FELÍCIA (cap. Final)

Tadeu retornou no final da tarde trazendo consigo Doutor Mário, o médico da cidade. Ele examinou Mabel e percebendo seu desassossego, receitou para ela um calmante dos bons.

Mabel dormiu logo, para alívio seu e do marido. Não escutou sequer quando Tadeu desabou ao seu lado horas mais tarde, bêbado. O efeito do remédio durou até pouco antes das três horas da manhã, o maldito horário que Mabel aprendera a odiar. Ela despertou subitamente e fitou a escuridão. Ao seu lado o cheiro de álcool de Tadeu a enjoou.

Havia alguém na casa.

Mabel sentou na cama. Embora não escutasse som algum, sabia que não estavam sozinhos.

A tensão tomou conta dela. Ignorando o mal-estar, Mabel foi até a cozinha. Se havia alguém na casa, precisava se defender. A faca de cortar carne era uma excelente opção. Com a faca junto ao peito, retornou para a sala. O relógio bateu três horas da madrugada, ao mesmo tempo em que um relâmpago cruzou o céu e iluminou a casa.

Ela gritou quando percebeu Felícia sentada no sofá onde tantas vezes fizera amor com Tadeu. Daquela vez Felícia não iria escapar. Mabel envolveu o cabo da faca com as mãos e partiu para cima da rival. A arma atravessou o espectro e cravou-se no sofá. Mabel recuou, sem entender nada. Com o canto do olho, percebeu um movimento ao lado e se voltou bruscamente.

Felícia a encarava no outro canto da sala.

- Tadeu!

A voz saiu fraca e Mabel não teve alternativa senão fugir. Correu até a cozinha e alcançou o quintal, ofegante. Quando olhou para trás, certa que Felícia logo apareceria para lhe açoitar, ficou surpresa. Estava sozinha, as pernas bambas, Felícia ficara dentro de casa.

Mabel não soube precisar quanto tempo ficou do lado de fora apoiada em uma árvore para não cair. A qualquer momento Felícia iria aparecer, tinha certeza. No momento em que as pernas não lhe sustentaram mais, lentamente Mabel escorregou para o chão, onde ficou. Os olhos esbugalhados fitavam a porta da cozinha por onde ela acreditava que Felícia sairia. Seu corpo tremia enquanto esperava. Qualquer movimento das folhagens fazia com que o coração disparasse. Não era Felícia, era apenas a brisa da madrugada.

A noite escura foi aos poucos clareando. Mabel cochilou um pouco e só despertou quando o sol já havia nascido. Atarantada, olhou fixamente para a casa, pondo-se em pé num salto. Tudo parecia muito calmo. Com exceção de um passarinho cantando, o resto era silêncio.

Felícia já deveria ter ido embora, disse ela para si mesma, ciente que a defunta gostava era de assombrar nas madrugadas. Mabel entrou devagar na casa e constatou que tudo estava do mesmo jeito, nos mesmos lugares.

- Tadeu…

Silêncio. Era cedo para o marido acordar. Sentindo-se aliviada, Mabel foi até o quarto. Estava cansada, precisava sossegar. Nem bem cruzou a porta, a mulher soltou um grito que foi ouvido longe.

Felícia estava deitada ao lado de Tadeu. Ele jazia de olhos fechados, uma expressão serena.

Morto.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 02/06/2017
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