espécie de fascismo tomava conta da sociedade e parecia que os petistas eram culpados de todo o mal que acontecia.

André queria mudar de casa e gostava da ideia de dormir sempre aos fins de semana na casa da sua namorada. Lá era tudo iluminado. Até os problemas passavam longe apesar da simplicidade.

Carlos Emanuel
Enviado por Carlos Emanuel em 30/03/2016
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