O Reflexo na Janela
A chuva castigava a vidraça do meu escritório improvisado no sótão. Lá fora, a noite engolia a pequena cidade isolada, e o vento uivava como um espírito agourento. Eu estava há dias trancado aqui, obcecado com o caso do "Sussurrador Noturno", o assassino em série que aterrorizava nossa comunidade pacata. As vítimas eram sempre encontradas em suas camas, sem sinais de arrombamento, com um único lírio branco sobre o peito e um bilhete enigmático ao lado: "O silêncio ouve". Como detetive particular recém-chegado, sentia o peso da responsabilidade e o olhar desconfiado dos moradores que ansiavam por respostas que eu lutava para encontrar.
Folheava os relatórios policiais pela enésima vez, os olhos ardendo sob a luz fraca da luminária, buscando um padrão, uma falha mínima, um deslize que o assassino pudesse ter deixado para trás. Nada. Era como perseguir um fantasma habilidoso, sempre um passo à frente. O cansaço acumulado turvava minha visão, e a paranoia começava a fincar suas garras em minha mente. Cada rangido da velha estrutura da casa, cada sombra dançante projetada pelos galhos chicoteados pelo vento parecia uma ameaça iminente. Levantei-me abruptamente, a cadeira arrastando no assoalho de madeira, decidido a buscar mais café, a cafeína sendo meu único combustível. Ao passar pela janela escura que refletia o interior do cômodo, um relâmpago súbito iluminou o exterior por um instante fugaz. E foi então que o vi, ou pensei ter visto.
Um vulto escuro, imóvel sob a chuva torrencial, estava parado no jardim dos fundos da casa vizinha, a residência dos Miller, vazia há semanas desde que o casal partira em uma longa viagem. A figura estava de costas para mim, o olhar fixo na janela do quarto principal dos Miller, uma silhueta sinistra contra a cortina de água. Meu sangue gelou nas veias. Seria ele? O Sussurrador? A possibilidade fez meu coração disparar. Agarrei meu revólver na gaveta da escrivaninha, o metal frio um contraste reconfortante contra a palma da mão suada. Desci as escadas em silêncio, cada degrau um ranger calculado, a adrenalina pulsando, anulando momentaneamente a exaustão. Abri a porta dos fundos com uma cautela infinita, a chuva golpeando meu rosto instantaneamente. O vulto continuava lá, desafiadoramente imóvel. Avancei pelo jardim encharcado, a grama escorregadia sob as solas dos meus sapatos, a água gelada penetrando minhas roupas. "Parado! Polícia!", gritei, minha voz soando estranhamente alta e embargada pela tensão e pelo barulho da tempestade. O vulto não esboçou reação. Aproximei-me com a arma firmemente apontada, passo a passo. A poucos metros, outro relâmpago rasgou o céu, oferecendo uma iluminação mais clara. Não era um homem. Era apenas um espantalho velho e decrépito, esquecido pelos Miller, castigado pelo tempo e pela intempérie, com um chapéu desfiado e roupas em farrapos pendendo de sua estrutura de madeira. Suspirei, uma mistura de alívio e frustração me invadindo. A paranoia estava, de fato, me pregando peças cruéis. Dei meia-volta, praguejando em voz baixa contra minha própria mente exausta e sugestionável, retornando para a segurança relativa do sótão.
Voltei para o escritório improvisado, encharcado e profundamente desanimado. Sentei-me novamente à escrivaninha, o cheiro de chuva e terra molhada agora impregnando o ar confinado do cômodo. Olhei para a pilha de papéis desordenados, para as fotografias perturbadoras das vítimas, para o mapa da cidade com os locais dos crimes marcados em vermelho. Onde estava a conexão que me escapava? O que eu não estava conseguindo ver? Foi então que meu olhar recaiu sobre a janela escura mais uma vez. A chuva havia diminuído seu ímpeto, transformando-se numa garoa persistente, mas a escuridão lá fora continuava densa, quase palpável. E lá estava ele novamente. Não o espantalho, não uma figura externa. Mas um reflexo. O meu reflexo na vidraça escura e úmida. Contudo, não era exatamente o meu reflexo. A figura na janela sorria de lado, um sorriso frio, quase imperceptível, mas inegavelmente conhecedor, enquanto eu, o homem sentado à mesa, mantinha a mesma expressão tensa e concentrada de antes. O reflexo, meu duplo sinistro, levantou lentamente uma das mãos e levou o dedo indicador aos lábios num gesto claro, universal, como quem pede absoluto silêncio. E sobre a superfície da mesa refletida na janela, ao lado da pilha de relatórios policiais e fotos macabras, repousava, imaculado e sereno, um único e perfeito lírio branco.
O silêncio ouve. Sempre ouviu.