Razões de Estado
- O que você pretende fazer depois do Vietnã, Reynolds?
O tenente Bradley Reynolds hesitou por um instante, antes de responder a pergunta do seu superior, o capitão Gregory Walton, inclinado sobre uma mesa coberta por papelada e mapas da Trilha Ho Chi Minh.
- Bem... eu gostaria de fazer universidade. Direito, senhor - respondeu finalmente.
- Direito pode ser interessante... - ponderou Walton, erguendo a cabeça dos mapas. - Desde que você não pretenda fazer carreira negociando com os Charlies.
Reynolds sorriu.
- Com esses eu só pretendo conversar por trás do meu M-14, senhor.
- Exatamente, Reynolds - acedeu calmamente o capitão. - Não há conversa com os Charlies; estamos aqui para ajudar os nossos aliados de Saigon a vencer a guerra contra os comunistas, certo?
Reynolds balançou a cabeça em concordância, mas começou a achar o rumo da história estranho.
- Certo, senhor... mas está acontecendo alguma coisa que eu deveria saber?
Walton inclinou-se para trás em sua cadeira, e encarou o subordinado.
- Reynolds, você é um consultor do Exército dos Estados Unidos... lida diretamente com os militares do Vietnã do Sul, faz voos de reconhecimento sobre a Trilha Ho Chi Minh, seus relatórios orientam ações contra o inimigo...
Reynolds apenas balançava a cabeça, enquanto o capitão enumerava as atividades dele.
- Você possui responsabilidades, não somente para com seus compatriotas, mas também no que diz respeito aos nossos aliados. O relatório do seu último sobrevoo me deixou extremamente preocupado.
Finalmente, Reynolds entendeu do que se tratava. Pilotando um velho Cessna L-19, havia sobrevoado o que parecia ser um acampamento vietcongue às margens da Trilha Ho Chi Minh; retornou para uma segunda passada, quase roçando o topo das árvores, e percebeu que havia caminhões do exército sul-vietnamita ali, descarregando sacos de arroz.
- Bem, senhor... - respondeu cautelosamente. - Conforme registrei no meu relatório, tudo leva a crer que há alguém nos altos escalões sul-vietnamitas, aqui em Da Nang, que está desviando arroz dos refugiados e o vendendo para os Charlies.
Walton entrelaçou os dedos das mãos sobre a mesa.
- Reynolds, este é um assunto interno do governo do Vietnã do Sul - replicou afavelmente. - Você não deve tirar conclusões dos seus voos de reconhecimento; deixe essa tarefa para o pessoal da inteligência. Vamos fazer o seguinte: você vai reescrever o relatório e excluir dele as suas suposições. Estamos entendidos?
Reynolds balançou a cabeça, vagarosamente.
- Entendido, capitão.
- Ótimo, Reynolds. Você é um rapaz inteligente; aposto que será um bom advogado.
No dia seguinte, o tenente Reynolds pediu transferência de Da Nang para Saigon, alegando razões pessoais. Estas transferências normalmente levavam semanas para serem autorizadas - quando o eram - mas, no caso dele, com uma pequena ajuda do capitão Walton, poucos dias depois estava bem longe da fronteira com o Vietnã do Norte e da mortífera Trilha Ho Chi Minh.
- [09-02-2019]