Passeio na Madrugada

O relógio da rodoviária marcava 2h da manhã. Carlos acabava de desembarcar.

“Droga de estradas mal cuidadas. Pra que servem todos aqueles impostos e pedágios?”. Seu ônibus, programado para chegar na cidade às 20h, sofrera um atraso enorme, pois caíra em alguns dos vários buracos do caminho, tendo que parar para fazer consertos.

Morava em Belo Horizonte não havia muito tempo. Fora para lá, fazer faculdade, há apenas dois meses e esta seria a primeira vez em que teria que andar sozinho pelas ruas da cidade em tal horário.

Graças aos sacolejos do ônibus barato, da única empresa que fazia o translado entre sua cidade e a capital, não pudera dormir por grande parte do percurso. Assim, por causa do sono e do medo de assaltos, decidiu Edgar um táxi. Era mais caro, “mas a segurança vale a pena”. Olhou ao redor. No ponto de táxi só havia um carro. O motorista era um senhor de cabelos brancos, olhar taciturno e traços que a noite fazia ainda mais sinistro. Por falta de opção, encaminhou-se para ele mesmo. “Deixe de bobeira Carlos, você já é um homem, e ele é só um pobre velho, que mal poderia fazer com você?”, pensou o rapaz ao se dirigir ao automóvel, tentando afastar maus pensamentos.

Abriu a porta do carro, colocou sua única bolsa de viagem no banco de trás, ao seu lado e,

-Para o centro, por favor! Rua Augusta

Sonolento que estava, Carlos deitou a cabeça no vidro lateral do carro, talvez dormisse. Enquanto isso ouvia o rádio, que estava ligado em algum tipo de plantão de notícias noturno.

“Atenção, atenção! Suspeito de matar seis pessoas, o taxista Oswaldo Arantes está foragido. Aparenta 50 anos, cabelos grisalhos e olhos pretos escondidos sob enormes olheiras”. Ao ouvir estas palavras, Carlos já quase dormindo, abriu os olhos. Estava apavorado. Olhou para o motorista no bando da frente “(...) 50 anos, cabelos grisalhos, olhos pretos sob enormes olheiras (...). É ele, só pode ser ele”.

Olhou para as portas. Estavam trancadas. Olhava para todos os lados em busca de um lugar por onde fugir. “Está me levando direto para a morte”, pensou desesperado. Respirou fundo, tinha que se acalmar. Foi então que percebeu que aquele não era o caminho habitual para sua casa. Nunca havia passado por aquelas ruas sombrias, que a chuva pesada encarregava-se de escurecer ainda mais. Um raio partiu os céus, e a luz repentina possibilitou que o rapaz visse um horripilante casal de anões. Parecera-lhe que olhavam fixamente para ele, como que anunciando seu terrível destino. O motorista não demonstrava dar conta de seu nervosismo, “ou essa é a tática dele? Deixar suas vítimas apavoradas?!”.

“Os corpos foram encontrados em tumbas recentemente escavadas, em vários cemitérios da cidade...” continuava informando o locutor da radio, com uma voz gutural, praticamente respondendo as suas incertezas quanto ao trajeto.

A essa altura Carlos já estava branco de pavor, imaginando todas as formas horrendas como poderia ser morto. Em um canto pouco iluminado do táxi, jurou ter visto pedaços de ossos, mas não, “deve ser imaginação!”. Amedrontado, tinha medo de perguntar para onde o estava levando, afinal a resposta poderia ser pior que a dúvida.

“Todos os cadáveres tiveram os dedos arrancados...”, continuava descrevendo o estranho locutor. Jamais se lembrara de ter ouvido um plantão de notícias tão detalhado. E, ainda sem saber o que fazer continuou acompanhando com olhares ansiosos o caminho que o taxista seguia. Passou em frente a um bar, uma única luz na rua negra. Teve vontade de gritar, mas o som não passava pelo nó que tinha na garganta. Além do que, “nenhum daqueles bêbados ouviria...”, conformou-se Carlos. Foi então que percebeu que todos aqueles bêbados no bar não passavam de espectros. “Argh! Acho que estou é imaginando coisas”. Com esse pensamento, Carlos tentou desviar essas hipóteses absurdas da cabeça, mas o caminho ia piorando cada vez mais, até que entraram em uma estradinha.

“A suspeita é de que o assassino esteja se escondendo em um casebre, para onde leva suas vítimas...”. Qual não foi sua surpresa, quando, após vinte minutos, despontava em uma curva distante, “o casebre”, com suas paredes de tijolos, telhado quebrado, iluminado por uma opaca luz de velas. “Não, não será tão fácil assim, resistirei, correrei...” mas suas pernas não se moviam.

Como uma sombra, o taxista apareceu a seu lado na janela do carro, carregava uma pá. Abriu a porta de maneira tão repentina que Carlos sequer teve tempo de desencostar dela. Caiu no chão, na lama formada pela chuva. Suas pernas tremiam.

Rastejou, gritou, tentou se levantar. Caiu. De repente, a pá, levantada pelo macabro senhor foi iluminada por um raio. Era somente ela, contra todo o negrume do céu, como que a iluminar seu funesto destino.

De olhos fechados, sem saída, Carlos o aceita.

- Acorde, já chegou ao seu destino, rapaz

Meg Casarin
Enviado por Meg Casarin em 28/07/2005
Código do texto: T38428