A HORA DOS LOBOS Cap.8

8.O Último Pôr-do-sol

Estávamos sentados um em frente do outro. Rosto a rosto. Ele serviu um pouco de vinho tinto em minha taça e depois fez o mesmo na dele.

Depondo a garrafa de vinho na mesa, ele diz:

—Então... Pode me perguntar o que você quiser...

Começo com uma pergunta que queria ter a resposta a muito tempo:

—Bastian é mesmo o seu irmão?

Por um momento os olhos de esmeralda dele turvar-se ,transformando-se num verde escuro,quase preto.Ele agita um pouco a taça fazendo com que o liquido dentro dela se agitasse. Em seguida o ingere.

—Sim. Infelizmente, ele é meu irmão...

—Como isso é possível? Você não me disse que era um lobo?Então, como você pode ter um irmão vampiro? —pergunto. Aquela pergunta estava martelando em minha cabeça desde o último dia em que havia nos encontramos.

—É o seguinte: me pai é um caçador de criaturas das trevas. Logo, ele se apaixonou primeiramente pela minha mãe, que era um lobo e depois pela mãe de Bastian.

—Mas criaturas assim podem engravidar? —interrogo em minha total ignorância.

—Na verdade não... —respondeu ele na maior paciência do planeta.

—Então como vocês foram concebidos?

—Minha mãe fora transformada, com poucas semanas de minha gestação, tão logo o sangue de lobo corria em meu corpo. O mesmo aconteceu com a mãe de Bastian. Antes que ela descobrisse que estava grávida, ela fora mordida por um vampiro.

—Agora entendo... Cara, parece até o enredo de um filme...

Digo levando a taça em minha boca e bebericando um pouco do vinho. Aquilo explicava muita coisa...

—Você está bem? —pergunta passando a mão dele sob a minha. No instante em que aquela pele macia tocou suavemente sobre minha mão, eu me arrepiei totalmente. Era como se houvesse tomado um pequeno choque.

—Sim. Estou... —digo fitando aquele par de esmeraldas, que se chamavam olhos. —Agora você tem o direito de me perguntar qualquer coisa que queira.

—Por que Peba City? —perguntou ele sem hesitar.

—Boa pergunta... Na verdade, a culpa de eu estar aqui em Peba City não é minha. E sim de meus pais. Aliás, do meu pai. É que uma vez quando mamãe eu mamãe saímos juntas para fazer compras no shopping, nos deparamos ao voltar para casa, com meu pai se amassando com outra. E o pior de tudo era que ela tinha idade para ser minha irmã... Em suma, tivemos de vir para cá, por causa disso. Mamãe queria recomeçar, dar um restart na vida, sabe...

—No meu caso foi um pouquinho pior— começa ele— assim que eu nasci papai teve que matar minha mãe. Teve de meter uma estaca feita de prata em seu coração, ela nem teve tempo de me ver...

—E como você sabe? Pois ma época você devia ser só um recém-nascido...

—Foi minha babá, quem me contou quando eu tinha idade suficiente. Anastácia cuidou de mim e Bastian desde que éramos bem pequenos, inclusive fora ela que nos amamentou. Anastácia nos vigiava enquanto papai não estava em casa, quando ele estava caçando...

—Você queria ter a conhecido? —pergunto, me arrependendo em seguida.

—Qual o filho que não gostaria de conhecer a mãe ou o pai? —disse ele.

Ficamos por um momento olhando o sol alaranjado se desmanchar no horizonte, emprestando ao céu um tom de laranja escurissímo. A brisa começava a se tornar uma ventania gélida e afiada.

Estava na hora de eu ir se eu quisesse preparar tudo a tempo.

—Podemos ir? —pergunto.

—Podemos— responde.

Olho para todas aquelas coisas em cima daquele pedaço de rocha bem no meio daquele lago, me perguntando o que iria acontecer com elas, se alguém mais tarde as recolheria.

E como se ele pudesse ler mentes.

—Não se preocupe, mandarei vir buscá-las.

E, como se fosse à última vez que o visse ,despeço-me do lindo pôr-do-sol que se derretia no horizonte.

***

Quando cheguei à porta de casa, tive a errônea impressão de que tudo estava como antes. Minha mãe sã e salva na sala quente e aconchegante de nossa casa, lendo algumas causas trabalhistas.

Porém, logo esse pensamento desvanece de minha mente. Aquilo não podia ser real, não mesmo. A luz amarela da sala fora eu que havia deixado ligada.

Suspiro e giro a maçaneta da porta abrindo-a, sentindo uma atmosfera de tristeza me possuir...

***

Já no meu quarto, sentada em minha cama, fico a relembrar aqueles beijos quentes e vorazes que Tyler me dera. Quando o beijava era como se o mundo não mais existisse. Era como se fossemos transportados para um mundo somente nosso, onde não há quaisquer interferências.

Havia trocado o vestido por uma calça jeans escuro e uma camiseta branca de gola vê.

Dou uma última olhada no visor do meu celular.

Onze e meia da noite.

O tempo pareceu ter voado. Realmente, aquele ditado que diz que os melhores momentos devem ser vividos com intensidade, pois eles são muito fugazes, aplica-se ao meu caso. Vivi cada instante ao lado daquele que amava como se fosse o último. Bebi cada segundo ao seu lado com extremo prazer, como se cada beijo fosse o último gole.

Chequei a minha bolsa de caveira pela décima terceira vez.

Sim. Estava tudo ali.

Respiro fundo numa tentativa de relaxamento— do que não adianta nada. Tava muito nervosa. Meus nervos estavam em frangalhos. E se não desse certo?E se algo acontecesse a minha mãe?

Se algo acontecesse a ela, com certeza, não me perdoaria. O que iria fazer, não tinha espaço para erros. Um passo em falso e já era.

Morte na certa.

Dou uma última olhada na sala. Poderia sair viva ou morta.

Mas morreria tentando.

***

O meu único meio de transporte eram meus pés. Não havia carro, nem bicicleta. Só meus pés.

Não podia correr o risco de por a vida de mais uma pessoa em perigo, além de arriscaria a minha e da minha mãe.

Ia caminhando pelo lado direito acostamento, ao lado da floresta escura e selvagem. Floresta que emitia os sons noturnos e arrepiantes. A minha caminhada era solitária, iluminada apenas por postes pontuais, que apareciam de cinco a cinco metros.

A antiga igreja luterana ficava próxima. Era uma antiga construção, que tempos atrás era muito freqüentada, por alguns habitantes, que com tempo fora decaindo até que não sobrasse quase nada, apesar de sua estrutura ainda agüentar firmemente. Havia aprendido sobre, na aula de história, que impressionantemente, consegui me manter acordada— o que era algo raro.

Sentia-me feito um Dom Quixote, uma amazona andante que caminha em direção a gigantes, cujos, sem saber, não tinha forças suficientes para enfrentar.

***

A lua branca cintilava belamente no céu como um globo de prata. Formava uma verdadeira antítese em relação à igreja decadente que parecia ter saído de alguma parte sombria do inferno.

Minha respiração estava ofegante. Meu coração batia rapidamente e com muita violência. Minha pele estava toda arrepiada, meu queixo tiritava de frio.

Encontrava-me no enorme pátio da igreja. A minha frente, uma escadaria de cimento estendia-se até a porta de madeira que estava entreaberta. Uma luz amarelada e bruxuleante saia de dentro dela.

Vou subindo os degraus de cimento gastos e escorregadios com meu coração na mão. De súbito, as minhas mãos começam a suar, era o que sempre me acontecia quando ficava nervosa.

“Não posso desistir, não agora!”, repetia mentalmente. Tinha que fazer aquilo, por mim e pela minha mãe.

Antes que pudesse pisar no último degrau da escada e consecutivamente empurrar a grande porta de madeira, duas garotas se materializam em minha frente. Pisquei duas vezes os olhos pra ver se o que via era verdade.

—Olá, você deve ser o novo brinquedinho de Bastian... —diz a garota da esquerda, de cabelos negros e ondulados. Ela era morena, tinha rosto redondo e usava um batom vermelho que lhe marcava muito os lábios, deixando-a com um ar vulgar.

—Você trouxe alguém? —perguntou a outra, uma de cabelos ruivos cenoura, que parecia ser menos inteligente ou mais lenta. Ela tinha um rosto oval, olhos feitos amêndoas de cor de chocolate e lábios pequenos.

—Lógico que não trouxe Beverly! —disse a garota morena dando um beliscão —Se não a mãe dela já estava esquentando cova...

Tive o breve ímpeto de meter a mão na cara dela, porém me controlo.

Podia guardar minha mão para mais tarde, para lhe enfiar uma estaca em seu coração.

—Onde ele está? —pergunto.

—Está lá dentro... —reponde Beverly.

—Então, o que estamos fazendo aqui?—digo.

Antes que eu pudesse começar a andar na direção da igreja, alguém me desfere um soco.

Mas ainda pude ouvir:

—Lizzy, precisava disso tudo? — dizia Beverly.

—Não. Mas ela mereceu. Ela chegou se achando a princesinha Disney— disse depois rindo— Agora me ajude a levá-la pra dentro...

Depois, não ouvi mais nada.

CONTINUA

Raffael Petter
Enviado por Raffael Petter em 29/03/2013
Reeditado em 29/03/2013
Código do texto: T4214015
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