A joalheria da rua Hester

[Continuação de "Cornicello"]

Depois de almoçar com Effie, resolvi caminhar ao longo do Parque Sara D. Roosevelt até a rua Hester, para fazer a digestão. Era ali que ficava localizada a pequena joalheria Iov Salbstein & Daughters, cujo nome estava gravado em letras de ouro desbotadas na vitrine. Eu conhecera Salbstein alguns anos antes, quando desvendara para ele um caso de roubo, e o velho sempre me dava desconto quando precisava comprar alguma joia barata para presentear eventuais namoradas. Abri a porta envidraçada, o que fez soar uma sineta, e me vi diante de Keren Salbstein, a corpulenta filha mais velha de Iov, por trás do balcão. Ela me olhou por sobre os óculos de lentes retangulares e estreitas, e sorriu.

- Senhor Pearce, é um prazer revê-lo!

- Como vai, ostra? - Repliquei no que supus ser iídiche, sorrindo de volta.

Keren arqueou as sobrancelhas, mãos sobre o mostruário.

- Imagino que pretendia dizer "oytser" - corrigiu-me. - Embora eu não seja a sua "oytser"... infelizmente.

Keren e eu havíamos tido um namorico na época da investigação do roubo, nada sério e sem nenhuma perspectiva de futuro, até porque não creio que Iov Salbstein desejasse um gói como genro. Desde então, a jovem engordara bastante, espero eu não por desilusão amorosa.

- Onde está seu pai? - Indaguei, para quebrar meu embaraço.

- Na sinagoga. Mas pode tratar diretamente comigo, se veio comprar alguma coisa... talvez uma pulseira para uma namorada?

- Não, não - abanei negativamente a cabeça. - Nada de namorada. Preciso de uma corrente de prata... para mim.

Ela apanhou um rolo de veludo preto sob o balcão e o desenrolou diante de mim. Havia ali várias correntes de prata, de diversos comprimentos.

- Prata 925, maciça - declarou ela. - Se for pendurar algo, sugiro no mínimo 20 polegadas de comprimento.

- Trinta polegadas, então - decidi. - E me faça um preço camarada.

- Farei - prometeu ela. - O que pretende usar como pingente?

Achei que não faria mal em exibir o "cornicello" que me fora emprestado por Effie. Keren ficou vermelha ao ver a joia; cobriu a boca com as mãos.

- É um amuleto de proteção, foi o que me disseram - expliquei em tom evasivo.

- Sim, eu sei... mas também causa um outro efeito em homens - redarguiu ela, com uma risadinha.

- Um outro... efeito? - Indaguei.

- Tem certeza de que não foi uma namorada quem lhe deu isso? - Questionou ela, apoiando o cotovelo no balcão e me encarando com ar maroto.

- Ah... sim, tenho. O objetivo foi apenas de proteção, e a dama em pauta deve ter gosto de cinzeiro na boca.

- Eu não fumo - sussurrou Keren, inclinando-se sugestivamente em minha direção.

Fui salvo pela sineta da porta. O velho Iov acabara de entrar.

- Senhor Pearce! - Saudou-me.

- Senhor Salbstein! - Repliquei aliviado, apertando a mão que me fora estendida.

Contei-lhe rapidamente a razão de minha presença em sua loja, omitindo a parte do "cornicello", que guardara de volta num bolso do terno.

- Eu estava justamente fechando negócio com a sua amável filha - concluí.

- Então, vai ser mesmo a corrente de 30 jardas? - Indagou ela em tom profissional, erguendo a peça.

- Sim, pode embrulhar, eu vou fazer um cheque - declarei.

Iov Salbstein parou ao meu lado e indagou:

- O senhor pretende usar algum pingente com esta corrente?

Keren, que estava embalando a peça, me encarou brevemente com ar de riso.

- Sim, vou... uma medalha de Panagia - menti.

- Ah, bom... - redarguiu o joalheiro, pensativo. - É que dependendo do tipo de amuleto, uma corrente de prata 925 pode potencializar muito os seus efeitos.

Devo ter ficado vermelho, pois Keren deu uma risada, para surpresa do pai.

- Lembrei de uma coisa engraçada - desconversou ela.

Paguei, e me despedi de pai e filha. Keren segurou minha mão por mais tempo do que seria recomendável para uma dama, e me encarou com olhos úmidos.

- B’hatzlacha - sussurrou.

- Sucesso em sua empreitada! - Traduziu o velho Iov.

[Continua]

- [30-06-2019]