LIVRAI-ME DO MAL - CLTS 3

Mônica não estava entendendo a agitação e constante choro de seu bebê. Nos últimos dias até parecia outra criança, antes era calmo e sorridente. E agora, quando chegava do trabalho era uma luta para colocá-lo para dormir. Pegava-o no colo, dava peito e mesmo sugando o leite continuava choramingando. Quando dormia, era um sono inquieto e, às vezes, ele acordava durante a noite e ela nem mais conseguia dormir tentando acalmá-lo.

Até que, numa quinta-feira à noite, chegou do trabalho e encontrou Juarez acabando de trocar o bebê, assim que ela entrou no quarto ele a surpreendeu dizendo:

- Que bom que chegou! Estava pegando o celular para te ligar, porque o Tiago está febril, o peguei assim na creche hoje.

- Sério? Quando você o trocou, não viu nenhum hematoma ou algo diferente?

- Não que eu percebesse. Mas, de qualquer forma é melhor você mesma olhar.

Preocupada com o ocorrido, resolveu dar ouvidos e examinar Tiago com cuidado. Tirou-lhe toda roupa, olhando todo corpinho, começando pelos braços, pernas, costas, pescoço, e não viu nada..

- Fico preocupada em deixá-lo na creche o dia todo. Bebê é tão indefeso. Este choro dele me angustia.

- Realmente ele está chorando mais do que de costume, pode ser mesmo que tenha acontecido algo.

- Olhe isso! Quando mexo com a perna esquerda dele. Ele chora forte!

Juarez suspendeu os ombros demonstrando dúvida e respondeu preocupado:

- Acho que devemos levá-lo no posto de saúde do bairro.

Seguiu preparando a bolsa com roupas e fraldas, uma mamadeira com leito.

- Vamos nos apressar, senão viraremos a noite por lá. - Disse ansiosa para resolverem logo a inquietação do filho.

Mônica pegou a manta e embrulhou o pequeno, colocou uma toca e luva de lã para que não sentisse frio à noite. Seguiram para o ponto de ônibus. No entanto, ficou pensativa, se deveria ou não ter a companhia de Juarez.

- Sabe qual o problema Juarez? Não confio nestes médicos de posto. Isto é, se tivermos sorte de encontrar um médico por lá neste horário.

- Estou tentando ajudar, você sabe que tenho este menino como meu sobrinho. Vocês dois são minha família agora...

- Sei disso Juarez. Mas, o problema é que não quero que falte seu trabalho por causa da gente. - Falou com a voz embargada querendo chorar. - Ele não para de chorar meu Deus! Acho que vou levá-lo para o Pronto Socorro. Não quero que venha, irá atrapalhar seu horário, precisa dormir cedo.

Juarez era padeiro, pegava serviço às quatro e meia da manhã, e não podia perder o único ônibus que saía às três horas. Ele tinha que assar a primeira fornada de pães antes de abrir a padaria. O fim do expediente era às quinze horas, quando seguia direto para a creche com o dever de buscar o afilhado às dezessete horas.

- Olhe! O ônibus já está vindo. Você não quer mesmo que eu vá?

- Será melhor você não ir. Não se preocupe. Qualquer coisa, eu te ligo. - Respondeu decidida e já sinalizando para o ônibus, que parou rapidamente. Embarcou, e se acomodou num assento, o balançar fez o bebê dormir.

A preocupação e ansiedade dela aumentaram consideravelmente à medida que o ônibus seguia viagem e as lembranças a levava de novo para aquele hospital. Mas estava decidida, pelo seu filho valia qualquer sacrifício.

No entanto, seu estômago começou a revirar e a cabeça doer ao pensar em voltar ao cenário onde passou tantos momentos angustiantes.

Entrou pela portaria do hospital preocupada com o bebê, mas, se sentiu abalada ao olhar uma ambulância estacionada ali na frente. A cena de Lucas agonizando veio forte em sua mente. Sangue escorrendo de sua cabeça, ouvido e nariz. Com metade do couro cabeludo esfolado, era de fato traumatizante. Neste estado perturbador Mônica fala ansiosa com a recepcionista:

- Moça, me ajude. Meu filho está com muita dor, acho que quebrou a perna.

- Sim, me passe o documento do bebê e o seu, e espere aqui, por ser urgente irei priorizar o seu atendimento.

Sentou-se no banco com dificuldade e muito tensa. Não sabia dizer, se o desconforto que sentia era maior por ver seu filho naquele estado ou por estar sentada em frente ao corredor que encontrou Lucas desacordado em uma maca. Involuntariamente rever a cena passar em sua cabeça - os médicos dando choque no peito dele e o coração não reagir. Lembrou-se da pior frase que já ouviu em sua vida:

- Lamentamos muito! Fizemos todo possível...

Às três horas da madrugada, Mônica chegou ao hospital e quando adentrou o corredor, deu de cara com a cena da morte de Lucas. Assim que o médico disse a frase fúnebre, ela desmaiou... Acordou muito tempo depois, estava na enfermaria, deitada numa cama e vestida com a camisola do hospital, com soro ligado em seu braço.

Na hora que retomou os sentidos não entendeu bem o que aconteceu, passado alguns instantes, a pior cena que tinha visto, veio como um relâmpago em sua mente. As lágrimas desceram quentes em seu rosto, e um forte aperto no peito à fez gemer de dor. Logo, a enfermeira entrou no quarto e notando que ela estava consciente, falou:

- Que bom que acordou! Como está se sentindo?

- Meu namorado, preciso saber dele...

- No momento que você chegou aqui, informamos que ele faleceu. Não se lembra?

- Não... Não! Lucas meu amor, como viverei sem você? - Não estava querendo acreditar que ele tinha morrido. E o pânico e desespero tomou conta dela.

- Procure não se exaltar, sua pressão e glicose estão altas.

- Eu não podia ter ficado aqui, não entendi o que aconteceu, vim ver o Lucas e fiquei aqui internada?

- Você desmaiou e não retomou a consciência, tivemos que medicá-la, passou a madrugada no oxigênio e colhemos seu sangue para alguns exames.

- Preciso providenciar o enterro de Lucas, ele não possui familiares aqui na cidade, não tinha irmãos e era órfão de pai e mãe.

- Não se preocupe com isso, seu amigo Juarez pediu para te dizer que ele resolverá tudo e assim que terminar virá aqui te visitar. Tenho que ver outro paciente agora. Logo irão trazer seu almoço, procure descansar e alimentar-se.

- Pensou em Juarez, o faria de sua vida se não o tivesse. Resolveu ligar para ele, olhou para o lado e viu em cima da mesinha o celular, porém, estava descarregado. Naquele instante lembrou-se da última conversa telefônica com Juarez.

- Alô, Mônica...

- Oi, quem está falando?

- É o Juarez... Aconteceu um acidente com a gente, estamos na ambulância indo para o hospital João XXIII, o Lucas está inconsciente, é melhor você vir pra cá...

- Nossa! Meu Deus o que eu faço agora? - Com a voz chorosa e já com desespero Mônica não sabia o que fazer. - Estou sozinha com uma senhora de idade, irei ligar para filha dela, e assim que ela chegar, eu chamarei um táxi e vou para ai...

****

Após o acidente, tudo fez uma reviravolta em sua vida, no mesmo dia que soube da morte de seu amado, descobriu outra notícia que veio como uma bomba.

- Mônica, aqui está o resultado de seus exames. - Falou o médico que chegou para as visitas diárias.

- Que bom que ficaram prontos. Me diga como estou, espero estar bem, porque preciso ser liberada com urgência.

- Seu estado é delicado, mas basicamente está bem. Seu exame deu positivo para gravidez. Mas, como a pressão está alta, será preciso fazer um acompanhamento pré-natal, tem risco de pré-eclâmpsia.

- Não pode ser... Minhas regras estão regulares, menstruei semana passada.

- É absolutamente normal isso, nos dois primeiros meses pode ocorrer sangramentos como menstrual, mas não descarta a gravidez. E com o exame de sangue, não tem engano.

***

No enterro de Lucas, no momento que o caixão desceu ao túmulo, novamente suas vistas escureceram e desmaiou. Acordou com a voz de Juarez bem distante a chamando:

- Mônica... Mônica, acorde!... Oi... Sou eu, Juarez! - Aos poucos ela foi abrindo os olhos e vendo tudo nebuloso e disforme em sua frente. Sentia-se fraca e o estômago enjoado. Novamente a dor forte de cabeça e a sensação de estar flutuando. Falou com uma voz de choro, quase sussurrando:

- Não pode ser verdade isso tudo, fale pra mim que é um sonho, por favor...

- Não é um sonho. Estou aqui com você. O que o médico disse que você tem?

- Eu estou grávida, Juarez! O Lucas iria ser pai! - Não conseguiu falar mais nada, as lágrimas desciam compulsivamente. O amigo somente a abraçou. Palavras não teriam sentido naquele momento para ambos.

***

Agora ela teria um bebê, sem trabalho - a patroa não aceitava mulher grávida - nem mais teria onde morar, porque morava no trabalho, o que faria? Novamente Juarez foi um anjo na sua vida, não a deixou sozinha no final da gravidez. Disse sem pestanejar:

- Mônica, a casa era minha e do Lucas, não pense duas vezes em se mudar e morar comigo, eu irei cuidar de vocês.

Aceitou a oferta, não conhecia muita gente na cidade e confiava no amigo. Não tinha muita coisa para levar, afinal, fazia um ano que chegara do interior para trabalhar na casa desta família que a abrigou. Segurando suas duas malas, entrou pela porta da casa que iria morar com seu filho.

Ficou surpresa quando viu o quarto do bebê, estava pintado de azul e cortinas estampadas de arco-íris, com uma cama para ela e um berço branco ao lado, cômoda branca e tapete de estampa de trenzinho colorido. A emoção tomou conta dela e os olhos ficaram rasos de lágrimas. Juarez falou:

- Eu sei que, se Lucas estive aqui faria um quarto melhor que este para o filho de vocês, mas eu preparei de muito bom coração, tenho este menino como meu sobrinho.

- Nem sei como te agradecer, está tudo tão lindo! - Falando assim abraçou calorosamente a Juarez, a emoção foi maior que tudo naquele instante.

- Não se preocupe com nada, tudo vai ficar bem...

(***)

- Tiago da Silva Moura. - Chamou a médica pediatra da porta do consultório.

- Boa noite, doutora. - Falou Mônica entrando aflita com o filho nos braços que resmungava choroso a cada minuto.

- O que aconteceu com o bebê?

- Ele fica na creche durante o dia e quando cheguei à noite, na hora da troca de fralda ele chorou muito quando mexi com a perninha dele.

- Deite ele aqui e tire a roupa, vou examiná-lo - disse a médica apontando para o colchonete da mesa de exames. E observou que a cada peça que a mãe tirava a criança aumentava o choro. Mediu a pressão, conferiu os batimentos cardíacos com o estetoscópio e franziu as sobrancelhas. - O coração dele está bem acelerado demonstrando agitação. Qual idade dele? Ele teve febre?

- Ele tem seis meses. Sim, hoje me ligaram da creche dizendo que ele estava com 38º graus de febre.

A médica continuou o examiná-lo, colocou o termômetro e conferiu à temperatura que estava do mesmo jeito - febril, mexeu na perna esquerda da criança, isso a fez chorar forte.

- Iremos pedir um raio x e verificar se tem alguma fratura. Estou fazendo o pedido de urgência. Você vai até a sala de raio x e entregue este papel que eles irão priorizar o atendimento.

O raio x foi tirado rapidamente por um técnico experiente e atencioso, teve muita paciência com ela e com o bebê. Ao terminar, falou:

- Estou levando o resultado para médica. Pode esperar em frente ao consultório dela que logo ela irá te chamar.

O bebê estava inquieto em seus braços, resolveu dar de mama para o filho e ficou aguardando. Não entendeu o que ocorreu, quando viu a médica sair da sala com o semblante fechado, olhou para ela e disse:

- Irei ver um detalhe do exame com outro médico e já volto, pode me aguardar aqui.

Uma aflição tomou-a naquele momento, um vento suave passou pelo seu rosto, olhou para o filho em seu colo e para a cadeira vazia ao seu lado. Num piscar de olhos a cadeira não estava mais vazia. Lucas estava lá, sentado ao seu lado, sorrindo e olhando para seu filho. Desde sua morte, nem em sonhos ele tinha aparecido para ela. Sentiu que era um aviso. Olhou para seu filho e entendeu que o pai estava ali para protegê-lo.

Minutos depois a médica volta e desta vez acompanhada com uma senhora, entra no consultório e a chamou para segui-la. Sua intuição lhe dizia que algo muito ruim estava prestes a acontecer. Seu coração disparou e suas mãos suaram de ansiedade. O mais estranho que ao levantar-se, viu Lucas entrando com ela no consultório. Ela sabia que não ele não estava vivo, mas a presença dele para ela era real, isso a deixou muito mais confiante, imaginar que “ele” estava ali para cuidar do filho deles.

- Mônica, examinamos o raio x do bebê. E fomos surpreendidos pelo o que encontramos. Na verdade precisaremos de sua ajuda para entender o que está acontecendo. Esta é Marta, ela é assistente social e irá nos acompanhar no caso de seu bebê enquanto estiver aqui no hospital.

Na parede tinha uma placa luminosa onde a médica colocou a chapa do raio x. E ali todos puderam ver nitidamente a imagem da perna do bebê - tinha várias agulhas enfiadas na perna por baixo da pele, virilha e parte do abdômen do bebê. Todos ficaram enternecidos com o que viram.

- Mônica, você tem ideia do que possa ser isso? - Perguntou a assistente social.

- Nem posso imaginar... Nunca vi coisa parecida. Meu Deus! Como isso pôde acontecer!?

- A dor que o bebê está sentindo na perna esquerda, é devida essas agulhas infiltradas na virilha dele estarem entre o músculo e fêmur causando inflamação. Iremos tirar raio x de todo o corpo para avaliarmos o caso, e marcar uma cirurgia com urgência para retirada destas agulhas. No entanto, pela situação que estamos apresentando, o bebê ficará a partir de agora sobre a guarda do Estado. A assistente social que será a responsável por ele, até que cheguem os policiais para realizarem uma investigação do caso.

- Como assim? Você está dizendo que não poderei ficar com meu filho?

- Na verdade no período que o bebê estiver no hospital você poderá ficar como acompanhante, por estar amamentando. Contudo, a situação exige uma medida extrema, isso que ocorreu com seu filho caracteriza maus tratos, desta forma, não poderá ficar com a guarda da criança até ser esclarecido o fato.

As lágrimas brotaram dos olhos de Mônica, não sabia nem o que dizer ou fazer, olhou para o canto, onde devia estar Lucas, mas desta vez ele não estava mais lá. Estava só, totalmente sem rumo e indefesa, eram muitas coisas que estava enfrentando em tão pouco tempo. O pesar e a dor eram constantes em seus dias.

- Nem sei o que dizer... Mas, eu nunca faria isso com meu filho, o amo mais que tudo neste mundo. O pai dele morreu num acidente tem pouco tempo. Trabalho para garantir nossa sobrevivência, durante o dia ele fica na creche e a noite comigo e meu amigo.

- Então, durante o dia e noite outras pessoas tomam conta dele?

- Sim. Moro junto com o padrinho dele, era como irmão do pai da criança, ele me ajuda cuidar do bebê, o busca na creche para mim e fica com ele até eu chegar do trabalho.

- Neste caso, daqui a pouco a polícia militar irá chegar para fazer o boletim de ocorrência e aí você deverá contar toda a rotina do bebê, passar o endereço de sua casa e da creche, os nomes dos responsáveis que ficavam com a criança na sua ausência. Assim iremos apurar rapidamente o caso. - Falou a assistente social.

- Mas, por enquanto não se preocupe com isso, fique tranquila para cuidar de seu filho. Irei providenciar a internação e a senhora poderá ficar ao lado dele. - A médica a tranquilizou, estava de fato preocupada com o bem estar da criança.

(***)

Sentiu o vento frio batendo em seu rosto, os braços abertos a planar e o balançar de seus cabelos dava a sensação que teria o poder de voar, a visão dali de cima era grandiosa. O dia mal tinha começado a clarear, as nuvens estavam mescladas de cinza e azul. Era madrugada e certamente ninguém iria vê-lo da janela do vigésimo andar do edifício que trabalhava. Abriria a padaria às quatro e meia da manhã. Mas já eram cinco horas, e relutava a se decidir se descia pelas escadas para abrir as portas do estabelecimento no térreo ou pegaria um atalho pelas alturas, seria um voo vertical. Disse: “Não seja covarde, pule... Vai ser rápido... Nem dará tempo de sentir dor”...

Mônica não chegava, já era duas da manhã e nem uma ligação, tentou ligar várias vezes, hora a ligação não completava, hora caia na caixa postal. Ficou tão confuso, triste e angustiado, perdeu tudo que conquistou com tanto querer, um amor, uma família. Estava dando tão certo, agora num piscar de olhos tudo escapando de suas mãos.

Desistiu de tentar ligar para ela, de qualquer forma seria difícil falar, isso parecia um sinal de que não deveria mesmo falar, ou o telefone dela poderia estar descarregado... Resolveu pegar um papel e caneta. Então, decidiu abrir seu coração para Mônica através de palavras escritas.

***

Já eram oito horas da manhã, horário da cirurgia do bebê e Mônica sabia que não podia entrar no bloco cirúrgico, decidiu neste tempo ir à sua casa para buscar mais fraldas e roupas, o carregador de celular e também contar tudo para Juarez, ele devia estar aflito sem notícias.

Entrou na casa aflita. Foi até o quarto, pensou: “tenho de ser rápida, logo a cirurgia irá acabar, preciso voltar”. Acabou de aprontar as bolsas, resolveu ir à cozinha para beber água e ao abrir a porta da geladeira se deparou com o papel de caderno preso com um imã, viu seu nome: “Para Mônica”, reconheceu a letra de Juarez, decidiu guardar a carta na bolsa e ler somente dentro do ônibus, afinal, tinha pressa de retornar ao hospital, não podia perder tempo.

O ônibus estava vazio, sentou-se num canto perto da janela, se acomodou e abriu a carta de Juarez que dizia:

Querida Mônica!

Queria ter conversado com você, mas é muito difícil dizer às coisas que revelarei, por isso, resolvi te escrever. Queria que soubesse que, este tempo que viveu ao meu lado como amiga, foi mais que especial pra mim. Fui seu amigo e você foi meu amor.

Desculpe dizer assim. Mas é a pura verdade. Tudo começou quando Lucas me contou que estava apaixonado por você. Falava de como você era linda, alegre, inteligente. Ele me contou em detalhes da primeira vez que pegou sua mão, do primeiro beijo e da primeira noite de amor. A princípio, até gostava de ouvir, e percebi que fiquei curioso para conhecê-la e saber se era tudo aquilo que ele falava.

Então, numa tarde de domingo, pude ver vocês juntos pela primeira vez. Foi quando cheguei em casa, destranquei a porta e entrei como de costume, não sabia que vocês estavam lá. Deparei com aquela cena que até hoje não sai da minha cabeça. Você e Lucas estavam deitados no tapete da sala completamente nus, Lucas segurava uma garrafa vazia de vinho e vocês dormiam um sono pesado. Então, criei coragem e me aproximei. Olhei pela primeira vez para seu rosto iluminado, lábios rosados, seu cabelo comprido desalinhado e sua pele alva e viva, eu não pude deixar de viajar nas suas curvas e te desejei.

Desejei você mais que tudo neste mundo. Me senti podre naquela hora. Minha alma se perdeu naquele momento. Porque você não me pertencia, e sim pertencia a meu melhor amigo. Me odiei por isso. Neste dia fugi perturbado e fui para o bar, não voltei para casa naquela noite.

Na semana seguinte, no domingo à tarde, você estava lá de novo com Lucas, desta vez foi pior, quando você me cumprimentou. Senti meu coração quase sair pela boca e percebi que estava de fato apaixonado por você. Tentei arrumar uma namorada para esquecê-la, mas cada mulher que eu beijava, via você. Sonhava com uma chance de tê-la só pra mim.

Quando Lucas me chamou para ir para o show com ele, a princípio achei que você iria também e estava decidido a me declarar para você naquela noite, não sabia como iria fazer, mas estava decidido. E aí, você não foi, fiquei com muita raiva. O Lucas resolveu encher a cara e bebeu muito, eu não quis beber. Tinha outros planos para o fim daquela noite.

Às duas horas da manhã quando fomos embora. Lucas não estava conseguindo andar sozinho, passei o braço dele sobre meu ombro e o conduzi, saímos cantando e andando pelo passeio rumo ao ponto de ônibus. Fomos atravessar a rua, percebi que vinha um carro correndo muito, no meio da rua larguei o Lucas sozinho, ele não conseguiu atravessar e foi atropelado, sei que tudo aconteceu por minha culpa.

Eu me senti muito triste com a morte dele, ao mesmo tempo feliz porque, enfim, iria ter você para mim. Até descobrir que você estava grávida. Nossa! Fiquei em choque, mas achei que conseguiria amar o menino como meu. Só que não.

Quando Tiago nasceu, vi que o moleque era a cara de Lucas, tudo então foi por água abaixo, não consegui amá-lo, e sim odiá-lo. Porque, novamente ele iria tirar você de mim e isso eu não poderia suportar. Busquei ajuda na magia, fiz um encantamento para prendê-la no meu amor.

Para que isso acontecesse me disseram que devia alfinetar e deixar agulhas no seu filho por sete dias, assim, ele partiria e eu ficaria com você para sempre. Me explicaram que ele morreria sem sentir dor e por causa das agulhas serem pequenas, ninguém descobriria, seria como uma morte súbita que acontece com muitos bebês.

Mas, você decidiu levar o bebê no Pronto Socorro hoje, e percebi que meu plano tinha fracassado, além de perder você e iria para cadeia. E isso eu não suportaria jamais! Então, pensei em uma solução para você e para mim. Saiba que tudo que fiz foi por amor e te amarei eternamente. Sei que, talvez não seja capaz de me perdoar. E também sei que pagarei por meus pecados. Aliás, já estou pagando, pois, viver neste mundo sem você é o mesmo que viver num purgatório. Então, não quero viver assim.

Quando você ler estas linhas eu já terei partido. Talvez não me entenda, não te culpo, porque nem eu mesmo me entendo... Mas, deixo meu pedido de perdão. Perdão por amá-la tanto, com este amor tão absurdo que me fez praticar loucuras. E por saber que tenho sido o mal pra você. Quero te dar esta última prova de amor. Sua liberdade. Te livrarei deste mal - que sou eu - e devolverei sua paz. Adeus!

Obs: Hoje às cinco horas da manhã estou dando fim a minha vida, pularei do vigésimo andar do prédio de onde trabalho.

***

Ao término da leitura Mônica ficou em estado de choque: suas pernas bambearam, suas mãos tremeram. Aquela carta revelava que toda desgraça de sua vida tinha sido provocada por aquele que ela chamava de amigo. Uma forte dor comprimiu seu peito e lhe faltou o ar. Contudo, no minuto seguinte se acalmou - teve uma visão - Lucas na sua frente sorrindo e apontando para a carta. Entendeu que essa trágica atitude de Juarez lhe trouxe uma solução. Aquela “carta”, era a prova que precisava para ter seu filho de volta e enterrar todo seu sofrido passado.

Tema: Hospital