O homem que não acreditava em São Tomé - Parte 1

Serrano Valério era um desses caras aventureiros mais por desafio que por natureza. Começou ainda na Faculdade de Filosofia, desafiado pelos amigos sempre se exibia tirando fotos à noite em cemitérios, museus e casas com dom de mal assombradas da época do império em Ouro Preto.

Com o tempo, passou a postar essas fotos e histórias num site adquirindo fama e arrogância de caça-fantasmas, porém o rapaz nunca achou nada de concreto que pudesse ser provado como paranormal.

Gabava-se por não acreditar nem em São Tomé, pois este defendia que era preciso “Ver pra crer.” E como Serrano jamais o tinha visto conseqüentemente jamais poderia acreditar nele.

Junto a ele estava sempre sua assistente Marilu, outra maluca que largou a filosofia pela paixão não ao desconhecido e sim por Serrano, ela lhe dava proveitosos conselhos e até lhe tirou de várias enrascadas, porém ele jamais soube reconhecer e podia-se dizer que até a menosprezava.

Foram para os mais longínquos locais dessa terra, por onde quer que haja uma história ou boato sobrenatural, deparando-se muitas vezes com folclores e piadas de exibicionismo do Amazonas até o Mato Grosso. Atrás de noivas que se jogavam das ribanceiras, padres hereges que se transformavam em mulas, festas e assassinatos que ocorriam nos casarões em determinadas datas, geralmente Sextas-feiras treze e luas cheias - esses sim eram dias trabalhosos.

Entretanto nunca encontraram nada satisfatório o bastante para que Serrano pudesse acreditar em São Tomé. Resolveu voltar para Ouro Preto e sossegar por uns tempos, mas esse sossegamento não durou um dia, pois achou no meio da pilha de cartas deixadas em baixo da porta uma em especial, amarelada, escrita em papel de pão a qual relatava anonimamente sobre a existência de um fantasma tão real quanto à imagem de seu alto-retrato habitante de uma velha Estância em Camaquã, Rio Grande do Sul.

Não podia deixar sua grande chance passar, mais do que isso, era sua obsessão, pegou as malas ainda feitas e Marilu que questionada disse não saber nada sobre o sul e se foram. Chegaram há Camaquã um dia depois e puderam constatar que a Estância era isolada, patrimônio histórico preservado da cidade, chamava-se Eulália, lá havia apenas um caseiro esquelético que não se aproximava da casa.

Este contou-lhes sobre a existência de barulhos noturnos nos arredores vindos da casa, urros e súplicas desesperadas de alguém que não conseguia descansar em paz. Avisou-os para que não se aproximassem da casa a noite, pois era perigoso, o Capitão Atílio jamais permitiria. Desatinou a falar em seu gauchês afobado sobre a lenda do tal Capitão Atílio, um velho e bravo militar condecorado em muitas pelejas no sul. Famoso esteve presente até na guerra do Paraguai, tudo ia bem até desejar se casar com Eulália a jovem prenda que despertava o desejo de todos os homens de Camaquã. Homem rico que era acabou levando-a quase como mercadoria de um pai ganancioso, porém Eulália amava outro e de tão ciumento que era o Capitão só de ouvir falar nisso ordenou que arrancassem os olhos e o coração do jovem soldado e os trancou em seu cofre para nunca mais ousarem ver ou sentir qualquer coisa pela moça.

Eulália ao saber ficou tão desatinada que acabou envenenando-se, mas não antes de deixar uma carta para os cidadãos de Camaquã onde contava que junto ao coração e aos olhos de seu amado o Capitão escondia também todo o ouro que ele havia roubado da cidade e deveria estar na prefeitura em segurança para que não fosse roubado no caso de um ataque inimigo.

O povo num acesso de fúria invadiu a Estância e linchou Atílio até a morte, mas não antes da mãe feiticeira de Eulália lhe rogar uma praga de que ele viveria sozinho naquela casa para sempre como castigo por sua arrogância e mentira até que alguém acreditasse nele e descobrisse o tesouro da cidade que nem no leito de morte ele ousou revelar onde estava escondido.

Assim, já tinham se passado mais de duzentos anos de incertezas sobre a veracidade da história e Serrano era o primeiro a querer desenterrá-la. Ignorando os avisos do caseiro que ia embora assim que a noite ameaçava, o rapaz não via a hora de escurecer completamente para que pudesse entrar na sede da Estância e colhesse alguma prova definitiva daquilo que ele tanto buscava, um fato sobrenatural para ter fama irrevogável e eternizá-lo na história - dessa vez seria diferente sentia e pensava o moço.

E lá se foi ele quando chegaram as sombras, Marilu ficou de vigia na entrada, Serrano quebrou uma janela facilmente e pulou para dentro sem problemas, a casa era muito escura e fria de ar pesado que não circulava a séculos, cheirava a morte e enraizava esse sentimento na espinha de qualquer pobre diabo que o respirasse.

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Continua...