Amarga dádiva

Tudo era sonho. Estela aconchegou-se ao peito do cadete, e o par iniciou a valsa, que chamava a atenção dos convidados pela beleza do dueto. A moça brilhava como nunca antes em seus 15 anos.

– Você me chamou, eu vim – disse o rapaz, no que foi fitado com espanto pela jovem. Ela nunca estivera com o acompanhante, um adolescente longilíneo e louro.

– De onde nos conhecemos? – perguntou, aturdida.

– De suas preces profanas.

Então, as luzes abaixaram, e no breu das recordações a jovem sofreu novamente com o escárnio dos colegas de infância, por ser baixa e gorda. Já um pouco maior, não despertava o interesse dos garotos. Os pais a amavam, mas não sentiam orgulho do aspecto tosco da filha.

Como Deus não a ouvia em suas orações, Estela apelou ao antípoda d'Ele. E, às vésperas de sua festa, finalmente se viu transformada aos olhos dos outros, embora suas medidas não tivessem se alterado. Era como se o próprio conceito do que é belo houvesse se transmudado.

– Você deve escolher entre a vida de seu pai ou de sua mãe para ter a beleza eterna. Senão, conhecerá minha ira.

A escolha de Sofia paralisou Estela. Mas o impasse não durou muito, pois a impaciência demoníaca logo lhe pôs termo.

Após um blecaute de não mais que cinco segundos, os presentes à festa se chocaram com o que os refletores agora revelavam: os cadáveres dos genitores de Estela estirados no centro do salão. Ao lado dos comorientes, a debutante pranteava sua sorte, com a pele lacerada a escorrer pela fronte e pelos braços, como se tivesse sido submetida a temperaturas infernais. Depois do baile, tudo seria pesadelo.