UM LOBISOMEM NA NOITE DE NATAL
 
 
       Um grupo de pessoas saiu de um bar onde passaram a tardinha tomando uns traguinhos e paparicar
despreocupadamente. Jovens e alguns adultos estavam felizes comemorando os últimos dias de trabalho no escritório ao lado
do Hospital das Clínicas da cidade grande. Nem repararam no vulto que passou por eles, na escuridão da noite já avançada.
       Somente a Hell sentiu uns arrepios quando um vento frio passou ventilando pelo seu braço esquerdo... Ela falou para o jovem enfermeiro ao seu lado e disse:
    -- Linx, você notou algo aqui?
    -- O quê? Linx estava distraído. Pensava que nesta noite, véspera de Natal, teria que ficar de plantão no Hospital até mais tarde, quando seria rendido por outro colega. – Do que estás falando, Hell?
    -- É que senti um arrepio gelado como se alguma coisa tivesse me tocado. Você não sentiu um vento frio de repente?
    -- Ora Hell! deve ser a bebida que estava muito gelada e a noite,
também, não está boa para usar roupa fresca como essa que você veste. Afinal, você anda como se estivesse na beira da praia... Porque não colocou o jaleco ? Teria sido melhor.
    -- Ah, não acredito, Linx, meu xodozinho! Logo você vem me dar
um conselho destes, que mais parece um sermão ? Hell ficou um pouco amuada e Linx pediu desculpas enquanto entravam na porta lateral do Hospital de Psiquiatria...
        Num dos cantos da saleta, Celly os esperava, nervosa. Impaciente gritou: -- Como é que vocês saem e me deixam sozinha aqui ? Nem me avisaram que iam sair! Linx se aproximou dela e passando-lhe um braço ao redor do pescoço
Falou-lhe, meigamente: -- Oh, maninha, não se zangue. Você sabe que é o meu “docinho- de- côco”  ralado com queijo de Minas. --- Celly ainda um pouco zangada, fez um sorriso derretido para Linx, enquanto Hell subia para o vestiário.
        Os três logo estavam prontos para dar início a mais um dia
de assistência aos pacientes da Enfermaria 1, 2 e 3. Linx foi ver um paciente que tinha acesso de loucuras, vivia amarrado numa das camas com mais dois outros internos mais calmos... O homem se chamava Gabirou, Jean Gabirou, parece que era francês, mas se dizia adepto de uma confraria da Pensilvânia
Esteve na segunda guerra mundial e sofreu um traumatismo craniano devido a uma queda numa das trincheiras levantadas nos arredores de Paris... Veio depois para o Brasil, onde se instalou como fabricante de canivetes e navalhas pró-barbas
Falava muito em ervas da selva que transformavam as pessoas
Faziam que elas tivessem sonhos, delírios e sentiam maravilhas
como se estivessem no paraíso. Linx ouvia tudo isso e sorria, pensando: Quem dera que isto aqui fosse mesmo um paraíso. Hoje já atendi cinco pacientes, dois em estado de extrema idiotice. Ah, mas eu os fiz melhorar com minhas táticas, estas
eu aprendi na prática,mesmo. Estudo muito mas nem sempre dá
para contornar tais situações... eh, eh... Não vejo a hora para largar isto aqui e ir para casa dormir até as 12 horas...Natal... ora ... o Natal! Com pouco dinheiro o que eu teria que festejar?
Só dormindo mesmo... / Nesse instante a Enfermeira-Chefe dona Mauren veio chamá-lo. Uma paciente da enfermaria ao lado, precisava de uma injeção de calmante. Só Linx estava nesta hora
na Ala de Psiquiatria. Este foi lá atender a mulher que dizia ter visto um lobisomem passar pelo corredor na noite passada. Gritava que tinha visto um homem muito peludo, parecendo um macaco, mas que se transformara, de repente, numa espécie de lobo. Linx deu-lhe uma injeção e ela pareceu acalmar-se. Linx foi novamente para a enfermaria 2. Aí bebeu um pouco de água do filtro, tinha muita sede, o trabalho estava ficando muito pesado e aborrecido. Já estava ficando com os nervos em pedaços... – Ano que vem – pensou – vou pedir transferência para a Ala de Reumatologia. Se tiver sorte, terei mais tempo para continuar a escrever meus contos.
 
     Á tardinha, Linx, Hell e Celly, fizeram um pequeno lanche no refeitório do Hospital. Aí puderam falar à respeito dos últimos acontecimentos do dia. A conversa resvalou para o caso do Lobisomem que a mulher da Enfermaria 1 dissera ter visto.
  -- Vocês acham que o que ela viu é apenas uma imagem visionária de desequilíbrio mental ? perguntou Linx
  -- A loucura cria muitos monstros imaginários como se fossem verdadeiros, respondeu Celly. 
  -- Também acho, acrescentou Hell
  -- Bem, mocinhas, tenho que voltar ao trabalho. Hoje é véspera de Natal e quero ir para casa dormir o máximo que puder. Terei que ficar de plantão até à meia-noite... Uff! Linx deu um suspiro e foi direto para a Enfermaria. Sempre subia as escadas, mas hoje estava muito estressado e preferiu subir de elevador. Nesse momento, deu de encontro com o Dr. Poleto que, neste momento, passava pelo corredor . – Boa tarde, Dr. Poleto. Este respondeu: -- Boa tarde, Linx. Tudo bem por aqui?
  -- Sim, tudo normal
  -- Vejo que estás com uma aparência cansada. Muito trabalho, então?
  -- Ossos do ofício, não é Doutor?
  -- É... mas precisas tirar umas horinhas de descanso. E não deixe de se alimentar bem, certo?
  -- Certo, Dr.
     Linx entrou na enfermaria onde já o esperavam com um novo tipo de paciente. Era um senhor que falava sem parar, gesticulando o tempo todo e dizendo a cada frase: – Cruz, credo!
Cruz, credo! – Viu o monstro? Eu vi, no jardim...Lá estava ele a me olhar com os olhos esbugalhados. Cruz, credo ! Cruz, credo! Onde já se viu uma coisa assim? Cruz, credo! Cruz, credo! – Linx se aproximou e perguntou-lhe: -- Senhor, está se sentindo bem?
O outro virou espantado: - O quê?? É ele, o monstro, é ele! Cruzl credo, cruz, credo.../ O enfermeiro Linx se sentiu ofendido e retrucou: -- Quem é monstro aqui, seu .... O que pensa que eu sou? Minha nossa ! Ainda mais essa, logo hoje ! Véspera de Natal! Parece que soltaram as bruxas esta noite. Já passa das 18 horas... Levou o senhor pelo braço para uma das salas da ala principal e pediu que um colega tomasse conta dele ou lhe desse um calmante. Foi até a enfermaria 03 falar com a Hell.
-- Hellzinha, não agüento mais isto aqui! Qualquer dia, quem vai ser internado como psicopata serei eu! Tome nota!
-- Queridinho ! Não se preocupe, eu posso ajudar você nas minhas horas vagas. Agora mesmo estarei livre. Meu horário termina às oito, podemos conversar um pouco...está bem?
-- Se eu tiver tempo ! A enfermaria 02 está carregada hoje. Só dá maluco de carteirinha ! 
-- Não se exaspere, vou ajudar você!
Nisso a enfermeira Celly chegou ofegante, veio correndo cheia de ciúmes da Hell! – Então é assim, não é? Mal eu viro as costas e já estão os dois de tête-a-tête que nem dois pombinhos ! Você me paga, Hell, que amiga você é,hein?
-- Mas, Celly, não estamos fazendo nada de mal. Apenas conversamos sobre assuntos do Hospital. Só trabalho, trabalho e mais trabalho! Dá para entender?
-- Tá, tá... Tá bom! -- Não se fala mais nisso !
 
-- Meninas, não vamos perder tempo com discussões inúteis, sim? Linx estava querendo descansar alguns minutos, batendo-papo descontraído, embora se divertisse com as ciumeiras das duas... Mas pelo seu aspecto, via-se que estava cansado e sonolento.
-- Então vá descansar, queridinho! Você sabe que o amamos muito, meu maninho querido!
Linx voltou para a enfermaria 2 e ficou surpreso ao ver que ela estava vazia... Será que todos os pacientes tiveram alta hoje? Dois deles não poderiam sair e faziam suas refeições no quarto mesmo. Mas onde estariam eles? Um senhor saiu do banheiro assustado. – Quem está aí, Ah, enfermeiro, que bom que está aqui. Houve uma coisa aqui de assustar a gente. Eu me tranquei no banheiro, os outros saíram gritando pelo corredor afora... Até agora não voltaram. O Dr. Poleto foi com um auxiliar à procura deles...
-- Mas, afinal o que houve aqui para assustar vocês? Perguntou Linx
-- Eu não vi direito, mas dizem que foi um lobisomem que apareceu aqui na porta. Um companheiro o viu e ficou aterrorizado, saiu gritando por socorro. Mas parece que assustou até o monstro. Eu não acredito nisso. Eu estava dormindo na hora e acordei com a gritaria.
Linx meio aborrecido falou: -- Isso tudo é invenção desses neuróticos. Desculpe, não estou me referindo ao senhor. De todos aqui o senhor é o mais equilibrado. Deveria já ter tido alta, pelo que estou comprovando agora. O senhor de cabelos grisalhos era alto e magro e parecia, mesmo, bem normal.
-- Mas o senhor não acredita mesmo nisso, acredita?
-- Ora... se acreditasse não estaria aqui. Já teria dado o fora !
-- Vou falar com o Dr. Poleto para que lhe dê alta. Vejo que o senhor está muito bem. Já pode ir para a casa passar o Natal com a família...
-- Ah, mas seria muita felicidade ... não vejo a hora de ir para a minha casa.  Linx saiu à procura do Dr. Poleto, mas este já havia saído e só voltaria depois do Natal. O Dr. Leonardo é que ficou no lugar dele. Todo mundo o chamava de Dr. Léo. Linx falou com ele sobre o senhor magro, cujo nome era Cayus Marcyus, parece que era editor de livros, mas tivera um baque na vida. Sua editora pegara fogo e queimara muitos originais de clientes... o que o deixou muito perturbado. Mas parece que estava recuperado, pelo menos, da neurose aguda que o acometera nessa época.
O Dr. Léo foi ver o paciente e concordou com Linx sobre dar-lhe alta na véspera de Natal. O senhor Cayus iria para casa hoje mesmo. Telefonou para a família dele. O irmão ficou de vir buscá-lo quando saísse do trabalho. – “ Menos um...”—pensou Linx. “O pior é que tenho que agüentar as reclamações do Sr. Gabirou.  Mal sabe falar Português!”.  Mon Dieu de la France!” Era o que ele repetia o tempo todo. Vários enfermeiros e enfermeiras já estavam deixando o hospital e seriam substituídos pela turma da noite. Alguns pacientes que tiveram alta, também, se aprontavam para ir ter com suas famílias. Entre as enfermeiras, havia uma que se chamava Daiane, muito prestativa e que algumas vezes ajudara Linx a acalmar os pacientes mais agressivos. – Já vai Daiane? Perguntou Linx.
-- Já vou, sim, Linx. Tenho pena de deixar você aqui sozinho esta noite.
Mas o que fazer? Dei plantão o dia todo. Das 7 ás 15, estou exausta. Não é à toa que muitos estagiários não querem vir para a Psiquiatria!
 
-- Feliz Natal, Linx ! Daiane deu-lhe um beijo na face e foi embora muito contente para encontrar o namorado que a esperava no portão de saída do Hospital. Linx ficou a olhar os dois jovens felizes e pensou: = Ah Se eu tivesse essa sorte, também ! – Mas devo esperar até o final do ano. Então vou tirar a minha forra! Vão ver só!
As coisas pareciam estar mais calmas no Hospital de Psiquiatria, mas não por muito tempo. Ao anoitecer, lá pelas 19:30 h. ouviu-se um barulho estranho na ala esquerda da Enfermaria. Lá ficavam os pacientes mais agressivos. Eram os que tinham traumas neuróticos agudos, onde alguns pacientes tinham uns ataques de histeria e gritavam o tempo todo que estavam sendo perseguidos pelo Dr. Soriano, médico do plantão da noite. Soriano gostava também de escrever contos de terror. Dois pacientes já tinham lido os livros dele e pensavam que ele poderia ser um daqueles monstros que relatava no livro. Jean Gabirou era um deles, muito nervoso e instável. Linx correu para acalmar-lhe, mas logo que entrou, ficou estupefato ! O homem se transformava qual um bicho, chegou a arrebentar as correias que o prendiam ao leito :-- Vou sair daqui Vocês não podem me manter preso. Não sou nenhum animal. Rrraaaaa ! E grunhia tal qual um cão raivoso. Linx junto com um ajudante tentaram segurar o homem, mas ele os empurrou com tanta força que os dois foram bater de encontro a parede, onde estava uma prateleira com vidros, algodão e remédios. Esta desmoronou e quase acerta a cabeça de Lins, que, levantando-se rapidamente, correu a pedir socorro dos outros enfermeiros que ainda restavam no prédio àquela hora. Foi uma correria geral, as enfermeiras atônitas corriam de lá para cá, sem saber ainda do que se tratava. Dr. Léo foi ver o que houve, e ficou paralizado pelo terror. Diante dele, um ser peludo e voraz, arreganhava os dentes que mais pareciam grandes presas de carnívoros gigantes. Foi quando Linx o puxou para fora da enfermaria, onde os doentes se montoavam temerosos, tendo um deles sido agarrado pelo monstro que quase o matou com suas grandes garras afiadas. Alguém telefonou para a Polícia, outro para o Corpo de Bombeiros. Tinham que segurar essa coisa monstruosa... Havia um destacamento policial próximo do Hospital, logo foram acionados os alarmes. Doentes gritavam outros gemiam. Mulheres davam ataques histéricos... Mas Linx permanecia impassível. Pensava: “Isto vai dar um bom conto, uma boa história para escrever... Acho que esta noite terei um presente de Natal ! – Um grande tema para meu conto ! E pensar que eu ia escrever sobre o Papai Noel vestido de preto! Taí uma boa idéia. Papai Noel virando Lobisomem ! 
Os policiais conseguiram prender o monstro com uma substância que o fez dormir ou desmaiar... e logo viram que o lobisomem se transformava num ser normal. Era Jean Gabirou, o paciente francês que esteve na Pensilvânia e de lá trouxera essas terríveis abominações
que, segundo alguns mais entendidos, foi uma maldição rogada pelo Conde Drácula, para aqueles que tocassem em seu sepulcro.
Linx foi o herói dessa noite, véspera de Natal! Foi elogiado por todos, pela sua coragem e sangue frio... Se não fosse ele, o lobisomem teria matado muita gente. A notícia correu por todo o quarteirão... até a Celly e a Hell que ainda não tinham chegado em casa, souberam pela rádio de um bar por onde passaram. Dr. Léo agradeceu ao Linx e prometeu ajudá-lo a conquistar uma promoção em outro setor das Clínicas.
 
Este conto é uma homenagem ao jovem enfermeiro Linx, co-fundador da Irmandade das Sombras com Rogério Silvério de Farias.
 
 
 

 

 
 
 
 
 
 

 

 
 

 

Victoria Magna
Enviado por Victoria Magna em 20/12/2007
Reeditado em 19/02/2008
Código do texto: T786431