O outro lado da cama

Ele acordou no meio da noite, assustado. Não queria olhar para o lado. Tinha medo de olhar e ver que sua mulher não estava mais ali. Havia-o deixado. O suor transbordava sua pele, seu rosto. Ela disse que um dia o deixaria pois não o amava mais. Ele queria saber o motivo. Ela simplesmente dizia que não sentia o mesmo fogo, aquele ardor e o sentimento de antes. Ele temia passar ao menos as mãos no lado que ela dormia. E se ele coloca as mãos, tenta apalpar e não acha nada? Então seria naquela noite que ela haveria partido. Levantar a cabeça e olhar para outro lado seria o seu maior pesadelo. O medo de não vê-la mais ali ao seu lado, mesmo que não o amasse, mas ele a queria ao seu lado. Mesmo que não o amasse mais ele a queria ao seu lado. Mesmo que não aquecesse mais os seus pés, mesmo que aqueles pés não se encontrassem...

Ele esforçou-se para por os pés alguns centímetros para trás. Se sentisse algo seriam os pés dela, então ela estaria ali ainda e ele ficaria feliz. Sua amada. Sua doce e eterna amada. Então ele saberia que ela não o abandonaria mais, ou tão cedo não o faria. Tentou sentir o perfume dela aspirando todo o ar à sua volta mas nada sentiu. Sentiu sim, um calafrio percorrer-lhe todo o corpo. Tremeu. E se ela tivesse saído sorrateiramente para se encontrar com seu amante? E na longa noite escura! E se ela tivesse colocado aquele vestido que ele tanto gostava quando ela usava... e para o seu amante!!! E se ela estivesse agora nos braços de outro?!? Ele tinha ciúmes quando ela saia com aquele vestido preferido dele. Sua mente começou traquinar coisas sem nexo, coisas sem sentido tal o seu desespero. Fez um esforço sem olhar e apalpou onde ela estaria deitada normalmente. Nada sentiu. Um ódio estarrecedor tomou conta da sua mente agora doentia. Enciumado ao extremo, quase enlouquecido, não pensou duas vezes: abriu a gaveta do criado e com toda sua fúria desferiu vários golpes com aquele punhal no colchão ao seu lado, onde ela deveria estar deitada, dormindo.

- maldita! Mil vezes maldita! Apunhalou a cama ao seu lado várias vezes como se quisesse matá-la.

- sua vadia! – entrou em desespero, começou a chorar – se soubesses como te amo! Como te quero! Como nunca eu quis alguém na vida! Sua meretriz!! Fugiste de mim para viver outro amor! Maldita sejas!! Mas, juro, não serás de mais ninguém. Ninguém a terá como eu tive. Só eu, só eu!!

Ele desferia golpes brutais e contínuos sem parar até que exausto deixou a mão cair para o lado e o punhal escapou-lhe das mãos. Adormeceu.

De madrugada acordou sonolento e sentiu seu corpo empapado do sangue da sua amada. Ele olhou para o lado onde ela estaria e viu o corpo dela. Assustou-se. Sentiu um calafrio. Começou a chorar e de repente a rir. Ria e chorava.

- Agora... agora ninguém vai tê-la. Ninguém vai senti-la. Só eu a tive, só eu a senti. Só eu!!

Ela estava alí deitada de bruços, imóvel. Inerte. O corpo todo perfurado pelo punhal. Ele a envolveu com o braço esquerdo fazendo-lhe carinhos. Agora sim ele estava feliz pois ela dormiria todas as noites ao seu lado. Ela não o deixaria mais. Nunca mais o trairia com outros homens. Enfim ele poderia dormir sossegado todas as noites. Deu-lhe um beijo na face ensanguentada e acarinhou-lhe os cabelos.

Ajosan
Enviado por Ajosan em 04/11/2018
Código do texto: T6494506
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