O Sindicato do Crime

[Continuação de "A Comissão"]

Quando chegamos ao Copacabana, Isidoro entregou as chaves do carro a um manobrista do clube, localizado no East Side, próximo ao Central Park. Pela familiaridade com que tratou o valete, percebi que frequentava habitualmente o local. Descemos do Pontiac Streamliner, e ao chegarmos à entrada, o porteiro engalanado dirigiu-se primeiramente a ele.

- Boa noite, Isidoro! Boa noite, senhor.

- Boa noite - redargui.

- Boa noite, Nunzio. O sr. Pearce é um amigo nosso - explicou Isidoro.

- Muito bem, tenham uma boa estadia! - Disse ele, abrindo a porta de vidro para que passássemos.

Era uma noite fria de fevereiro, dia de semana, e o clube não estava cheio. No palco, um grupo de coristas revoluteava ao som da orquestra.

- Temos que deixar as armas na chapelaria, normas da casa - alertou o motorista, conduzindo-me para lá.

Como prova de confiança, entregou primeiro a sua pistola Colt 1911 à chapeleira. Não tendo mais nada a perder, deixei ali o meu revólver .38. Em seguida, Isidoro me levou até um reservado numa das laterais, próximo a entrada do palco, separado do salão por um discreto biombo. Por trás dele, havia sido instalada uma mesa redonda, coberta por uma toalha de linho branco, e ao redor dela, quatro pessoas estavam distribuídas, com uma cadeira vazia que imaginei estar reservada para mim.

- Buona sera, signore Pearce - saudou-me a matrona vestida de negro que estava sentada de frente para o biombo. Eu nunca a vira pessoalmente, mas sabia muito bem quem era, por uma das raras fotos que permitira chegar aos jornais.

- Boa noite, dona Gaetana - repliquei, mãos entrelaçadas à frente do corpo.

Ela virou-se para Isidoro, que aguardava de pé e disse, num tom tranquilo:

- Aspetta fuori.

- Si, signora - replicou ele, com uma leve curvatura de cabeça. Em seguida retirou-se, deixando-me a sós com a líder da poderosa Família Cannizzaro, que controlava atividades ilícitas em toda Manhattan. À esquerda e a direita dela, estavam suas principais "consiglieri": Michela Rizzo, uma morena alta e magra de seus quarenta anos, vestida com um longo de seda cor de vinho, e Paola Parisi, cerca de 35 anos, cabelos castanhos ondulados, vestida de tafetá lilás. O único homem à mesa, sentado estrategicamente de frente para a entrada do reservado, era muito provavelmente um guarda-costas, e eu sabia que, contrariamente às normas do Copacabana, ele estava armado.

- Queira sentar-se, signore Pearce - convidou-me dona Gaetana, indicando a cadeira vaga, de costas para o biombo.

Tomei assento e pus as mãos bem visíveis, sobre a mesa. A líder mafiosa fez um aceno de aprovação.

- Molto bene. Já conhece minhas "consiglieri", Michela e Paola?

- Senhoras - saudei, tocando na aba do chapéu. Elas apenas inclinaram as cabeças em retribuição, sem nada dizer. Paola armou um sorriso, mas não passou disso.

- Eu receava que o senhor não quisesse vir ter conosco - comentou dona Gaetana.

- A princípio não - admiti. - Mas depois, o seu motorista explicou as razões pelas quais queriam fazer contato: o Sindicato.

- E o que sabe o senhor sobre o Sindicato? - Inquiriu dona Gaetana.

- Apenas que parece ser uma ameaça para os negócios da Comissão... e que envolve um dos seus ex-associados, cujo caminho cruzou com o meu durante uma investigação particular - declarei.

- O caso que envolveu a minha sobrinha Elena - disse em tom casual.

- A srta. H. é sua sobrinha? - Indaguei, intrigado.

- Muitos da minha família usam nomes anglicizados no dia a dia... nem sempre vocês, americanos, sabem pronunciá-los corretamente - explicou pacientemente. - Helen é, originalmente, Elena, filha de minha irmã, Vincenza Cannizzaro Randazzo.

Só então me dei conta de que havia empregado em meu escritório, alguém muito próximo da cúpula do crime organizado novaiorquino. O quanto a aproximação dela comigo fora fortuita, estava aberto à especulação. Havia muitos investigadores privados na cidade, mas poucos com o meu tipo de conhecimento; a Comissão simplesmente poderia ter me feito trabalhar para ela utilizando-se do velho e batido subterfúgio da donzela em perigo. E eu caíra como um patinho... embora a srta. H. não fosse mais exatamente uma donzela.

- Bem... confesso que isso é uma surpresa para mim - tive que reconhecer.

- Apreciamos muito o seu trabalho - elogiou-me dona Gaetana. - Principalmente por ter deixado vivo Giacomo Balistreri...

O qual eu conhecia por Jacob, ou, mais sinteticamente, J..

- Imaginei que já que ele lhes causou problemas, bandeando-se para o lado da concorrência, iriam querer vê-lo morto - avaliei.

Dona Gaetana fez um aceno afirmativo com a cabeça.

- E queremos, mas não agora. Não enquanto não descobrirmos como ele faz para acessar o "nascondiglio" do Sindicato.

- Nascondiglio? - Indaguei, sem entender.

- Esconderijo - traduziu Paola Parisi. - A base secreta do Sindicato.

- Ah, sim... - redargui. Eu já tinha uma ideia sobre onde a quadrilha rival havia se escondido, mas não iria colocar minhas cartas na mesa sem antes saber exatamente onde estava pisando.

- Já que descobriu o paradeiro de Giacomo uma vez, acredito que poderá fazê-lo de novo, e nos dar as respostas que queremos - declarou dona Gaetana, abrindo as mãos. - Para isso, a Família Cannizzaro está disposta a lhe oferecer uma recompensa adequada.

Entrelacei os dedos sobre a mesa.

- Na verdade, eu já havia dito ao seu motorista que não estou muito interessado no seu dinheiro... - retruquei. - Prova disso, que nem cobrei pelos serviços prestados à sua sobrinha.

Aquela era uma outra situação, obviamente, e dona Gaetana não se deixou enganar.

- Imaginei que fosse dizer isso, portanto tenho a lhe oferecer algo bem mais valioso para o seu trabalho... uma autêntica Pedra de Tindari.

Meus sobrolhos se ergueram ao ouvir aquilo.

- Mostre a ele, Michela - ordenou dona Gaetana.

A "consigliere" apanhou uma valise de couro que estava no chão, ao seu lado, e a colocou sobre a mesa. De dentro dela, extraiu uma caixinha de couro preto, que ao ser aberta revelou uma safira estrela negra oval, quase preenchendo a palma da mão de Michaela, que a exibiu com um sorriso triunfante. Ao inclinar a pedra preciosa, pela refração da luz, surgiu a característica estrela de seis raios, bem no seu centro.

- É linda! - Exclamei encantado.

- E poderá ser sua... desde que nos consiga a informação que queremos - replicou dona Gaetana.

Que outra resposta poderia eu dar, perante tamanha oferta?

- Eu aceito - declarei.

[Continua em "A Companhia"]

- [18-05-2019]