Mel

A mansão parecia ter surgido do além, de repente a tempestade parou e o vampiro se viu diante dela. Ele não tinha tempo para conjecturas por causa do estado de Érika, ela precisava de curativos para as suas feridas e ele precisava de sangue. A mansão poderia abrigar refrigério para ambos independente da sua natureza.

Com sua audição aguçada ele percebeu que havia alguém no que ele imaginava que fosse um hall de entrada, portanto bateu educadamente na porta principal.

Um mordomo veio atende-lo, um pouco mal-humorado com a visita inoportuna àquela hora da noite.

Era velho, calvo e parecia ser bem antipático.

O velho Willian Withwatersand, mordomo da família Thorm há vários anos, servira a Sir Thomas Thorm o edificador daquela suntuosa mansão e era um homem terrivelmente intolerante para com aqueles que considerava inferiores a si próprio. Logo que abriu a porta sentiu um odor dos mais desagradáveis e deparou-se com duas figuras maltrapilhas. O homem pálido como um cadáver carregava uma menina fedorenta e toda machucada, provavelmente eram alguns mendigos da cidade que, de alguma forma, tinham conseguido galgar os altos muros que cercavam a mansão.

O vampiro olhou para o velho e disse:

— Senhor, sofremos um terrível acidente perto daqui. Minha filha necessita de cuidados urgentes.

Por favor, nos ajude.

O rosto do mordomo se contorceu em uma careta de desgosto. Principiou um protesto, mas o vampiro o calou com um olhar.

— Eu disse: “Nos ajude”.

Willian não era nenhum covarde, mas jamais havia visto tamanha ferocidade nos olhos de um homem.

Cambaleou afastando-se da porta e deixou os farroupilhas entrarem.

O vampiro deitou Érika em um sofá elegantemente decorado, sujando-o com lama e sangue.

Voltou o olhar bestial para o velho que tinha estancado ao lado da porta e lhe disse:

— Traga algum curativo, rápido!

Uma voz feminina soou do outro lado da sala.

— Vai precisar limpa-la antes.

Voltando-se, o vampiro viu uma linda mulher, vestida com trajes elegantes e finos.

— Mostre-me onde. Eu a levo.

— Siga-me.

Willian que havia permanecido estático junto à porta aberta, observou impotente os dois subirem as escadarias da mansão e só depois recuperou os movimentos. Ainda tremia quando fechou a porta.

Mal acabara de trancar a porta, Willian ouviu Mr. Alexander Thorm chama-lo.

O senhor da mansão Thorm estava majestosamente postado a porta da sala de jantar. Tinha quarenta anos, era dono de uma voz poderosa e detentor de um imenso magnetismo pessoal e ninguém permanecia impassível diante dele. Era alto e forte, tinha um corpo bem proporcionado e exercitava-se constantemente. Em todos os aspectos era um homem para se temer.

— Willian, que confusão é essa? Eu ouvi a voz de Melissa.

Mr. Thorm percebeu a hesitação, a palidez, o tremor do empregado e também as pegadas de lama que iam da porta até o pavimento superior subindo as escadas. Como o mordomo não lhe parecia fisicamente capaz de dar qualquer esclarecimento Mr. Thorm não lhe perguntou mais nada. As peças do quebra-cabeça estavam todas ali, bastava encaixa-las: o mordomo em estado de choque, a voz de Melissa e as pegadas de lama. Assim que montou correu para dentro da biblioteca, do outro lado do recinto e pegou sua arma: Um revolver Smith & Wesson calibre .357.

Melissa sempre tivera um “coração mole” e, ao ver aquela menina toda suja e machucada, ela sabia que faria de tudo para cura-la, limpa-la e protege-la. Mandou o estranho ficar do lado de fora, tirou as roupas imundas da menina e colocou-a na banheira.

O vampiro teve que se conter para não atacar aquela dona elegante, sua sede de sangue nublava seus sentidos. Ouviu passos na escada e a espada estranhamente retorcida novamente germinou da sua mão.

Willian estava sentado na escada, ainda em choque, quando Mr. Thorm passou por ele com o revolver em punho e subiu as escadas. Ele olhara nos olhos do próprio diabo, não tinha dúvidas quanto a isso, ninguém tinha olhos tão maldosos, tão escarninhos e tão cheios de perversidade torpe. Quando ouviu o tiro não se moveu, pois sabia que o seu destino havia sido selado no momento em que fitou o demônio maltrapilho que Mrs. Thorm levara para cima.

Érika viu o tiro antes de ser disparado e mesmo com a porta fechada ela era capaz de saber o que acontecia no corredor. Vira a espada brotar de dentro da mão do vampiro, vira o homem que subia a escada — sabia que sua esposa o chamava de Alex e de outras coisas menos pudicas quando estavam na cama — atirar no vampiro antes de ter sua mão decepada e vira o vampiro arrancar-lhe um bom pedaço da garganta para alimentar-se.

Para Melissa, o tiro soou como uma bomba e por um instante ela ficou paralisada, inerte.

A menina virou o rosto e olhou para Mel, como seu marido a chamava, a viu abrir a porta e deparar-se com a cena hedionda do vampiro se alimentando. Mesmo antes que sua premonição lhe mostrasse ela sabia o que aconteceria, sabia que Melissa estava morta no momento em que eles entraram naquela casa.

Melissa ainda estava parada, estática. Sua mente rodopiava. O que foi esse tiro?

Em sua mente paranormal, Érika viu Mel permanecendo estática, viu o vampiro escondendo o corpo do marido e se livrando da arma, viu a vida daquela mulher de alma tão pura sendo poupada.

Melissa se levantou, ela queria ver o que estava acontecendo, mas ao mesmo tempo achava muito perigoso abrir aquela porta.

As possibilidades se traduziam em imagens na mente de Érika, Mel estava velha, sua vida seguira outro rumo depois da morte misteriosa do marido, ela nunca deixara aquela cidade ou a mansão da família Thorm, Mel tivera um enterro digno, mas nunca mais a mansão Thorm seria habitada, por causa do terrível crime que havia acontecido e dos fantasmas dos Thorm que nunca descansaram, Mel se transformara para sempre em um ghûl, um zumbi escravo do vampiro.

Melissa aproximou-se da porta e tocou a maçaneta, sua mão tremia. No momento em que ia abrir a porta ela ouviu a voz da menina:

— Não abra.

O vampiro estava debruçado sobre o corpo de Mr. Thorm. Arrancara sua cabeça e bebia o sangue que jorrava farto.

Melissa olhou para trás, vacilou. A menina olhava para ela, parecia estar calma. Que menina estranha. Toda a sua afeição se tornou repugnância. O que eu tinha na cabeça para recolher esses mendigos?

Érika sabia o que Mel estava pensando, mas não se magoou. Do outro lado da porta viu que o vampiro já terminara com Alex e já se preparava para esconder o corpo.

Melissa se repreendeu: O que eu estou pensando? Ela é uma menina linda. Deve estar tão assustada quanto eu.

A ambigüidade de Mel confundia Érika. Ela não sabia o que iria acontecer, se Mel abrisse a porta naquele momento morreria, mas se esperasse mais dois minutos, estaria salva.

Melissa fechou os olhos, se aquele estranho concordasse, ela e Alex adotariam aquela menina, seria a filha que eles jamais poderiam ter naturalmente. Ela era estéril, jamais poderia dar a Alex um filho, mas ele ficaria feliz com aquela menina tão boazinha. Sorriu, deu as costas a Érika e abriu a porta.

Pergamasco
Enviado por Pergamasco em 10/07/2005
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