Toc-toc

Elegera uma cabana de caça isolada nas montanhas, como o lugar onde terminaria de escrever seu livro sem as interrupções da vida moderna. Nem mesmo sinal de celular havia, e o laptop foi substituído pela velha máquina de escrever portátil. Com o início do inverno e as primeiras nevascas, provavelmente acabaria ficando isolado, mas não tinha a intenção de demorar-se tanto. A gradual piora do tempo, aliás, era vista por ele como um incentivo adicional para que trabalhasse depressa e sem distrações. Quanto antes concluísse o trabalho que viera fazer ali, mais rápido poderia voltar à civilização.

Certo entardecer, acabara de concluir um capítulo e descansava fumando um cigarro, quando ouviu nitidamente duas batidas na porta da cabana. Intrigado, pois não aguardava visitas naquele ermo, ergueu-se da cadeira e, apenas por precaução, pegou o rifle que mantinha num suporte acima da lareira. Só então, abriu a porta.

Não havia ninguém lá fora. Olhou ao redor, desconfiado, rifle nas mãos. Entre a cabana e a floresta, a distância era de cerca de 20 metros, e no solo, coberto de neve fresca, não se viam pegadas ou sinal de que algo caminhara por ali recentemente. Achando que talvez houvesse sido ludibriado pela solidão, deu uma última olhada para a penumbra que ia se formando entre as árvores próximas, e finalmente, fechou a porta.

* * *

Vinte e quatro horas se passaram. Após uma noite sem incidentes, ele tomava café olhando para a folha em branco inserida no rolo da máquina de escrever, quando, inequivocamente, ouviu duas batidas na porta da frente. Coração acelerado, ergueu-se de um pulo, pegou o rifle, que deixara de pé ao lado da mesa, e correu para abrir. Novamente, não havia ninguém lá fora. Mas desta vez, constatou com um arrepio que não era somente de frio, que o visitante deixara pegadas na neve. Pegadas fundas, aparentemente de botas, e, o que era mais inusitado, iam no sentido da floresta... como se quem as produzira estivesse andando de costas.

- Quem está aí? - Gritou ele para as árvores.

Não houve resposta.

Perguntou-se se deveria ir até a floresta, tentar descobrir alguma coisa, mas o crepúsculo já se anunciava e a ideia de procurar por alguém cujas intenções desconhecia, não era das mais perspicazes. Antes de fechar a porta, decidiu que no dia seguinte, logo cedo, daria uma volta pelas redondezas, ver se encontrava alguma pista sobre quem quer que fosse que estava lhe pregando peças.

* * *

Dormira sobressaltado, mas a noite transcorrera tão calma quanto as anteriores. Pela manhã, constatou que as pegadas do dia anterior haviam sido cobertas pela neve que caíra durante a madrugada. Armado com o rifle e uma faca de caça, saiu para dar um giro pelos arredores. Como seria de esperar, não encontrou nenhum indício de que houvesse alguém se escondendo no mato, e acabou voltando frustrado para a cabana. Foi então que resolveu fazer uma vigília no fim da tarde, sentado de frente para a porta principal, a qual manteria aberta, e com o rifle engatilhado. Não haveria como alguém se aproximar para bater sem que fosse visto. De uma vez por todas, o problema seria solucionado.

E assim procedeu. Ao cair a noite, lá estava ele sentado em frente a porta aberta, arma nas mãos, olhos fixos na floresta que se desenhava sombria à sua frente.

- Apareça! - Sussurrou entredentes.

E foi então que ouviu duas batidas às suas costas. O visitante agora resolvera bater na porta dos fundos!

- Maldição! - Resmungou, correndo para abrir a porta traseira.

Como já estava esperando, não havia ninguém à vista lá fora. E sequer uma pegada visível sobre a neve.

Um ruído ligeiro dentro da cabana fez com que se virasse.

A porta da frente, que deixara aberta, estava agora fechada.

- [12-12-2017]