PASSOS DO ALÉM

Os novos moradores do apartamento 601, estavam encantados com a vista da janela que apresentava a cidade quase que por completo de Americana, SP. O bairro de excelente estrutura e uma área bem mais valorizada que do antigo bairro de Alvinópolis em Goiânia. O relógio marcava 22:00 horas e bastante cansada, Consuelo e o marido Elias, organizavam uma cama para que a filha pudesse dormir, afinal, a longa viagem a deixou bastante esgotada e com apenas seis anos de idade o sono da menina era facilmente notado. Na primeira noite a família dormiu muito bem, mas Consuelo acordou algumas vezes com o barulho de passos vindo do andar de cima. Logo se entregava novamente ao sono e assim conseguiu descansar quase o suficiente. Quando amanheceu, deixou o café pronto na mesa e resolveu buscar os pães antes que toda a família acordasse. Ao retornar para casa, pode ver acima de sua janela uma moça observando-a pela vidraça fixamente. “Deve ser a moça do salto alto que andava nesta madrugada e me acordou várias vezes”. Continuou sua caminhada e assim seguiu a semana. Durante a noite acordava com o barulho de passos que certamente eram da moça do andar de cima. O salto era claramente identificado por seu barulho forte. Era quase um ritual. Ao amanhecer saia para buscar os pãezinhos e via a moça que a tudo observava pela vidraça. Numa das manhãs, até esboçou um sorriso para ver se a moça retribuía, mas em vão. Ela apenas o observava sem fazer qualquer sinal.

No domingo, o marido resolveu sair com a família para aproveitarem o sol da manhã e caminharem um pouco com a filha, que sempre reclamava sobre a saudade que sentia de brincar em um quintal. Consuelo adorou a ideia e rapidamente saíram do apartamento. Comentou com o marido que desde que chegaram ainda não conseguira dormir uma só noite por causa dos passos que insistentemente a acordavam. Ele disse ter notado que os passos sempre quebravam o silêncio da madrugada, mas que seu sono era bem mais pesado e conseguia dormir em seguida aos barulhos. Quando estavam na portaria, Elias percebeu que havia esquecido a carteira e pediu que esperassem um minuto. Enquanto esperavam, uma outra moradora do prédio se apresentou. Uma senhora de uns sessenta anos, muito sorridente oferecendo ajuda para os novos moradores. Conversa vai, conversa vem e ela perguntou se estavam satisfeitos. Consuelo respondeu afirmativamente e disse que o único incômodo era o barulho dos sapatos da moça que morava em cima do seu apartamento. “Mas está vazio o apartamento!” – respondeu meio atordoada a senhora. Consuelo insistiu que a moça sempre está na janela durante as manhãs e que anda a noite quase toda, não sendo possível dormir. “ Você deve estar enganada!” Estranhou a senhora. _ “A moça que morava neste andar era uma jovem aeromoça que faleceu no ano passado. Morava sozinha e na noite do último Natal se jogou pela janela. Esta janela aqui, veja!” – apontando para a mesma janela em que Consuelo a vira todos os dias.

Elias chegou e percebeu que Consuelo estava transtornada. Consuelo não conseguia pensar, raciocinar , apenas repetia que . sempre a observava quando voltava da padaria e os barulhos eram todas as noites. Pensava que a simpática senhora poderia estar enganada e resolveu perguntar ao porteiro. Este confirmou e ainda acrescentou que após sua morte alguns estranhos acontecimentos andam assustando os condôminos. Elias perguntava sobre o que havia acontecido. Ela só disse que depois contaria, mas que não ficaria nem mais um dia naquele apartamento. Ele sem entender, pois não ouvira a conversa, pedia que ela se explicasse durante o passeio. Ela não deu a mínima importância para as palavras do marido e totalmente perturbada perguntou; “ Você disse um minuto e foi quase meia hora de espera! Elias, qual o motivo da demora?” Ele respondeu com a maior naturalidade: “ Quando já fechava a porta, a moça do andar de cima apareceu e deixou um par de sapatos para você. Disse que são quase novos e que não precisa mais deles. Virá esta noite em nosso apartamento para lhe conhecer melhor, pois só a vê da janela.” E a vida de Consuelo nunca mais foi a mesma...tormento e perseguição a acompanharam até o fim de seus dias.

Sandra Sampaio