Pecados dos pais

O dr. Felix Wagenknecht recebeu os Lehning, marido e mulher, em seu consultório no centro de Kiel. As notícias que tinha para ambos não eram nada boas - mas poderiam tornar-se muito piores, teve que reconhecer.

- Vou ter que dar alta ao Egon - declarou, assim que o casal tomou assento à sua frente.

- Mas... houve algum progresso no caso dele, doutor? - Indagou surpresa Klara Lehning.

- Nenhum progresso - abriu as mãos sobre a mesa de trabalho, em desalento. - E ainda assim, vou ter que lhes pedir que retirem seu filho do sanatório. É o conselho de um pai, cristão e católico como vocês, não uma recomendação médica.

Os Lehning entreolharam-se.

- Bem... entendo o que quer dizer, doutor - replicou Lothar Lehning em tom hesitante. - Só que imaginamos que... o problema... não atingiria sanatórios particulares.

- Ainda não, mas creio ser melhor não arriscar com a possibilidade disso acontecer num futuro próximo - declarou Wagenknecht. - Hoje, no caminho para cá, passei por um grupo de moleques... estavam conversando sobre os ônibus que levam pacientes pelas ruas da cidade. Aparentemente, ninguém é visto desembarcando deles no destino... ao menos, não caminhando sobre os próprios pés. Tirem suas conclusões a partir daí.

Os Lehning o encararam aterrados.

- Nós... vamos levar o Egon para casa - prometeu Lothar Lehning.

- Façam isso, mas talvez não seja suficiente. Se tiverem condições financeiras, saiam do país... vão para Oslo ou Gotemburgo, na Suécia, que ao menos nominalmente é um país neutro - sugeriu o médico.

- Ninguém se coloca publicamente contra... esse absurdo, doutor? - Indagou aflita Klara Lehning.

- Todos temos medo de morrer, sra. Lehning - o médico lançou-lhe um olhar de simpatia. - Como vamos nos posicionar em público contra uma política do Estado, mesmo que encoberta, em tempo de guerra? O Reich tornou claro através de seus representantes, que deficientes, incapazes, consomem recursos que seriam melhor empregados no sustento daqueles aptos para o trabalho ou combate. Vocês são privilegiados, porque seu filho está fora de uma instituição oficial, mas profissionais de saúde devem comunicar às autoridades os casos de pessoas que se enquadrem como "improdutivos". Mas, acima das leis do Reich, guio-me pela minha consciência e minha formação cristã, e esta diz "não matarás".

Abriu uma gaveta sob a mesa e dela retirou uma folha de receituário. Assinou-a e carimbou.

- Aqui está a alta de Egon. Podem ir buscá-lo agora.

E erguendo-se para despedir-se dos visitantes, acrescentou com ar triste:

- Espero, sinceramente, não vê-los mais por aqui.

- [05-01-2019]