O LOBISOMEM INGLÊS

Léo Bargom

Muitos não conhecem essa história, mas meu avô não só guardou na memória, como também escreveu em um caderno de caligrafia bem surrado, o qual escondia debaixo do seu colchão de palha. Meu pai herdou esse caderno, mas nunca tentou ler o que estava descrito em suas folhas, mas, o guardava com muito cuidado e carinho, parecia ter recebido essa incumbência. Depois de algumas tentativas, consegui pegar esse velho e surrado caderno para desvendar o que estava escrito e por que tanto segredo.

Embora muitos não conheçam, no final do século XIX e início do século XX veio para o nordeste a Great Westem, uma empresa que teve grande influência no estado de Pernambuco, os capitalistas ingleses criaram em Londres essa companhia para explorar ferrovias no nordeste brasileiro, após construção de vários trechos, um marco para a empresa é a estação de Afogados da Ingazeira, no sertão do Pajeú, aí começa a história descrita no caderno de caligrafia do meu falecido avô.

Ele descreve no caderno, que depois da chegada do século XX, veio da Europa um Inglês para comandar os chefes de turma, isso quer dizer, o cara que ia dirigir tudo durante a construção da ferrovia. Esse dito cidadão Inglês como descrito, era bem alto, branco como todos os ingleses, olhos grandes, que acompanhava o nariz, as orelhas e a boca, cabelo negro e farto, barba cerrada e negra, vestia sempre roupas negras, um casaco negro, apesar do calor do sertão, botas escuras e um chapéu cartola inglês.

Não era de muita conversa, usava um ajudante para traduzir tudo, mas parecia conhecer nossa língua, pois algumas vezes repreendia seu tradutor, percebia, que suas mensagens não tinham alcançado o êxito de sua informação. Aqui no caderno de caligrafia meu avô relata que o inglês não costumava ficar perto dos funcionários por muito tempo, a noite então, não se via esse misterioso homem entre os demais, em sua tenda, notava-se apenas a luz do lampião, que permanecia acesso por toda noite.

Meu avô descreve, que ficou curioso e cheio de desconfiança do recém-chegado funcionário da Westem, então ficava à espreita, dormia um sono leve, levantava durante a noite e saia da tenda dos funcionários para dar uma volta, era chefe de turma, então ficava descabreado, aí foi observando que o Inglês saia de sua tenda em algumas noites, mas observou, que ele demorava muito, muitas vezes não o via chegar de volta e outras vezes o viu chegar com a primeira luz do sol da manhã.

Numa conversa com um amigo de confiança, outro chefe de turma de nome João Catolé, meu avô relata, que contou tudo sobre suas desconfianças, observações e investigações. E que seu amigo ficou muito tenso e também passou a acompanha-lo nessas investigações.

Numa noite de luz cheia, estavam acampados ao lado da ferrovia fazendo um corte de um morro pedregoso, depois da cidade de Irajaí, o serviço por lá ia demorar, então, os conservadores de linha, feitores, chefes de turma, funileiros, ferreiros, soldadores, torneiros e demais ajudantes, iam ficar acampados por algum tempo. A região já tinhas algumas histórias, lendas, assombração, etc. E a presença do inglês ia trazer mais alguma coisa, pois não era comum, uma pessoa ganhar a noite escura e vagar por aquela região do sertão.

Meu avô, segundo descreve no caderno, combinou com João Catolé, que ia ficar atento, era noite de lua cheia e quando o inglês saísse da tenda para entrar caatinga adentro na escuridão, ia o seguir. João Catolé se prontificou a ir com ele, não era seguro meu avô ir sozinho.

Assim fizeram, meu avô, tinha o sono leve, acordou com um barulho, observando, notou que o inglês começava a entrar caatinga adentro, abrindo com as mãos alguns galhos de marmeleiros para se locomover na mata. Meu avô descreve, que acordou João Catolé e os dois seguiram rumo ao o mesmo caminho, que o inglês tinha ido, andavam com cuidado, para não levantar qualquer suspeita. Depois de andarem um bom tempo, observaram, que havia logo à frente, bem frondosa, um pé de braúna, sua copa era alta do chão, a luz da lua clareava suas raízes saindo de seu tronco, era na verdade um local, que alguns animais ficavam, quando havia chuva forte ou o sol se tornava escaldante durante o dia.

Se aproximaram com cuidado, segundo descreve meu avô, pois podiam dar de cara com o inglês, a lua estava plena no céu, a caatinga estava quieta, nem um grilo, bacurau, coruja parecia estarem por perto, debaixo da braúna havia um lugar mais limpo, já não nascia mato, esse local era mais iluminado. Um barulho peculiar de um galho sendo afastado de direção natural é ouvido, pisadas em folhas e gravetos secos ficam mais intenso. Segundo a descrição do meu avô, dava para ver nitidamente o inglês se aproximar da área mais limpa, embaixo da braúna, este se postou em pé, em direção à lua, ergueu seus longos braços, depois começou a tirar seu casaco e sua camisa negra, expondo seu corpo da cintura para cima nu.

Meu avô descreveu, que João Catolé ficou branco e sem respirar, quando o inglês começou a se transformar, emitindo urros e ciscando com seus pés o chão, levantado a poeira e deixando marcas com suas garras, aquela cena não era para se esquecer, também como poderia sair dali, sem que, o então Lobisomem Inglês percebesse e os atacassem.

Meu avô tinha um plano, estava descrito com clareza no caderno de caligrafia, pois já desconfiado, andava com um punhal de prata, sua espingarda não era para caça, era de cartucheira, seus cartuchos eram carregados com chumbos de pratas, ninguém via meu avô caçando ou atirando atoa pela caatinga. Esse era o plano, João Catolé, em sua presa chegou despreparado, com as mãos nuas, meu avô pediu para ele escolher, o punhal ou a cartucheira. João Catolé, claro, escolheu a espingarda, não tinha coragem de enfrentar uma fera com um punhal.

Segundo está descrito no caderno de caligrafia, após a transformação, o inglês, agora Lobisomem ficou fazendo alguns movimentos em direção à lua, rodando em volta de si e uivando feito um lobo. Uma coruja rasga mortalha se desprende da copa da braúna em um voo suave, enquanto emite seu grito tenebroso no ar, o Lobisomem a segue com seu olhar de morte, mas não reage, apenas observa, enquanto a coruja procura voando sob o raio da lua cheia, outra árvore.

Ali naquelas linhas, nas folhas do velho caderno de caligrafia parece descrever um momento crítico, o Lobisomem ficou quieto e parecia procurar algo em sua proximidade, poderia ter sentido o cheiro ou a presença dos dois forasteiros. Meu avô descreve, que Tião Catolé começou a tremer, suar frio, isso pode ter chamado atenção do Lobisomem Inglês. Então naquele momento a caatinga não tinha mais silêncio, tudo que era bicho noturno parecia ter acordado, a caatinga ficou barulhenta e o Lobisomem ficou mais inquieto e atento.

Está descrito no caderno de caligrafia, que meu avô preparou Tião Catolé para se defender, o Lobisomem estava prestes a atacar. Os dois ficaram atentos, quando os uivos ficaram mais intensos, o barulho dos animais tirava a concentração, então a alternativa era contra-atacar, aguardar o momento certo.

A lua agora se encobria em uma nuvem pesada, a caatinga ficou mais escura, de acordo com a descrição do meu avô no caderno de caligrafia. A possibilidade de serem atacados de surpresa agora era alta, no momento que o silencio na caatinga prevaleceu. A nuvem negra e as árvores fizeram as sombras mais escuras, o silêncio trazia medo, agora era torcer para que o Lobisomem tivesse ido embora, mas, isso não parecia ter acontecido, por que o pressentimento aumentou e a chegado do Lobisomem era questão de tempo.

Meu avô descreve, que o Lobisomem apareceu num piscar de olhos, e quando se viu, já não tinha como escapar, a única forma seria se defender. João Catolé apontou a cartucheira na direção do monstro, meu avô descreve que empunhou o punhal em sua mão esquerda e aguardaram a reação do Lobisomem. Aquele instante não seria único, meu avô já tinha ido numa caçada de Lobisomem, ele contava essa história, mas a gente achava que era uma invenção, para nos fazer medo.

Aí está escrito no caderno de caligrafia em letras desalinhadas, que nessa noite foi uma briga dos infernos, João Catolé disparou a cartucheira, mas como estava com medo o tiro pegou de raspão, o Lobisomem sentiu em seu ombro direito os arranhões dos chumbos de prata, percebia-se, que recuou um pouco, mas sua vontade de atacar novamente já estava descrita na sua cara horrível e malvada. João Catolé tentava com dificuldade colocar outro cartucho, enquanto isso meu avô ficava de pé a sua frente com o punhal de prata na mão, aguardando a investida do Lobisomem Inglês. A nuvem negra que encobria a lua cheia se afastou repentinamente, a noite voltou a ficar clara, a luz da lua refletiu no punhal, emitindo reflexo da luz, chegando aos olhos da fera.

Descreve meu avô, que por alguns segundos os três ficaram se olhando e aguardando uma reação, mas não foi dessa vez, a fera colocou sua enorme mão esquerda sobre o ombro direito ferido, uivou, depois deu um enorme esturro, olhou com seus enormes olhos encarnados, deixou caí um pouco de baba gosmenta por entre seus dentes grandes e amarronzados, em seguida correu em direção a grande braúna e sumiu na caatinga. Os companheiros da ferrovia chegavam com tochas acessas e fazendo barulho, ouviram o tiro, uivos e esturros, então chegaram armados com qualquer coisa que se pudesse carregar nas mãos.

Meu avô descreve no caderno de caligrafia, que ele e Tião Catolé tentaram contar a história, explicar o acontecido, mas ninguém levou a sério os fatos narrados. Voltando ao acampamento da ferrovia, a tenda do chefe Inglês estava com o lampião acesso, dava para observar pela sombra, que alguém estava deitado em sua cama de campanha, alguém dormia ali ou fingia está dormindo...

No dia seguinte um representante da Great Westem veio informar que o chefe misterioso tinha adquirido uma doença, viria um substituto, mas, moradores de Baixa Grande, um pequeno povoado próximo tinham avistado um Lobisomem por lá, durante a noite ninguém saia, o medo e o terror tomou conta da região.

Meu avô descreve no final do caderno de caligrafia, que ele ajeitou suas coisas, pediu demissão da empresa e foi em direção do povoado, onde avistaram o Lobisomem, Tião Catolé acabou fazendo o mesmo e fazendo companhia. Meu pai falou, que existe outro caderno de caligrafia com outra história, mas está em algum lugar na casa do sítio do meu avô, pela a região toda fala do sítio do meu avô, mas ninguém tem coragem de rondar por perto, tem algo ainda não explicado, ainda vou tentar descobrir...

Léo Pajeú Bargom Leonires
Enviado por Léo Pajeú Bargom Leonires em 13/04/2021
Código do texto: T7231439
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.