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Ouvi primeiro o ruído de cascos pisando a grama, mas continuei deitado de bruços na esteira que havia estendido ao lado da barraca. Senti nitidamente o cheiro acre muito próximo. Virei-me devagar, abri os olhos. O cavalo erguia-se interminavelmente à minha frente. Em cima dele havia uma espingarda apontada para mim e atrás da espingarda um velhinho de chapéu de palha, que disse logo o seguinte:

- O que está fazendo aqui?

- Eu estou descansando, mas já estou indo embora.

- Embora para onde? Não sabe onde está?

- Sei, mas porque pergunta?

- Nada não, é que muitas pessoas quando chegam aqui ficam meio que “abaladas” por conta da rapidez. E você o que fez para estar aqui?

No momento eu fiquei confuso, mas respondi sem delongas:

- Eu vim para esse lugar descansar espairecer as ideias. A vida é curta, temos que aproveitar cada momento. Essa é a primeira vez que saio para acampar. Não tenho muitos amigos por isso que não vim com ninguém. E o senhor? O que faz aqui?

Ele desmontou do cavalo, guardou a espingarda e se sentou no meu lado.

- Filho, eu estou aqui há muito tempo. Fui levado para esse lugar porque estava muito doente. Não me avisaram nada, pensei que estava em casa, mas não. Perdi tudo e também todos, sou encarregado de guiar as pessoas para os seus respectivos lugares. As pessoas que não sabem para onde ir e nem por onde.

- Mas eu sei para e por onde ir. É só ir pelo...

- Não, não esse tipo de caminho. O caminho da luz, assim como você, eu também já estive aqui, como você está. Ande, ande e ande mais. Não encontrará a saída e nem o caminho. As pessoas que entram aqui não voltam mais.

- Não estou entendendo.

- Você entenderá, siga-me.

No momento eu fiquei um pouco com medo, pois eu não estava entendendo completamente nada. Mas criei coragem e me levantei.

- Só um minuto. Ajude-me só com a barraca, é que ela é um pouco...

- Não, não necessitará mais dessas coisas matérias. Venha, eu conheço alguém que pode te dar tudo.

Então eu fui, mas para me prevenir levei comigo o meu canivete. “Vai que ele queira me tapear”. Ele deixou o cavalo pastando e fomos. Andamos ao longo do vale. “Eu escolhi o lugar perfeito para fazer um acampamento.” Porém não conhecia muito bem adiante. Passamos por várias cachoeiras e montes que pareciam lanças de neve. O velho não falara nada desde o momento de nossa saída. Foi só então que eu percebi que estava voltando para o lugar onde estávamos, mas não pelo mesmo lugar e sim por um lugar que eu nunca tinha visto na minha vida. Quando consegui avistar as minhas coisas eu percebi que tinha algo de diferente, o cavalo não estava mais lá e tinha muitas pessoas ao redor da esteira. “O que aconteceu?” Quando tateei o bolço à procura do canivete ele não estava mais lá. Nem minhas roupas estavam no meu corpo. E também o velho não encontrava comigo, mas o cavalo estava morto com um tiro na cabeça. “O que está acontecendo?” Cheguei próximo à esteira, ninguém me notou. Quando olhei o lugar em que ela se encontrava tive um espanto. Na esteira se encontrava o meu corpo, um corpo pálido e com um buraco grande na cabeça, creio que foi um tiro que a estragou. Então percebi que a essência da vida não se encontrava mais nem no meu corpo tanto quanto na minha alma. Olhei em volta das pessoas e encontrei o velho. Ele estava sorrindo, mas havia uma lágrima em seu rosto.

- O que aconteceu?

- Você morreu.

- Como eu morri?

- Eu te matei.

- Onde estou?

- Está no inferno.

- Quem é você?

- Seu assassino.

Mardes Malveira
Enviado por Mardes Malveira em 16/05/2018
Código do texto: T6338426
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