O sertão dos Lampiões e Marias Bonitas

Amolou a peixeira, tomou um gole de cachaça e foi para a igreja. Daquela vez acertaria suas pendências com o padre. E não era penitência. Fora demitida sem justa causa e sem receber nada depois de dedicar a sua vida lavando e cozinhando para os padres, arrumando a igreja, tocando o sino cedo da manhã e ainda fabricando hóstia. Melhor momento não havia: se o padre bebe o sangue de Cristo, ela beberia o sangue do padre em sua honra e glória.

Era a festa do Divino, igreja lotada, povo suando às bicas, e o padre fazia o seu sermão falando de fraternidade e justiça.

- Seu padre, faça sua última oração que o seu dia chegou! - gritou sua ex-funcionária, adentrando a igreja com a faca na mão. O padre não sabia se corria, se ficava ou se chorava, mas não pode evitar o fedor de merda no ar. Seria pecado cagar no altar?

- Você é um canalha, um corrupto, um desumano, me demitiu depois de tantos anos servindo a você e sequer paga os meus direitos trabalhistas! Vai morrer, seu cachorro!

Ele olhou para o altar em busca de socorro divino e teve uma ideia luminosa:

- Escute, ouça a canção!

- Que canção?

- Raul Seixas cantava assim: "E não adianta / você me esfaquear / porque você mata um padre / e vem dez em seu lugar".

Ela pensou, pensou, chegou à conclusão de que matando o pilantra não resolveria em nada o seu problema, deu-se por satisfeita em saquear a adega da igreja.

Pelo menos, naquela missa, quem beberia o sangue de Cristo seria ela.