Mavet

Em silêncio e serena ela arrumava as sapatilhas de balé dentro da maleta, se despedia dos colegas e caminhava para casa por uma rua tranquila naquela última noite de verão. A jovem de longos cabelos castanhos ondulados, pele rosada e ar tranquilo imersa em seus pensamentos, sentia o frescor do vento que batia nas árvores daquele caminho quase deserto, caminhar através daquelas ruas largas com poucas e grandes casas e árvores enormes e copudas lhe trazia uma sensação de liberdade, o silêncio que era cortado apenas pelo ladrar de alguns cães e pelo vento, transformava o caminho no cenário perfeito para um filme de suspense.

Então, se vendo sozinha ela olhou para o céu estrelado, engoliu seco e deu liberdade para que algumas lágrimas rolassem em seu rosto, foram apenas mais alguns passos, até que o silêncio agora fosse quase absoluto, cortado apenas pelo som de seus passos, o vento parou e os cães se calaram e abruptamente ela cessou seu caminhar, secou o rosto, respirou fundo, sentiu um ar gélido na nuca e disse em um tom de voz ameno cerrando os olhos lentamente:

_ Eu sei que você está aí, embora eu o veja, mas a sua presença é cada vez mais constante, não estou assustada, mas não gosto dessa sensação de olhos sobre mim.

Nesse instante ouviu-se um rajar de ventos tão fortes, e em perto de si sentiu um pequeno tornado devido a força daquele vendaval, na sequencia em sua frente pairava vindo de cima, uma criatura de feições quase humanas, alto, magro, longos cabelos negros tão brilhantes que refletiam a luz prateada da Lua, o corpo de um branco pálido e com o peito e as costas cobertos por símbolos semelhantes a tatuagens, seus olhos eram profundos e verdes como folhas novas das Árvores. E apesar da visão extremamente estúrdia, ela não demonstrou nenhuma reação a não ser um levantar de sobrancelha, desviou-se para a direita, como se estivesse cansada e continuou a caminhar...

_ Eu sei a razão do teu choro. Disse ele com uma voz tão grave quanto um trovão.

Ela virou-se para ele o encarando com naturalidade e com suavidade perguntou:

_ Você é um anjo? Confesso que é um pouco mais “Sombrio do que eu imaginava”

_ Para alguns... Sim. Respondeu ele até então sucinto.

Ela permaneceu imóvel, esperando o complemento daquela resposta.

_ Eu sou Mavet. Na sua cultura sou conhecido como ceifeiro, mas existem tantos nomes. Somos mais antigos que a própria Terra e há milênios temos o dever de romper os laços entre a alma e o corpo daqueles cuja jornada se encerra aqui, viajamos por todos os planos, físico e espiritual, vamos do céu ao submundo, somos os únicos que caminham por todos os reinos sem restrição, criaturas fleumáticas, sem questionamentos, sem tomar parte na divisão entre os universos e apenas cumprindo a nossa função; Porém, um dia algo mudou.

Certa vez, um ceifeiro, mudou sua natureza ao ver-se admirado por uma criatura humana, nela havia algo que o fez despertar aquilo que nenhum de nós jamais teve: “ _ Sentimentos”, passou então a observar as relações humanas em cada uma de suas colheitas, interessado sempre voltava a procurar a razão de sua mudança, chegou ao ponto de que a observação já não era suficiente, teve então uma ideia, ouvirá falar de celestes que haviam se personificado afim de estar entre os humanos... E assim o fez personificado usou de sua sabedoria de ser eterno e se aproximou daquela humana, e dessa relação nasceu uma criança, mas ceifadores trazem a morte e não a vida e por essa razão a ordem natural das coisas foi abalada.

_ Você chora, pois seu colega de sala, aquele que você mais gosta, está mergulhado em uma depressão profunda, em vias de se suicidar e por mais que você tente demonstrar carinho e buscar ajuda-lo, as coisas não mudam (E nem vão…), não há nada que possa fazer para evitar isso, todas as pessoas a quem você se afeiçoou intensamente, desejavam desesperadamente morrer, todas definhavam em desespero, algumas até acabaram colocando um fim a própria vida, e você viu isso mais vezes que qualquer outra pessoa nessa vida já viu, você chegou até a se considerar um “amuleto de azar”, mas a verdade, é que o seu amor as faz querer morrer, um ser que trás a morte como um ceifeiro, jamais deveria gerar vida e por essa razão, a vida gerada nessa relação é amaldiçoada, então o amor que deveria ser fonte de vida, em você é fonte de morte, sua natureza não é totalmente humana, e por isso, sua vida se estenderá atrás de muitos séculos, mas por onde você passar, sempre que amar, o alvo do seu amor e carinho, definhará de desejo pela morte, não encontrará paz até, nem alívio em nada até que assim o seja. Você chora porque acha que dá azar, mas você não dá azar, você é apenas, filha da morte.

Megami Lua
Enviado por Megami Lua em 22/02/2019
Código do texto: T6581404
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