SUICÍDIO

NOTA DE SUICIDIO

Revirava- me olhando no jardim, aquela flor, entre tantas, bem centrada, enquanto pensava, nas pétalas alvas em meio aquela geada, a qual reunimo- nos, eu e você, apenas com a luz amena a lumiar aquele ambiente tão sereno como seus olhos caídos.

Contava em silêncio aquilo que dizias em palavras:

- "Bem me quer, mal me quer, bem me quer, mal me quer, bem me quer, mal"...

Eram 5 horas da manhã e ritualmente acordávamos, ora para observar novidades do jardim ora para contar as estrelas e, também ler alguns sonetos, algum Alberto Caeros, E.A. Poe ou a admirar Guimarães Rosa. O fato é que estávamos ali e ali fazíamos nossa mais linda serenata num silencioso dorrémifá que até mesmo os pássaros admiravam, mas a corda de meu violão desafinou numa explosão mortal quando a morte soprou do além.

Eis uma bala perdida a te encontrar e assim a vida tirar de cena a Rosa mais singela de meu jardim!

Queria gritar, mas a voz não saia. Queria correr, mas as pernas não reagiam, queria te tocar por uma última vez, mas as mãos trêmulas nada sentiam. Queria encontrar com a Morte, porém a única coisa que via eram ruídos de coisas estranhas, como uma marcha fúnebre.

Recolhi o resto que restou de mim, negociei a casa, que dentro de duas semanas, só trazia maus pressentimentos.

A compradora ainda demorou uns dois meses, fazendo- me sentir a pior sensação como se a eternidade se congelasse. Mas o dia chegou.

Acordei no chão e molhado, no entanto, parecia está flutuando num rio quente a ferver.

Levantei, peguei o termômetro. Estava com 38. Receei choque térmico, mesmo assim tomei um banho frio. A febre corporal diminuiu, mas a febre pior acompanhava- me aqui dentro, bem aqui, no âmago!

Tinha comprado uma casa num sítio em Pernambuco, encomendada por um amigo de lá, o qual fizemos faculdade. Pensei que pudesse esquecer o passado, porém o Passado era um presente que persistia em viver a sussurrar:

"Bem me quer, mal me quer, bem me quer, mal me quer, bem me quer, mal "...

Voltei ao banheiro, tomei outro banho pensando que poderia melhorar. Coloquei novamente o termômetro, porém Ela vinha mais forte, como febre.

Ela insistia com toda volúpia, os sussurros aumentavam, domavam- me como escravo que sou até que cedi e comecei a pensar em cada pétala, cada ausência, cada distanciar de meu jardim!

A voz se misturava ao meu pensamento, cúmplices repetiam, e a melodia fúnebre, cada vez mais forte, ecoava em meu íntimo:

"Bem me quer, mau me quer, bem me quer mau, bem me quer, mal"...

Peguei algumas pírulas para ver se me acalmava, tentei dormir, porém não havia sono.

Tomei alguma bebida alcoólica, misturando- as às primeiras drogas, mas nada!

Os ecos, apenas ecos, agora mais altos, cada vez mais alto. Coloquei uma última vez o termômetro, novamente 38. Parei, pensei calmamente, e tomei a decisão que acabaria definitivamente com toda aquela dor.

Abri a gaveta, descarreguei a arma e deixei somente a bala necessária. Aquela que calaria a dor que sussurrava lembranças, aquelas que causariam dores e, pau la ti na men te apertei, gatilho por gatilho, até encontrar a hora de abrasar- me em silencio a Rosa de olhar caído que aguardava no oriente ou poente!