A triste história do meu soldadinho de chumbo

Ele urrava. Eram gritos horrendos, emanados de suas entranhas, plasmados nas estalagmites invisíveis de um abismo infinito, ecoados em pletoras de vozes estridentes a reverberar pelo choque com as paredes do meu quarto. Meus ouvidos de menino se alarmavam, apresentados agora ao mal em sua essência absoluta. Com arrependimento e pavor, me encolhi... e adormeci.

Em meu sonho, voltaram as lembranças do dia em que recebi o presente de dez anos. Pedira a meu padrinho um videogame. Mas como é comum aos adultos negligenciar os desejos das crianças, trouxe-me um soldado de chumbo. Quanto ódio dispensei ao maldito boneco! A raiva poluiu meu coração. Já no quarto, apertei o brinquedo de acabamento caprichado e, antes de lançá-lo para debaixo da cama, praguejei: “Tomara que o diabo te dê o que de melhor pode preparar”.

Então, começaram os gritos. Fizeram-me acordar naquele dia. E dali por diante, ouvia-os sempre ao deitar, como um lembrete sinistro de que algumas palavras não devem jamais ser proferidas, e como um convite à loucura que me trouxe ao sanatório. Eu e meu boneco de chumbo fomos condenados a sevícias eternas...