O Lamento das Bestas

O mundo já fora dividido em três reinos absolutos: o céu, a terra e o mar. Em tempos antigos, antes do primeiro homem, Deus criara três criaturas para proteger o equilíbrio entre as forças primordiais: o Ziz, o Behemoth e o Leviatã. Cada um guardava um domínio, e por milênios a harmonia fora mantida. Até que um som ecoou pelo vazio, rompendo o silêncio eterno: o lamento.

Ninguém sabia de onde vinha o lamento, mas ele atravessava o céu, os mares e os montes, corrompendo o mundo. Não era um grito humano. Era algo antigo, primal, como o som da própria criação sendo partida ao meio.

Ziz, o soberano dos céus, repousava sobre as nuvens mais altas, suas asas imensas cobrindo metade do horizonte. Ele era o guardião do firmamento, um ser que, ao bater as asas, fazia o ar se mover e as tempestades dançarem.

Mas naquela noite, as estrelas não brilhavam. O vento estava morto. Um som frio, cortante, atravessou as nuvens como uma lâmina invisível, e Ziz ergueu sua cabeça. Era o lamento.

Quando o som alcançou o pássaro gigante, ele sentiu algo que nunca havia sentido antes: medo. O céu parecia mais baixo, pesado, como se algo o estivesse puxando para o abismo. As nuvens ao longe começaram a escurecer, formando redemoinhos violentos. Do centro do vórtice, Ziz viu olhos. Não eram olhos de um ser vivo, mas abismos dourados que o encaravam.

"Desça..." dizia uma voz gutural no lamento. "Desça e veja o fim."

Behemoth, a montanha viva, sentia o chão tremendo. Seus passos retumbavam pelas planícies desertas enquanto ele caminhava para o leste. Ele era o protetor da terra, seu corpo vasto e impenetrável como a própria crosta terrestre. Sua pele era feita de rocha, e de suas costas brotavam árvores antigas, como florestas sobre um mundo em movimento.

Mas o lamento o perturbava. As árvores em suas costas murcharam. O chão, que sempre fora sua fortaleza, rachava sob seus pés. Ele parou à beira de um desfiladeiro profundo e percebeu que o abismo parecia estar crescendo. A cada instante, a terra era devorada pela escuridão abaixo.

Do fundo do desfiladeiro, ele viu tentáculos de água negra subindo, como se o mar estivesse se arrastando para dentro do coração da terra. Leviatã.

"Você nos falhou, irmão de pedra", rugiu a voz gorgolejante de Leviatã. "Agora, tudo será meu. O mar conquistará o céu e o solo."

Nas profundezas mais escuras do oceano, Leviatã, o monstro abissal, se contorcia em triunfo. Ele nunca quisera harmonia. Ele sempre odiara a terra e o céu, com seus limites que aprisionavam sua vastidão. Ele era o caos, a fome, o que nunca poderia ser preenchido. E agora, o lamento finalmente libertara sua verdadeira essência.

Com cada nota do lamento, o Leviatã crescia. Suas escamas se tornaram lâminas de obsidiana. Seus olhos brilhavam como luas. Ele se arrastou para fora das águas, e onde seus tentáculos tocavam, a vida era apagada.

Seu destino era simples: consumir o Behemoth e o Ziz, e então, devorar o mundo inteiro.

O céu estava em chamas. Ziz voava em círculos desesperados, tentando dispersar a escuridão que tomava os céus, mas suas asas batiam contra uma força invisível. No chão, Behemoth lutava para conter os tentáculos de Leviatã, mas seu corpo já estava coberto de rachaduras.

Os três titãs finalmente se encontraram em um campo de batalha onde terra, mar e céu se misturavam em puro caos.

Leviatã, com sua voz gutural, disse: "Vocês não percebem? Fomos criados para proteger, mas o mundo não precisa mais de nós. Ele quer o fim."

Ziz respondeu: "Você delira! Somos equilíbrio. Sem nós, tudo perecerá."

Behemoth, em sua paciência rochosa, rosnou: "Se cairmos, o que restará não será criação, mas um vazio sem fim."

Mas Leviatã riu. Ele havia ouvido o lamento mais de perto do que os outros. Ele sabia sua origem.

Então, o lamento se intensificou. A terra tremia, os mares ferviam, e o céu rasgava como um tecido velho. E do nada, uma quarta presença surgiu.

Não era uma criatura. Não tinha forma. Era o lamento em si, um ser feito de puro vazio, algo que existia antes mesmo do tempo. Ele era o verdadeiro inimigo, e os três perceberam tarde demais que haviam sido apenas peões.

O lamento os envolveu, consumindo suas forças. Ziz, Behemoth e Leviatã foram arrastados para o vazio, e o mundo que eles protegiam começou a ruir. O equilíbrio havia sido quebrado, e no fim, o lamento triunfou.

Tudo se tornou silêncio.

No vazio absoluto, uma nova criatura abriu os olhos. Era uma fusão dos três: asas negras, escamas reluzentes e uma carapaça rochosa. Era um novo começo... ou o fim definitivo.

Junior Lima (Messias)
Enviado por Junior Lima (Messias) em 14/01/2025
Código do texto: T8241505
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