A PASTA PRETA

   Já era tarde da noite quando Charles chegou em casa, trazia debaixo do braço, bem segura, uma pasta preta. Nas mãos as chaves do velho sobrado onde residia, olhou ao redor desconfiado e abriu uma pequena grade que dava acesso ao primeiro andar subindo rapidamente. Antes de abrir a porta do cômodo olhou a escada quase às escuras e teve a impressão de ter visto uma sombra mover-se além da grade, já fechada. Arrepiou-se, continuou olhando, nada de anormal porém aconteceu. Pode ter sido impressão, pensou.

   O relógio de parede marcava 23:50 h. quando ele se sentou em uma cadeira de balanço de palha, depois de um banho quente nessa noite fria, tendo em uma das mãos um copo de vinho e na outra o cigarro que acabara de acender. Fechou a janela de vidro onde tinha a visão da rua, já totalmente escura e sem a presença de uma viv'alma, nem o guarda do parque que ficava nas redondezas  por ali estava mais, já que era costume dele circular na artéria além da vigilância no parque. Alguns minutos se passaram com ele ali na janela, olhando através da vidraça, olhando a rua escura. Tinha certeza que havia deixado a bendita janela fechada, mas tudo pode acontecer, poderia ter esquecido quando saíra pela manhã. Voltou para a cadeira e continuou sorvendo o vinho e dando boas baforadas. A fumaça oriunda de sua boca formou imagens no ar, o ambiente fechado e sem ventilação propiciou esse feito, Charles olhou atentamente os contornos das figuras, com a fumaça quase parada no ar, viu coisas que dificilmente acreditaria se lhe contassem. Mulheres pareciam dançar, cores estranhas circulavam aqueles corpos semi-nus, imaginou até uma música para "abrilhantar" a encenação que começou a lhe dar prazer. A garrafa de vinho ali estava sob uma cômoda, encheu novamente o copo e o levou a boca. Deu  mais uma tragada no cigarro e outra baforada mais forte no ar, as "mulheres" pareceram não gostar, com as mãos afastaram a fumaça e ele pôde ouvir claramente elas tossirem. Ele também tossiu, não pela fumaça, mas pela circunstância da situação inusitada que assistia. Inesperadamente uma rajada de vento abriu a janela e dissipou toda a fumaça que pairava no ar.

   Do lado de fora uma figura estava posicionada atrás de um poste, usava um capote e um chapéu preto, seu rosto não se via devido a falta de iluminação na rua. Um carro de cor escura se aproximou e parou próximo ao sujeito, que deu dois passos e se aproximou, iniciando um diálogo com o motorista. A cena foi vista por Charles que ao fechar novamente a janela visualizou o homem em pé apontando para o prédio. Isso o deixou muito preocupado, mas continuou a espiar e percebeu que o veículo se movimentou e estacionou bem na frente de onde morava. Dois homens desceram e bateram palmas, usavam capotes e chapéus pretos também, assim como o outro que deu alguma informação, que também se dirigiu ao portão de entrada.

Charles se apavorou, não sabia o que fazer, ali não existia outra saída senão a grade que dava acesso a escada e consequentemente seu imóvel. Conhecia aqueles homens e sabia o mal que tinha feito, violara regras da organização na qual se infiltrara, temia agora pela sua vida.

   Longe dali, em um confortável escritório no alto de um edifícil, um homem sizudo, barba rala, falava ao telefone. Era o chefe de uma missão encarregada de roubar o cofre de uma empresa de valores durante a madrugada, conversava com um dos homens que foram a casa de Charles, tendo ordenado que o eliminasse e trouxesse de volta a pasta preta que ele surrupiou da organização criminosa. O roubo foi perpetrado e Charles, que também participou do episósio, apoderou-se indevidamente de parte do dinheiro escondendo nessa pasta agora procurada. Deixou-a em local reservado por ele, só que foi monitorado sem se dar conta. Levou a quantia para sua residência sem imaginar que seria descoberto, agora estava prestando contas do seu ato.

   Os homens chegaram ao portão e o chamaram, tendo ele aparecido na porta desconfiado. "Queremos a pasta que está com você", disse um dos homens. "Não vamos fazer nada, apenas abra essa grade", falou novamente o homem. Charles obedeceu e abriu, não tinha outra alternativa, achava que sairia ileso entregando o que não lhe pertencia. Entregou a pasta e recebeu dois tiros a queima roupa caindo ainda na escada. Os homens deixaram o local no veículo em que chegaram.

  

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 05/02/2019
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