Feriado

Giovana levava na sacola os pães quentes que acabara de comprar. Era uma manhã de feriado e nem assim se permitira dormir até mais tarde. Tinha planos para o dia todo. Com o marido, havia elaborado um roteiro de atividades especiais para realizarem com os filhos. Passeio ao parque da cidade, cinema, jantar na casa dos avós. Seria um dia diferente.

Voltava feliz para casa. O cheiro dos pães que tinham acabado de sair do forno abria seu apetite e fazia com que pensasse na mesa do café que ela deixara adiantada. Quando o marido e as crianças acordassem encontrariam tudo pronto.

As ruas estavam vazias e ela brincou, dizendo para si mesma que deveria ser a única trabalhadora a se levantar tão cedo em um dia daquele. Ao mesmo tempo, agradeceu pela oportunidade de viver numa manhã tão bonita. Os primeiros raios de sol, o clima ameno, o canto dos pássaros despertavam nela sentimentos de paz, felicidade e gratidão. O silêncio da rua só interrompido pelo canto de bem te vis, pardais e o ruído de algum carro distante.

Já se aproximava de casa, refazendo mentalmente sua programação, quando reparou a figura de um homem que surgiu na mesma calçada, seguindo em direção oposta. Olhou para ele com certa curiosidade, tentando reconhecê-lo. Moradora do bairro há tantos anos, era capaz de identificar os vizinhos. O bairro de poucas ruas favorecia a interação entre seus habitantes e estabelecia uma relação de confiança e amizade.

Quem seria ele? Aparentava ter uns cinquenta anos.

Cogitou a possibilidade de que fosse um catador de reciclagem. Eles passavam cedo e muitos, mesmo nos finais de semana ou dias de feriado, saíam em busca de garrafas, papelões e outros materiais que podiam se reverter em renda. Descartou esta probabilidade ao constatar que o homem não conduzia um carrinho nem manuseava um saco para recolher aquilo que encontrasse.

Giovana percebeu que ele dirigia para ela um olhar desinteressado, quase como se não estivesse a enxergando. Ainda assim, quando se aproximaram, ela atravessou a rua. Assustada, percebeu que ele, além de imitá-la ,começou a caminhar mais depressa em sua direção.

Quem seria ele?-Tornou a se perguntar, condenando a si mesma por estar assistindo tantos noticiários policiais. E se o fato dele também ter atravessado a rua não passasse de uma coincidência? Se fosse apenas alguém indo buscar pães?

Sentiu as pernas trêmulas. Em dúvida, não sabia se deveria correr ou gritar. Tentou agir com naturalidade e o cumprimentou com um aceno de cabeça. O homem sorriu sarcástico e ela teve a certeza de que algo de muito ruim poderia acontecer.

Antes que pudesse esboçar uma reação, foi atingida por um soco e arremessada na calçada de concreto. Viu os pães do café da manhã se espalharem pelo chão. Com o rosto afogueado pela dor, buscou com os olhos alguém que pudesse salvá-la daquele louco. Enquanto era arrastada para um carro mais adiante, com a boca tapada e os olhos cheios de lágrima, pensou no marido e nos filhos que dormiam. Refez a lista de atividades para aquele dia de feriado. Passeio ao parque, cinema, jantar na casa da sogra.

Nunca mais levou pães para casa.

Lucia Rodrigues
Enviado por Lucia Rodrigues em 17/12/2017
Reeditado em 08/01/2018
Código do texto: T6200907
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.