PARQUE DO TERRO: UMA VISITA INDESEJADA (cap. 3)

Entre julho e novembro, o céu de Santos ficava cinza, e o ar frio mesmo ao meio dia, quando Carlye saía da sua toca, que ficava no segundo andar, descendo a escada externa em espiral, a escada de madeira que ele amava tanto, mas estava agora cheia de cupins (malditos vermes!) refletia exatamente o seu estado de espírito. Poderia até dizer gelado como todos sempre o classificaram; um homem sem sentimentos; um homem implacável, anti-social. Sim, ele adorava todas essas qualidades que aquelas toupeiras de seus antigos colegas e familiares julgavam por serem defeitos ou propensões. Sim, ele adorava ser considerado um homem frio. O frio era bom. O frio fazia com que as pessoas pensassem e assim ele sempre as fez pensarem.

Mas, vinte anos depois, sabe lá quem ainda estivera viva. Quem? A Dona Sidney, a empregada da casa? Talvez. Ele não a matara. (Não eu, o cão. Sim, o cão, droga. Mas sim, o cão que sou eu. E ele sou eu!). Enfim, a velha não tinha ido trabalhar naquela tarde e deu sorte. Uma predestinada talvez seja melhor dizer. Uma predestinada sortuda que merecia sim o mesmo fim de toda sua família. Eles foram destroçados pelo Satân com toda a honradez possível. O cão assassino, conforme ficou conhecido por aqueles malditos jornalistas de Londres (Mas você minha querida Nancy, você era tão linda, não merecia, não!). Mas, todos tiveram o fim ao qual foram destinados e Carlye não tinha nenhuma culpa guardada em parte nenhuma de seu ser.

O fato agora é que tinha saído vestido com um casaco fino e estava frio, muito mais do que esperava; e ainda não tinha chegado à metade dos sete quilômetros entre o centro daquela maldita cidade e o parque de diversões. Mas tinha colocado uma toca e um cachecol e podia os amarrar, os apertar contra seu corpo, esquentando-se, sentindo-o como o cão Satân sentia a carne de suas vítimas. O corpo ficava quente como o sangue quente na boca de Satân; que combinação mais deliciosa.

A padaria da divisa fora a única parada de Carlye hoje, onde comprara duas bombas de chocolate e dez pãezinhos ainda quentes e macios. Ficaria no escritório o dia todo, bebericando o cafezinho cheiroso que tinha comprado ontem. Seria uma noite de paz, após tantos anos de tormenta, de fuga da cidade de Londres. Aquele detetive nojento tinha o obrigado a fugir. Depois de tantos anos, décadas, o Carlye de Londres, fugira, deixara a cidade mais nobre do globo terrestre para trás. E tudo por culpa daquele maldito detetive! Tudo por culpa dele! Por quê? Por que ele tinha que se meter em investigações policiais, ajudando aqueles cretinos?

Ao menos até agora, depois de duas semanas, não sobe de nada a respeito daquele metido a esperto. Mas não sabia se isso lhe significaria um bom ou mau presságio. Afinal aquele detetivezinho agia nas sombras, sempre nelas!

Então tinha que estar atento para não ser pego.

E para tanto, contava com a excelente e sempre efetiva ajuda de Satân, seu cão fabricado em laboratório. Aquela verdadeira arma também tinha a qualidade de alertá-lo sempre que qualquer intruso se aproximava da residência. Ele tinha ficado preso desta vez. Era muito bom passear com ele mas Carlye decidiu que dessa vez faria diferente. Passearia com seu companheiro depois que ele se acalmasse um pouco. Dessa vez tentaria socializá-lo de alguma maneira; o faria conhecer algumas cadelinhas (Mas sem filhotes, Satân! Não pode, não é?). Foi o que o Dean Carter tinha lhe recomendado naquela noite que lhe entregou o filhotinho (tão lindo, tão fofo, tão cheiroso!).

Dessa vez seria diferente, pensou abrindo o cadeado quando viu um carro com quatro jovens dentro, virando a esquina.

Carlye se apressou para não ser visto e não conseguiu bater o cadeado. (Mas que droga!) Correu feito um louco na direção do trem-fantasma, sua atual residência, quase deixando uma das bombas de chocolate cair no chão.

-Malditos jovens! Malditos!

Quando fechou a porta ouviu o carro parando e vozes indistintas lá fora.

Os jovens, os jovens! Eles não podem entrar! Não! Aqui é meu lar, seus fedelhos! Minha propriedade!

Alexandre Scarpa
Enviado por Alexandre Scarpa em 13/12/2018
Reeditado em 13/12/2018
Código do texto: T6525703
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