POLTRONA 11

“Atenção senhores passageiros da auto-viação Universo, com passagem marcada para as vinte horas e trinta e cinco minutos, favor dirigir-se ao portão de embarque E, plataforma 13.”

Repetiu-se a mensagem na sensual voz só então Dalton levantou-se da cadeira desconfortável e velha do terminal. Num impulso flutuou pelas alças finas, a mala maior, contendo as roupas e calçados, e a menor de objetos pessoais, escova de dente, perfumes, desodorantes, e um pequeno álbum da família, com as fotos de todos que precisava ver enquanto estivesse fora.

Enfim chegara seu transporte, pois era duro esperar sozinho. Despedira-se deles em casa. Abraços, beijos, e carinhos em todos, até no mais velho que estava entrando na adolescência, naquela exata fase em que ganhar beijo de mãe e pai é um “mico”. A esposa então, tivera uma noite de sonhos, pois seriam vários dias longe do marido. A caçula com a testa cortada há dois dias, quando escorregou numa pocilga d’água na cozinha e bateu na quina do balcão do microondas. Estava preocupado, pois mesmo aos cinco anos, era seu primeiro machucado grave, com direito a sete pontos, muitas lágrimas e manha. Não podia deixar de ir, era o futuro de todos aqueles olhares alegres embarcando para um novo horizonte.

“número 7,8. 9,10... aqui, 11!” Sussurrou sozinho procurando a poltrona como faz a maioria dos viajantes. Excluindo velhinhas com netinhos, que dizem em voz alta e melosa, que é este ou aquele seu lugar.

Como gostava, exatamente como gostava, na janela, com ar condicionado, e ninguém sentado na poltrona 12. Uma criança chorava ao fundo do veículo, acalentos maternos soavam em contrapartida. A noite lá fora estava tão sem graça, pelos arredores nenhuma luz incomum tentando chamar atenção para algum atrativo do pós-crepúsculo. Tinha um livro na mala, mas a bagagem toda já estava no local apropriado, e sem mais tentativas de passatempo resolveu tirar um cochilo. Olhou uma última vez para trás, um jovem gordo com um pacote de batatas fritas saia do banheiro, os demais passageiros acomodados, ninguém conhecido... Que bom!

O motorista e um atendente do guichê da empresa se cumprimentaram pela última vez, a porta de acesso á cabine frontal cerrou-se, as luzes fecharam e na partida, uma mulher de vestido estampado muito curto, se assustou com o apito da ré.

Seu despertar foi pela campainha de um celular no lugar de trás, um sucesso do grupo Rebelde fazia o celular vibrar, piscar-se em luzes diversas e o dono morrer de vergonha. As pessoas conversavam, e não tinha noção de que horas tinha, ou quanto tempo havia se aprofundado em sonhos vagos. Chuvinha fina... Devia estar gelada Estrada federal, calculou pelo baixo movimento, que já devia ser bem tarde. Olhou no celular, faltava uma hora para um novo dia, e seu destino ainda estava longe... novamente calculou conforme a hora. Nenhuma chamada da família, iria ele então ligar pra casa e dizer que tudo estava bem, e que estava com os olhos pesados de sujeira do sono e com fome.

Nem discara algum número no aparelho e ele tocou, a tradicional campainha monótona em baixo volume, um número confidencial. Atendeu.

“Atenção, fale baixo, discretamente. Não levante a cabeça, nem olhe pra qualquer lado.” – voz comum, calma, mas de autoridade. Pensou ser brincadeira, deu um suspiro lento e de imediato obedeceu imaginando que palhaçada seria aquela. O que pretendia seu mentor. – “Faça tudo que eu mandar, este é o jogo. Esta é a única forma de tudo dar certo.”

Apertou o botão vermelho e desligou o celular, obviamente, esperando tocar outra vez em seguida. Porém em velho estilo lhe jogaram uma bolinha de papel que bateu na ponta da descomunal orelha e pousou no seu colo como um pomo mensageiro. Desembrulhou rápido, leu: “ O que pensa que está fazendo? Me obedeça! Estou no ônibus, te observando, e tenho uma arma pronta a ser usada se precisar.” Refez a bolinha de papel a manteve no colo sem saber o que pensar. Acreditava? Não acreditava? Era verdade? A campainha de novo, baixa e monótona. Número confidencial. “Muito bem, assim que se faz!

- O que quer comigo? Olha, eu vou ligar para a polícia agora – Nem ele mesmo sabia se faria de verdade ou era puro blefe.

“Não, espere” – Ai que agonia, que ódio sentia, tudo estava tão bem, o resto do veículo cheio de paz, só ele passando por aquele incômodo em saia mais que justa. – “Quer uma prova de que sou perigoso?”

- Não quero prova de nada, muito obrigado, quero apenas desligar e continuar minha viagem. Incomode outra pessoa, por favor.

“Não quero incomodar, mas resolver partes da minha vida. Olha só – Não deixa se quer um intervalo para falas, em partículas era melhor mesmo, do que poder ter tempo para falar bobagens e se enforcar ainda mais através da linha. Escutava atento, maquinando involuntariamente de como se livrar daquilo tudo. Mais um suspiro fundo – “É muito bonito sua camisa de algodão verde claro, e suas calças jeans desbotadas também. E a propósito: você gosta do número 11, ou escolheu só porque é janela?

Era muito real pra ser mentira, ou sonho, o canalha desocupado estava mesmo ali perto, o observando. Para experimentá-lo ainda mais, levantou a mão desocupada acendendo a curta luz sobre si.

“Apague esta luz agora seu merda” – Já não estava tão calmo, mas estava muito correto... E perto, esperto!

- Pare com isso cara! – O jovem casal sentado no outro lado do corredor olhou desentendido e desconfiado para ele, a moça se aproximou um pouco.

“Diga para ela que está tudo bem”.

Foi feito o ordenado, apenas de pestanejos mentais.

Entravam em uma pequena cidade, era perto da meia-noite, passavam em uma rua central. Todo tipo de gente caminhava por ali aquela hora, saindo de uma boate no final da via.

“Para provar que sou perigoso, olhe pela janela, vou matar uma moça que vem de blusa com paetês e uma garrafa de uísque na mão, logo ali na frente”. – Ele procurou a moça, a viu bailando bêbada, no acostamento, pisando em cacos e matos da beirada. Ela parou para vomitar, um semelhante a mingau de ervilha lhe cruzou o esôfago, e nem acabara sua necessidade, teve sua cabeça baleada. Nem viu quem fora, nem sentira de tão embriagada. Os paetês arrastaram no barro, o salto alto foi de bico no chão, meia face não atingida mergulhada no que fora sua boa noite. Amigos e indivíduos dos arredores, correram apavorados, Dalton agora sim estava muito assustado, o estampido do tiro ressoava em seus tímpanos e no coração. Viu o medo na ponta dos dedos que não parava de mexer e roçar entre si. Algumas das pessoas de fora, gritaram e apontaram, para o ônibus, talvez alguém até tenha corrido atrás para “pega-lo”, mas ao corpo a atenção foi máxima... Porém no ônibus ninguém viu assassino algum, apenas preocupavam-se em ter um pedacinho da janela pra ver a situação da madrugada no pequeno lugar.

Suava frio sem ter direção precisa, o braço doendo da posição do telefone, sem palavras... Não era ele quem mandava, tinha de esperar as ordens.

O gordinho continuava a comer batatas, vira de relance ele se aproximar da janela de trás. Talvez o ônibus virasse de tantas pessoas querendo aquele lado para ver melhor, confusão em meio a tranqüila viagem. Quem seria? Um complô de todos os outros passageiros? Pois ninguém parecia ver que ele estava sendo ameaçado. Uma brincadeira de mau gosto? Não, ninguém mata de verdade por brincadeiras bem feitas. Um sonho? Opção também inválida, já que sentia cada gota de suor frio, no tempo quente, sua língua procurando saliva em algum canto da boca. Respirando sem ter qualquer ar nos pulmões. Tinha medo de se mexer, de fazer qualquer movimento que desagradasse o “comandante” daquele evento indesejado e particular. Continuou sentado e a voz lhe acometeu a mente: “Eu quero que acalme este pessoal! Pode se levantar, olhar para trás, e acalmar esta gente.” – Sim, faria isso, era sua chance de saber quem era. Uma olha rápida e ganharia a cara mais malvada? Não, mas quem não estivesse surpreso, quem estivesse calmo, e esperando seu olhar... Era isso. – “Faça isso, mito rápido, se não o gordinho da batatas fritas vai morrer.”

- Ta, ok, não faça nada, já estou levantando e mandando se acalmarem! – Como? Se ele mesmo não conseguia. Saia muito ar com suas palavras, um rugido estranho no telefone, uma gota de suor gelada e salgada pousou na sua língua. Já bem distante do local da morte da garota de paetês, ele levantou-se cauteloso e trêmulo, não acreditando no que ia falar, o celular na mão, a única coisa segura em todo seu corpo: - Por favor, acalmem-se, já passou. A policia vai resolver tudo. Se acalmem e vamos continuar a viagem, para o bem de todos! – falando, seus olhos procuravam alguém inassustado. Bem resolvido, mas nada, parecia estar cego e ver nada além de caras surpresas olhando para um candidato a salvador da pátria. Instante de silêncio, e como um decreto lei, obedeceram sem pestanejar. Equilibrando o veículo, o deixando pior que antes... Era mais difícil do que pensava. Quando sentou-se de volta, estavam na rodoviária daquela cidadezinha. Gente esperava pra embarcar, com o frio da madrugada na pele, vento levando copinhos plásticos do bebedouro mais longe. Paisagem sem paisagem. O carro deu um leve baque de estacionar-se, e o motorista abriu a porta entre as cabines, no celular, molhado de suor, e de bateria interminável, ouvia-se apenas uma respiração, bem calminha. E Dalton que não se atreveria a falar, a perguntar o que fazer, ou se o assassino estava bem.

Queria sua família perto, estava com fome, estava com medo. A próxima cidade era sua parada. Maldita viagem a negócios, daquela empresa maldita que não fornecia nem uma passagem de avião para que viajasse sem ser incomodado por psicopatas de auto estrada.

O motorista relatou o local de parada, era hora de passageiros desembarcarem. Três pessoas se levantaram, o motorista esperava na escadinha de acesso com os dedos sedentos pelas passagens. O assassino não faria nada agora, era a hora, duas pessoas haviam passado, tinham que dar certo, ele não ia se arriscar a matar inocentes? Ei, mas o que ele tinha de culpado?... Meteu-se entre as quatro pessoas, e saiu correndo abaixado do ônibus, sem pensar mais em nada, apenas desejando estar muito longe... Já dentro do terminal de pouco luz e silencioso, ouviu um tiro vindo do veículo, gritos, desespero, e nem por isso parou de correr. Não olhou para trás, mas sentiu, passos atrás de si fazendo eco no piso do saguão vazio, aproximando-se. Viu o banheiro,quase escorregou numa poça dágua em frente a imunda fileira de pias, deu um grito de desespero, uma coruja dormia de olhos arregalados no basculante do âmbito. Conseguiu se ver morto. No canto do banheiro outra porta mais discreta convidava ao sigilo, era a sala de serviço, meio almoxarifado, meio dispensa, poderia ser uma fossa explêndida em escrementos que ele entraria, rápido, de pernas bambas e suor brindando o chão. Um ótimo esconderijo dentre utensílios e prateleiras... O silêncio eterno contra a respiração ofegante e o medo de tudo. Os passos se aproximaram, outra respiração ofegante fazia companhia a sua, alguém o oprocurava tranquilamente, mas não tinha noção de quem seria, do que queria, porque, e o que faria.

Ouviu vozes lá fora, alguém brigando com outra pessoa, e um tiro rompeu madeiras ao seu lado, atingindo-lhe o pé. Não podia correr, foi então que um grande homem de máscara preta o pegou pelos ombros, suas mãos eram pesadas, e quando pensou chegar no limite do medo, desmaiou, sem conseguir respirar.

Logo voltou a si e estava sendo carregado, ninguém falava, e ele fingia dormir, queria ver onde morreria... Estava num lugar estranho, bem claro, estreito e sem mobilia, uma das lâmpadas econômicas falhando freneticamente. o silêncio era apenas momento, irromperam no recinto policiais, e um diálogo de praxe o fez de refém, tendo como travesseiro o cano do revólver, e o braço do mascarado lhe envolvendo o pescoço. Como era ruim aquilo tudo, não conseguia pensar em sair vivo, não esqueceria aquilo jamais... Mesmo depois de morto. como doía aquela ponta de arma lhe forçando a cabeça, era gelada e enorme. fora de si mais um avez, apenas ouvia gritos da polícia para o mascarado, e vice-versa. Sentiu-se arrastado, e logo após quem caiu foi o assassino, sua arma, e sua loucura de preto. A polìcia o matara, mas ele nem viu o corpo, outros o levaram, desta vez com carinho, desta vez o bem.

"Você foi vítima do golpe da moda. haviam poucas pessoas que realmente eram passageiras do ônibus, o resto fazia parte de um grande esquema que traficava corpos." - Para finalizar com orgulho de si, o policial disse. "Você teve sorte!"

e em pouco tempo, ainda sentia o coração em todos os membros, mas estava limpo e seguro, abraçando a toda sua família, até o adolescente em crise, com vergonha dos pais, abraço com cuidado na menina de testa machucada.

No seu celular viu uma recente, de poucos minutos, chamada perdida de número desconhecido... Mas nem quis saber, nem retornou, com que ele queria ala e estar, já ali se presenciavam.

Douglas Tedesco - 01/2008

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 30/01/2008
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