MEU AMOR MISTERIOSO - Parte 1

Clarissa abriu a janela daquele que seria o seu quarto por pelo menos trinta dias. Lá fora as flores do canteiro da avó Iara estavam cada vez mais coloridas e deixavam um doce aroma no ar. Pelo visto as férias na serra seriam produtivas e felizes. A jovem consultou o relógio. Já passavam das oito horas da manhã e lembrou que prometera à avó ajudar na preparação dos doces. Dona Iara comentara, na véspera, que não estava dando conta de tantas encomendas. Clarissa se vestiu rapidinho, penteou os cabelos e abriu a porta do quarto. O cheirinho de café logo alcançou as suas narinas. Tudo na casa da avó lhe remetia a sua infância.

– Bom dia, vó!

Dona Iara estava na cozinha passando café. Ganhou um beijo estalado na bochecha enquanto colocava as gostosuras sobre a mesa.

– Acordou bem na hora. O café está quase pronto.

Clarissa olhou para a mesa farta e pegou um pedaço de pão.

– Acho que não vou dar conta de tudo.

– Coma à vontade. Você está muito magrinha.

– Onde está o vô Ricardo?

– Na varanda lendo jornal.

A senhora serviu a neta de café e a jovem ficou em silêncio por alguns instantes enquanto mastigava o pão. A casa não era grande, mas tudo lá dentro era aconchegante, desde os quadros antigos nas paredes às cortinas de florezinhas que enfeitavam as janelas. A temporada de férias de verão eram dias de tranquilidade, conversas amenas e passeios sem pressa pela cidade calma. Fazia uns bons cinco anos que Clarissa não visitava os avós e tinha esquecido que a vida podia correr serena. Sem atropelos. Sem celulares recebendo mensagens a todo instante. Sem seus irmãos falando em voz alta e perturbando o silêncio. Era bom demais ficar na companhia da vó Iara e do vô Ricardo, ainda que não tivesse feito nenhuma amizade com pessoas da sua idade.

Mas isto não lhe fazia falta. A companhia dos avós lhe bastava.

– Preciso que você vá à feira para mim, Clarissa.

O pensamento dela ia longe.

– Hein? Sim, vó?

Dona Iara repetiu:

– A feira. Preciso que você compre algumas coisas para mim.

– Ah, tudo bem. Posso ir de bicicleta? Assim já dou uma voltinha.

– Claro. Você lembra onde fica?

– De bicicleta você vai levar mais ou menos dez minutos. Pegue a rua de trás e vá por mais três quadras. Não tem como errar.

Clarissa balançou a cabeça, pacientemente:

– Vó... eu lembro onde fica.

–Cuidado com esta bicicleta. Olha o trânsito.

A moça riu.

– Trânsito, vó? Onde?

– Você entendeu. Vá sem pressa.

Clarissa conduziu a bicicleta calmamente e não demorou muito até chegar à feira. Preocupada em comprar tudo certinho, Clarissa fez as compras em menos de quinze minutos e guardou o troco dentro da bolsa. A feira começava a encher e a moça foi levando a bicicleta à pé quase até a saída. Antes, no entanto, decidiu parar em uma tenda de pastéis. Enquanto aguardava ficar pronto, Clarissa olhou casualmente para o lado.

Quem era aquele cara?

Ela chegou a piscar. Há alguns metros de distância havia um jovem parado em meio às pessoas, olhando para frente, as mãos dentro do bolso da calça jeans.

Clarissa esqueceu o resto. A atitude despojada dele a perturbou. O vento balançava os seus cabelos louros. Ele parecia alheio à movimentação. A moça calculou que o rapaz bonito teria uns 19 anos, três a mais que ela.

Os olhos dele se voltaram para Clarissa e, com o coração feito um tambor, a jovem se viu observada atentamente por ele.

– Moça, está aqui o seu pastel. Moça?

Ela foi despertada pela voz forte do feirante. Clarissa voltou a cabeça para o homem que lhe estendia, impaciente, o pastel de goiabada e esperava o pagamento.

– Ah, desculpe. Quanto custa mesmo?

Estonteada, Clarissa pegou o pastel. Ansiosa, olhou para o lado novamente. O rapaz não estava mais lá.

– Droga – praguejou baixinho. Sem pensar duas vezes, Clarissa decidiu voltar para o meio da feira e tentar encontrá–lo.

Estava mais difícil caminhar agora. A todo o momento Clarissa tinha que diminuir os passos ou desviar de alguém. A bicicleta dificultava mais ainda seus movimentos. Por fim, sem ter a menor ideia de onde ele tinha ido parar, Clarissa desistiu. Não havia sinal dele em lugar algum. Além do mais, a avó já deveria estar preocupada com a demora. Um pouco decepcionada, ela voltou para casa empurrando a bicicleta e segurando o pastel na mão. Tinha perdido completamente a vontade de comer.

Como era de se esperar, Dona Iara estava no portão aguardando a neta. Mal Clarissa despontou, a senhora abanou uma das mãos, parecendo aliviada. Pouco depois ambas estavam frente a frente.

– Você demorou, Clarinha! Por que não levou o celular?

– Porque estou de férias dele também – resmungou ela entrando com a bicicleta no jardim da casa. – Parei para comprar um pastel.

– E pelo visto não está bom. Voltou inteirinho – comentou Dona Iara pegando as compras de dentro do cestinho.

Clarissa cheirou o pastel.

– Acho que está gostoso, sim. Mas é que aconteceu outra coisa.

– Que outra coisa? – Dona Iara se mostrou curiosa.

A moça acomodou a bicicleta na varanda e seguiu a avó até a cozinha.

– Eu vi um rapaz – confessou Clarissa um pouco envergonhada.

– Rapaz? Quem? Tem nome?

– Aí que está o problema. Não sei. Será que ele é daqui?

Dona Iara riu.

– Cinquenta por cento de chances de ele ser turista. Me conte. Como ele é?

– Loirinho, alto, magro... Ah, ele é tão bonito! – Clarissa se encostou–se à geladeira. – Ele me encarou por alguns instantes e depois sumiu na feira – ela não quis contar que foi atrás do rapaz. – E evaporou–se!

– Ora, que desagradável. Acho que você terá que dar mais voltas de bicicleta pelas redondezas para tentar encontrá–lo.

– Sim, pensei nisto.

Durante aquela manhã, enquanto ajudava a avó preparar suas encomendas, bem que Clarissa tentou afastar o garoto louro dos seus pensamentos. Mas era difícil esquecer aqueles olhos tão expressivos pousados nela. Clarissa nunca namorara sério até então. Os garotos que se aproximaram dela eram jovens comuns, sem grande conteúdo, nada que a cativasse. Tão diferente daquele desconhecido, o jovem sem nome, parado no meio da feira, em uma atitude de quem não iria comprar coisa alguma. Ele estaria fazendo o quê, então? Esperando alguém? Clarissa decidiu chamá–lo de Daniel, ou simplesmente Dani.

Será que Dani tinha alguma namorada? Bem possível que sim. Dani era bonito demais para ficar sozinho.

– Ai, meu Deus... – gemeu ela enquanto mexia com uma colher de pau um dos doces saborosos da avó. – Quando eu vou vê–lo de novo?

... continua...

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 12/03/2018
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