A Comissão

Meus clientes geralmente dão boas referências dos meus serviços, e antes de aceitar qualquer trabalho de investigação, costumo verificar quem está me contratando, para não me arrepender depois. Isso tem me evitado uma série de dores de cabeça, embora nem sempre quem é investigado receba esportivamente as acusações sobre seus delitos. Quando não terminam atrás das grades, ou fugindo da cidade, os meliantes podem resolver liquidar a origem dos seus problemas imediatos - me liquidando. Este, obviamente, é um raciocínio simplista, visto que eu não sou o causador de seus dissabores, mas apenas um instrumento utilizado para restaurar a justiça; mas quem disse que gângsters, falsários ou vigaristas seguem a razão?

Assim, eu aprendera a evitar seguir sempre a mesma rota, na ida para o meu escritório em Manhattan, ou no retorno para casa, em Jérsei. Algumas vezes, ia de metrô, ou de táxi. Noutras, como naquela noite, eu alugava um automóvel e dava uma volta inteira no quarteirão do meu prédio, para verificar se havia algo suspeito na rua, antes de estacionar e entrar. E logo percebi que havia um Pontiac Streamliner preto, parado em frente ao meu prédio, do outro lado da rua; até aí, nada demais, mas percebi que havia um homem ao volante, e que ele estava fumando. Muito provavelmente, o motorista de um carro de fuga, e eu tinha boas razões para acreditar que alguém já havia entrado no prédio e aguardava a minha chegada. Bom, se a ideia era essa, eu iria surpreendê-los.

Parei na próxima esquina, fora do ângulo de visão do motorista do Pontiac, e depois voltei pelo lado dele da calçada, mão no bolso do paletó, onde estava o meu Colt Detective Special .38. O homem estava nitidamente vigiando o meu prédio, totalmente desatento a quem vinha pela sua direita. Aproximei-me calmamente, e quando estava próximo, saquei o revólver e pressionei-o contra sua têmpora. Ele quase engoliu o cigarro, de susto.

- Quem o mandou aqui? - Sussurrei, baixando a cabeça para a janela aberta do lado do motorista.

- Não quero lhe fazer mal... - murmurou ele, rolando o cigarro para o canto da boca.

- Mãos no volante. Devagar - comandei. - Depois, mantenha as mãos erguidas e sente-se no banco do carona.

O homem, que devia ter uns 40 anos, vestia um terno e chapéu fedora escuros. Chegou obedientemente para o lado, mãos no ar, enquanto eu abria a porta do motorista e me sentava ao lado dele, sempre cobrindo-o com minha arma.

- Comece a cantar - ordenei então.

- Posso jogar o cigarro fora? - Indagou.

- Devagar - retruquei. - E depois apoie as mãos no porta-luvas.

Ele assim o fez. Tomou fôlego, e disse:

- Me mandaram aqui para lhe convidar para um uísque... por conta da Comissão.

Pressionei a boca do revólver contra o pescoço dele.

- Eu não tenho negócios com a Comissão. Não trabalho para criminosos.

- Desculpe... me expressei mal. A Comissão quer lhe agradecer por ter resolvido o problema de J. sem violência - declarou.

- J. é membro da Comissão? - Inquiri, genuinamente surpreso.

- Ele era... um associado. Mas resolveu agir por conta própria... a história do Portal, você sabe.

Dias antes, eu seguira J., o ex-noivo de minha secretária H., até uma dimensão paralela, onde o convencera (através de um artifício) a desistir de casar-se com a jovem. O sujeito retornara à Nova Iorque somente para desmanchar o noivado, e depois desaparecera. Agora, eu entendia o porquê: ele estava sendo caçado pela Comissão, a poderosa entidade dirigente das famílias mafiosas dos EUA.

- Pois agradeça à Comissão, mas vou passar sem esse uísque - repliquei. - Se o problema está resolvido e ninguém saiu ferido ou morto, todos ficamos felizes.

- Escute, - arguiu o motorista - essa história não terminou. A Comissão quer lhe oferecer um trabalho... cinco mil dólares, pela cabeça de J.. Se ele não for parado, vai tentar de novo, com outra garota, e isso pode causar uma guerra pelo controle das zonas de influência das famílias.

Cinco mil dólares era um bom dinheiro, mas eu não era caçador de recompensas, muito menos assassino de aluguel. Todavia, precisava arrancar mais informações do gângster.

- Quem poderia ameaçar o poderio da Comissão? - Questionei.

- Eu não posso lhe dar maiores detalhes, sou só um mensageiro - declarou. - Mas nós os chamamos de Sindicato...

Se havia um grupo criminoso capaz de enfrentar em pé de igualdade a Comissão, eu precisava saber tudo sobre ele. Afinal, acidentalmente, eu me intrometera em seus negócios e sempre restava a possibilidade de que viessem atrás de mim cobrar os prejuízos. Subitamente, a ideia de tomar um uísque com a Comissão tornava-se bem menos ameaçadora.

- Muito bem - decidi. - Vou com você, mas quero saber precisamente onde estamos indo. E qualquer movimento em falso, meto-lhe uma bala nos rins.

- Você conhece o clube novo, o Copacabana? - Indagou.

- É um lugar bem caro - ponderei.

- Bom, esta noite vai ser tudo por conta da Comissão - prometeu ele.

Saí do carro pela porta do motorista e lhe indiquei que reassumisse seu posto. Depois, dei a volta por trás do carro e sentei-me ao lado dele.

- Você tem nome? - Indaguei.

- Isidoro - replicou, dando partida.

[Continua em "O Sindicato do Crime"]

- [03-05-2019]