O PORTAL

 
     O céu cinza esgueirava-se pelo horizonte, amontoando-se em fileiras de nuvens negras e clarões branco-azulado. O tempo fora incerto e ominoso, característica de uma tempestade, mas, não chegou a ocorrer. O medo cego pelo desconhecido e pelo sobrenatural envolvia as pessoas daquela cidade. As noites como aquela, pareciam durar um milhão de anos e até, tornavam-se eternas. Homens, mulher e crianças enlouqueciam temendo aquilo que não conseguiam nem de longe compreender. O escuro tomava cada vez mais dimensão sobre a cidade, as casas e ruas escureciam vagarosamente, como se toda luz do mundo sumisse naquele momento. As crianças correriam desajeitadas, como pequenas gazelas sem direção, fugindo do inesperado terror que se escondia nas sombras. Sons etéreos sibilavam, embora não fosse possível reparar de onde vinham, eles surgiam, guinchos de horror, como animais morrendo e pessoas gritando.

     Em certo momento, um Homem se aventurou na noite, espreitando por dentro da nevoa negra. A escuridão que se formara ao seu redor, expandia-se, comprimindo sua visão até não poder mais enxergar. Andava como um cego. Ouvia coisas horrendas vindas do desconhecido, coisas que nenhum ser humano jamais ouviu. Por um momento, ele pareceu andar em água, mas aquele liquido tornara-se gosmento e ácido, ele sentia suas botas fumegando como se pisasse em fogo, mas quando tocou-lhe o pé, a coisa que a princípio era quente, tinha um toque gélido e macio. O homem penetrou a escuridão com veemência, buscando algo que sequer sabia, talvez uma explicação. Já durara uma semana aquela noite, e nos poucos dias que se sucederam, a cidade não recebeu ajuda. E daí em diante, não viram, ou ouviram falar do homem que se aventurou além da noite.

     O homem indiscreto, de coragem reconhecível, encontrou na escuridão um caminho, feito de folhas e cristais luminosos que ascendiam uma trilha acidentada, mas uniforme. A lua havia se desprendido do céu, esmaecendo e desmanchando. Seu coração sentira sentimentos intrínsecos de medo e euforia. Perdido naquela aterradora trilha infernal. Sabia que nunca mais voltaria ao seu mundo, não aquele que conhecera, não ao mundo normal ao qual as pessoas se matavam por menos de 1 centavo. Aquela sensação de nostalgia lhe remetera surtos de pânico. Contudo, não durara muito tempo, após cerca de meia eternidade andando perdido dentro daquela nevoa, ele ouviu uma relutante canção, vinda de uma passagem à sua frente, seus olhos se iluminaram pela primeira vez em muito tempo, mas a luz que vira naquele momento era diferente de qualquer luz que havia visto, uma tonalidade assombrosamente clara, mas ao mesmo tempo num tom opaco escuro e esverdeado-claro, em tons purpura e branco-aquarelado.

     Deuses flutuavam, cantarolando abaixo de seus pés, num turbilhão de raios, seres com discrepantes facetas místicas. Alguns o observaram com olhares inconfundíveis de abstração, eles o enxergavam como um deus e para o homem, eles eram deuses. O homem flutuara por um trilha invisível, acima dos deuses e abaixo de um mar de seres horrendamente perversos, alguns com mil olhos, parecendo esponjas de carne, com sulcos de sangue amarelado, saindo de pequenas ventanas. Já havia enlouquecido, o homem já não era mais homem, ou humano, nem mesmo matéria, ou anti-matéria, era uma bolha de pensamentos, numa dimensão inconveniente, aonde olho nenhum poderia enxergar ou compreender.

     O homem, que já não era mais homem, mas sim uma bolha, flutuava, continuadamente, empurrado por uma força imersiva. Ele já nem se lembrara mais de seu mundo, somente das fantasias enaltecidas e sádicas daquela repulsiva realidade esmagadora. O caminho durou mais uma eternidade e quando acabou, chegou até um sol, gigantesco, algo impossível de mensurar, que poderia medir trilhões de vezes o seu tamanho. O sol brilhava, iluminando a bolha. As rajadas solares lhe confortavam e pela primeira vez parou de andar, ficou parado e o homem, que já não era mais homem, mas sim uma bolha, observou o sol por mais uma eternidade, sem se mover ou respirar, pois, não queria mover-se de lá. O tempo fluía sem dimensão, um dia era como um bilionésimo de um segundo e as vezes um bilionésimo de um segundo parecia desenrolar-se em um dia inteiro. Logo, a bolha acreditou que nunca mais poderia voltar a sua existência original, então, pela primeira vez, aceitou como era e no que havia se tornado e neste exato momento, o sol sumiu, seu corpo se desmanchou como em escamas e a bolha explodiu numa camada grossa de areia e água. O homem caiu no chão nu, voltara ao escuro, e quando a escuridão passou, seu olhos observaram um mundo aonde nunca poderia viver, um mundo insano, desordenado, cheio de dor e agressividade. E agora a bolha que não era mais bolha, mas sim um homem, não conseguiu nem ao menos imaginar onde estava, pois havia esquecido de onde viera.
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 14/12/2017
Reeditado em 15/12/2017
Código do texto: T6198734
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