Risos
Estava alerta, alguém parecia segui-lo pela viela estreita e muito suja. Seus passos eram inseguros, afinal estava levemente alcoolizado. Tantos problemas passavam pela sua cabeça que se embaralhavam como ondas revoltas. Parava e olhava para trás, procurando quem o seguia...nada.
Finalmente entrou na avenida, foi um choque ver o movimento do transito e pessoas que circulavam nas calçadas. Era sábado e a noite estava apenas começando.
O dinheiro era pouco no banco e na carteira, mas algumas cervejas ainda era possível beber antes de voltar para casa, para o martírio da sua existência, agora mais vazia que antes...No fundo ele já imaginava coisas assim de "uma mulher como ela", bom... As idéias a seu próprio respeito eram também igualmente negativas, não era possível esperar grande coisa de alguém que fosse atraído por ele.
Entrou em uma padaria, sentou-se em um banco alto justo ao balcão.
Foi atendido por uma mocinha bonita que riu de seus gracejos desprezíveis, por fim foi direto ao assunto e pediu uma cerveja barata.
Demorou ali cerca de uns vinte minutos, agradeceu, falou alguma bobagem supostamente engraçada, pagou a bebida no caixa e voltou a avenida.
Olhou para o movimento das pessoas, desejava ser outra pessoa, qualquer uma das que passavam por ali. Sentia um abismo se aproximando, um abismo profundo muito escuro que em breve iria devorá-lo. Sentia o coração bater com uma potencia avassaladora, o corpo todo seguia os ritmos das batidas depois veio a falta de ar e a tontura.
"Estou morrendo!" - pensou.
Resolveu salvar sua própria vida, começou a correr entre as pessoas. Corria sem pensar em nada, apenas em salvar a sua vida e nem bem sabia como correr poderia ajudá-lo. Achava que estava correndo da morte em pessoa. Por fim ficou cansado e parou respirando fundo, apoiou as mãos nos joelhos olhando para os lados.
Estava salvo, a sensação havia passado. Na verdade se sentia muito melhor, chegou a sorrir por um momento.
O destino o levara a parar em frente a um teatro antigo, ficou surpreso estivera ali antes e nunca notara aquele teatro na região.
Olhou os cartazes que diziam:
"Não perca hoje Risos"
Foi apanhando de surpresa por aquela imagem, o teatro antigo o cartaz que não dizia muito, entrou na ante-sala e sentou-se no sofá que havia ali. Descansou um pouco e viu que na bilheteria estava uma garota muito bonita displicente olhando alguma coisa, talvez uma revista ou celular.
Ele se levantou e foi a bilheteria conversar com ela, não teve muito retorno, definitivamente aquele não era o seu dia... Se deu por derrotado, perguntou o preço da peça, era simbólico.
Procurou pelo dinheiro e não possuía o suficiente, desculpou-se...
A garota encarou-o e deu-lhe um bilhete.
-Pode entrar de graça mesmo.
-Tem certeza? - estava desconcertado com a oferta feita com tanto desdém.
-Aham... - respondeu a bilheteira sem olhar e de modo completamente alheio.
Pegou o bilhete e foi em direção a sala, na porta quem a guardava era um homem alto que possuía uma tez estranha, parecia cinza. Estava muito bem trajado e ao abrir a sala deu-lhe as boas vindas.
Assim que adentrou a sala, sentiu o ambiente pesado, como se algum som de alta freqüência estivesse sendo tocado, o famoso "som do silencio". Esta sensação era tão presente e real que cada passo era um esforço.
A sala era toda ornada de desenhos com motivos clássicos gregos. A iluminação era mínima em um tom dourado que passava uma estranha morbidez. Algumas pessoas estavam sentadas, porem afastadas umas das outras. Todas com um semblantes aturdidos, olhos esbugalhados e imóveis.
-Um show de graça, que posso eu esperar? - pensou.
Sentou-se e ficou ali parado olhando para o palco, a cadeira não era muito confortável, jogava a pessoa para fora do assento e a todo momento era preciso se acomodar novamente.
O tempo passou e nada da peça começar. Depois quase meia hora levantou-se e olhou ao redor, todos continuavam em seus lugares olhando fixamente para frente.
Achou de bom tom voltar ao assento...
Novos trinta minutos se passaram, foi então que gritou:
-Não vai começar a peça!! -achou um disparate ficar ali mesmo de graça todo este tempo.
-A peça!? - voltou a gritar.
Como ninguém respondeu e as pessoas pareciam em um estranho transe, se levantou e foi seguindo o caminho de onde viera. Para sua surpresa não existia mais nenhuma porta para o recinto em que se encontrava.
Olhou para as pessoas e elas continuavam imóveis esperando a peça que não começava. Sentia a sensação que o assolara na rua nesta noite, a respiração ofegante o pulso elevado. Desesperado procurava uma saída, chutava a parede onde há não muito tempo existia uma porta, a mesma porta da qual ele entrara no teatro.
Não era tanto a impossibilidade de sair da sala que o assustava, mas o fato absurdo que se tornava realidade à sua frente. Estaria ficando louco ou era mesmo essa a realidade que se distorcia de uma forma absurda, esta ultima possibilidade parecia a mais plausível...como ter certeza agora daquilo que estaria por vir?
Olhou para a sala e viu ao lado do palco uma cortina preta que não havia observado antes, correu na direção dela. Atravessou a sala à passos largos e desengonçados, abriu a cortina e viu uma placa logo acima de um corredor muito escuro, ela indicava que ali era a saída.
Embora não visse nada dentro daquele corredor a não ser uma escuridão absoluta, ficou aliviado por uns instantes afinal deveria existir uma porta que o levasse a sanidade do ar livre novamente.
Olhou para a sala ainda mais uma vez e todos aparentemente o ignoravam, tinham o olhar fixo no palco. Voltou-se então para o único caminho que parecia possível, a negritude profunda do corredor.
Começou a correr pelo corredor e não enxergava para onde estava indo. Via sua sombra no chão projetada a sua frente pela pouca luz que vinha da entrada da passagem, mas esta foi se sumindo à medida que se entrava mais e mais pelo corredor sem fim. Obstinado continuou em frente e os seus pés já não emitiam nenhum som ao tocar no piso, mesmo a certeza de haver um piso ali tornara-se muito frágil. A sensação era de ser estar no vazio absoluto, nem mesmo, suas próprias mãos ele enxergava mais.
Perdeu a referencia espacial e sua cabeça rodava, foi neste momento em que começou a ouvir, os risos. Eram risos vindos de toda a parte, risos jocosos, risos de deboche, risos de escarnecimento.As vezes se ouvia algum lamurio distante e vozes dizendo coisas incompreensíveis ...
Finalmente ele teve uma chance viu um brilho muito pequeno, parecia distante e começou a correr na direção da pequenina luzinha que trazia-lhe tanta esperança.
Via uma passagem se aproximando, seria a saída de todo o pesadelo?
Meu Deus, não era, ele estava de volta a sala, as pessoas desta vez não o ignoravam, estavam todas olhando para ele com a mesma expressão fantasmal de sempre.
Pesadamente caminhou ele então entre as cadeiras e sentou-se.
Ficou esperando a peça começar.