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"A noite em que a luz não fez falta"
Era uma noite qualquer — ou ao menos parecia. A energia caiu de repente, como tantas vezes acontece em São Leopoldo. A casa ficou mergulhada no breu. A cerca elétrica silenciou, as câmeras desligaram, e nem a lua se deu ao trabalho de aparecer. Só o escuro, absoluto, firme como uma parede.
Peguei a lanterna. Claro. A lanterna falhou. Sempre que mais se precisa das coisas, elas decidem testar a nossa calma. Comecei a andar devagar pela casa, tateando os móveis, sentindo o ar parado. Quando cheguei perto da garagem, tropecei em algo caí, e veio o silêncio do medo.
Mas naquela noite, algo foi diferente. Não senti o pânico de outros tempos, apesar do medo, apenas respirei fundo e percebi: não havia o que temer. A escuridão estava fora — e eu já tinha atravessado tempestades muito piores por dentro. A noite não ia me derrubar. Eu já tinha caído antes. Já tinha voltado antes. Sempre volto.
Fiquei ali sentado no chão. Esperando nada. A luz voltou. Mas eu já não precisava mais dela.
Naquela noite, dormi com as luzes apagadas. E não tive pesadelo. Nem grito. Nem suor.
Só a paz de quem aprendeu que o escuro não vence quem carrega luz por dentro.
Neri Satter – Junho de 2025 CONTOS DO SCARAMOUCHE