A Chantagem Atômica

O general Ryong Ho-Sung veio pessoalmente ao meu gabinete no Ministério das Relações Exteriores em Pyongyang, o que normalmente não poderia ser encarado como um bom presságio. Para minha surpresa, ele riu quando falei dos problemas que os americanos estavam tendo, para cumprir a sua parte no acordo informal que havíamos firmado recentemente.

- Então quer dizer que as remessas de petróleo bruto vão atrasar? E por que, saberia me dizer?

- Política americana, general - expliquei. - Lá é tudo muito confuso... dois partidos controlam o parlamento dos Estados Unidos, e o partido que possui maioria agora não é o mesmo do presidente deles. Para sabotar o acordo, retiraram o financiamento às remessas de combustível... mas segundo nossos contatos, irão garantir a entrega com fundos do Departamento de Defesa, que não está subordinado aos parlamentares.

- Americanos estúpidos! - Exclamou ele com desprezo. - Trocam de presidente segundo as maquinações das empresas que manipulam o seu povo, e permitem essa balbúrdia de dois partidos digladiando-se pelo controle do Parlamento. Muito melhor o nosso sistema político: líder único, partido único.

- Isso nos permite planejar a longo prazo - avaliei. - Nos EUA, os planos mudam de acordo com a orientação política do presidente eleito. Todavia, não pude deixar de perceber que o senhor não parece preocupado com essa falha dos ocidentais...

- E não estou mesmo, Hwang Minjun - assentiu ele. - Já tínhamos ideia de que esse tipo de resistência iria surgir nos EUA, e tudo está correndo de acordo com os planos do Querido Líder. Que eles atrasem a sua parte no trato, só irá nos beneficiar...

- Mas general... se não cumprirem com o prometido, não seria nosso dever denunciar a quebra e exigir uma repactuação? - Ponderei.

- De forma alguma - replicou ele com um sorriso feroz. - Hwang Minjun, você não percebeu a estratégia do Querido Líder? Qual foi a razão de termos assinado esse memorando de entendimento, e não um tratado formal?

- Bem, general... porque um tratado formal teria que ser registrado nas Nações Unidas e teria força de lei - repliquei. E então, me dei conta da sagacidade do Líder Supremo.

- Estamos ganhando tempo... - murmurei.

- Agora você compreendeu! - Riu o general. - Por isso, nem eu, nem o Querido Líder estamos preocupados com os atrasos provocados pelas disputas internas dos EUA... que atrasem, atrasem muito. Estaremos aqui, aguardando pacientemente, com toda a humildade. E, enquanto isso, os cientistas continuarão desenvolvendo o nosso projeto nuclear, aquele que nos porá em pé de igualdade com a própria América.

Não deixava de ser irônico que o acordo, firmado com os EUA, tinha por objetivo principal o redirecionamento do nosso programa nuclear para fins pacíficos. Naturalmente, nos dispomos a ouvir o que os americanos tinham a oferecer, e em troca...

- Tempo - resumiu o general. - Era a única coisa que desejávamos verdadeiramente dos EUA, não reatores de água leve ou petróleo. E eles nos deram, sem atinar com a armadilha preparada pelo Querido Líder!

Afinal, como nós, diplomatas da Coreia do Norte sabíamos, a única linguagem que os EUA respeitam é aquela falada com armas nucleares. Em não muito tempo, estaríamos falando de igual para igual com eles.

- [08-05-2019]