Qualificações para salvadoras do mundo

Devorah Grünenklee - aliás, Debora Gröning, como agora estava sendo oficialmente chamada pela imprensa nazista - foi deixada sozinha numa sala elegante do Ordenspalais, na Wilhelmplatz 9, Berlim. Avisaram-na de que deveria aguardar ali pela chegada de uma "pessoa importante", e ela imaginou que poderia ser até mesmo o Ministerialdirektor Hans Fritzsche, preposto de Joseph Goebbels no Ministério da Propaganda. Mas sua surpresa aumentou quando a porta do aposento foi aberta pelo soldado da SS que fazia a guarda do lado de fora, e por ela entrou uma mulher madura, de porte imponente e fisionomia serena. A recém-chegada usava o elegante uniforme cinza-azulado das SS-Helferinnen, um casquete sobre os cabelos louros presos num coque atrás da cabeça. Gröning, como "agregada" do Ministério do Armamento, tinha uma certa facilidade em identificar postos hierárquicos pelas insígnias, mas nunca tivera qualquer contato com alguém do corpo feminino das SS.

- Madame... - hesitou ela, erguendo-se do sofá revestido de veludo onde estivera sentada.

A visitante fechou a porta atrás de si antes de dirigir-se à ela. E, quando o fez, abriu um sorriso:

- Então é você... Debora Gröning! Não é o seu nome verdadeiro, não é?

E estendeu-lhe a mão. Aturdida, Gröning estendeu a sua, que recebeu um sólido aperto.

- Senhora... não, senhora. Meu nome verdadeiro é Devorah Grünenklee. Mas o Ministério da Propaganda achou melhor...

A visitante fez um gesto depreciativo e concluiu a frase:

- O Ministério da Propaganda achou melhor não usar um nome judeu numa campanha publicitária voltada para judeus. Bem típico desses imbecis.

Gröning lançou-lhe um olhar de admiração.

- Eu não me apresentei - disse a mulher. - Sou a SS-Oberhelfer Ermintrude Kästner Friedmann.

E fazendo um gesto para o sofá onde Gröning estivera sentada, acrescentou:

- Vamos nos sentar e conversar um pouco.

Sentadas lado a lado, Friedmann a encarou em silêncio por alguns instantes. Quando Gröning começou a perguntar-se se havia algo de errado com ela, Friedmann exclamou:

- É extraordinário!

- O que, senhora? - Indagou Gröning perplexa.

- Que eu, uma católica, e você uma judia, estejamos sentadas aqui, lado a lado, numa sala do Ministério da Propaganda do Reich! - Replicou Friedmann. - Quando fiquei sabendo quem era você, imediatamente tive a certeza de que minhas preces haviam sido atendidas!

E segurando a jovem pelos braços:

- Nós podemos virar esse jogo, Debora! - Sussurrou ela. - O Reich precisa de nós e da nossa cooperação... sem ela, não poderão fazer o que quer que estejam planejando fazer. E que, com certeza, não deve ser nada de bom!

- Mas... - titubeou Gröning. - A senhora é uma oficial da SS, pelo que posso deduzir do uniforme. Por que iria querer fazer algo que pusesse em jogo sua posição de autoridade?

- Porque não entrei para as SS-Helferinnen por opção... - declarou Friedmann. - Fui recrutada, obrigada, da mesma forma que deve ter ocorrido com você; sou uma mãe de família, tenho duas filhas, marido. O que nos diferencia é que você, sendo judia, jamais poderia ter sido enviada para a escola de formação de quadros da SS, como eu.

Gröning começou a sentir que diante de todo aquele entusiasmo, havia uma possibilidade real não somente de mudar a própria história, mas o destino do seu próprio povo, nas mãos dos nazistas.

- Quando me disseram que hoje eu iria conhecer uma "pessoa importante", jamais imaginei alguém como a senhora - admitiu Gröning.

Desta vez, foi Friedmann quem exibiu uma expressão interrogativa.

- Pois a mim disseram a mesma coisa... imaginei que fosse você, por conta da campanha do Ministério da Propaganda.

Gröning sorriu.

- Não sou mais obrigada a usar a estrela amarela costurada na roupa, mas isso não faz de mim nem um pouco mais importante do que antes.

- Então... quem estamos aguardando? - Interrogou-se Friedmann.

A resposta não tardou muito. A porta da sala foi aberta pelo guarda da SS, o qual ficou em posição de sentido. Uma figura em contraluz parou sob o umbral, mãos atrás das costas. Quando as duas mulheres perceberam de quem se tratava, puseram-se de pé simultaneamente. Friedmann ergueu o braço direito num ângulo de 45º e fez a saudação nazista:

- Heil Hitler!

- [07-01-2019]