O TENEBROSO RELATO DO DR. WALTON

Meu nome é A. E. Walton. Atualmente encontro-me repousando em um hospital psiquiátrico. Hoje é o sexto dia do mês de setembro do ano de 2001, se eu não estou errado. Segundo os médicos e enfermeiros, fui encontrado no interior da catedral desta cidade. Estava surtando, delirando e gritando histericamente. Já se passaram pouco mais de 2 meses desse ocorrido. Estou recobrando os sentidos. As memórias desse relato só vieram à tona há alguns dias atrás. Ao que parece permaneci inconsciente por cerca de 2 meses e, neste período fui acometido de altíssima febre, alucinações e surtos psicóticos. Fiquei entre a vida e a morte.

Confesso estar em pânico neste exato momento em que escrevo este relato. Estremeço e fico tomado por um temor mórbido só de começar a pensar no que ocorreu. Está sendo difícil escrever, mas sinto que tenho o dever de fazê-lo, pois tenho medo que amanhã possa ser tarde demais. Não sei se o horror pelo qual passei é real ou se é somente o delírio de um homem insano. Para falar a verdade, não sei nem ao menos dizer se o mundo pelo qual convencionamos chamar de real é verdadeiramente real. Até que ponto? Seriam os chamados loucos apenas loucos, ou seriam pessoas que enxergam e percebem as coisas ocultas? Tantas perguntas, tão poucas respostas.

Em 04 de julho de 2001, acordei pontualmente às 7:00h, de sobressalto. Horripilantes sonhos sobre monstros e formas inomináveis atormentaram-me a noite toda, de modo que não consegui dormir direito. Tais sonhos repetiam-se e eram frequentes nos últimos meses. Arrumei-me apressadamente, como sempre faço. Às 7:30, já estava dirigindo meu carro com destino ao meu consultório psiquiátrico, que fica centro da cidade. Estava frio, escuro, nublado e chuvoso, até mais do que o trivial para a nossa pacata cidade àquela época do ano, eu diria. Passando em frente à Catedral de São Bento, como rotineiramente passava ali todos os dias, retomaram à minha mente terríveis pesadelos sobre os medonhos monstros que eu vinha tendo nos últimos meses.

Parei em frente à igreja e pus-me a observá-la. Percebi algo sutilmente diferente na mesma. Algo na aparência e na cor da imponente construção havia mudado. Emanava da mesma uma energia diferente, porém pesada, que só os mais sensitivos poderiam perceber. Senti essa energia como um imã. Afora esse fato, também avistei próximo ao local dois transeuntes visivelmente perturbados. Um homem atarracado, de aparência obtusa, passou em frente à Igreja soltando gritos e gargalhadas. Outra mulher ali perto, parecia igualmente delirar. Tudo isso de forma somada, me prendeu a atenção de certa forma.

A Catedral de São Bento, é, talvez, o maior ponto turístico de nossa pequena e decadente cidade. Suntuosamente construída no Século XVIII, insurge imponente e possui o posto de construção mais alta de nosso município, sinal dos tempos prósperos de outrora, que fazem parte de um passado remoto. Externamente, a catedral é inteiramente construída com blocos de pedra maciça, da fundação ao topo do campanário. Não passam desapercebidas às horrendas e incrustadas gárgulas, uniformemente distribuídas sob a torre. Internamente, a catedral é dotada de imensa beleza em suas formas, pinturas e vitrôs. Todo o teto e paredes foram cuidadosamente pintados por artistas, com relevantes passagens bíblicas. Os pilares, gigantes e eretos, são dotados de complexos detalhes de ouro em suas bases. Os vitrôs, imensos e coloridos, possuem agradáveis gravuras de acontecimentos bíblicos. Uma miríade de lembranças tomou conta de mim naquele instante, pois participei de muitas missas junto àquela igreja.

Em virtude da beleza e singularidade da Catedral, é normal que sempre hajam turistas e visitantes por ali. Entretanto, naquele dia, a julgar pelo mau tempo e também pelo horário, pois ainda estava muito cedo, só estavam ali os já retratados dois loucos e eu, ainda dentro do carro. Fiz o sinal da cruz de forma automática. Já estava me preparando para partir rumo ao meu consultório, quando imediatamente após eu escuto um tímido sussurro vindo de dentro da catedral. Seria um som oriundo da minha imaginação? A inquietação não me deixou partir. Saí do carro. Um vento cortante ressecava-me os olhos e lábios, ao passo que a fina e fria garoa que caia sem parar gelava-me até os ossos. Dirigi-me à entrada da catedral, com o intuito de revisitá-la, mas também para ver se não havia nada de errado. Percebi a porta entreaberta. Entrando na igreja, havia uma sensação de desolação. Haviam inúmeras velas espalhadas de forma aleatória pelo chão. As velas pareciam tomar uma forma a qual não reconheci de prontidão. A bem da verdade, já naquele instante, sentia que algo me sufocava de forma que quase não conseguia mais respirar. Dirigi-me próximo ao altar. De perto, pude perceber que um pano negro o cobria. Analisei a situação atentamente e logo pensei tratar-se de algum tipo de trote ou vandalismo, ou da obra de algum desses crentes em magia negra, assunto do qual, à época, considerava completamente ridículo e infundado. Tratei então de procurar alguém, talvez chamar o Padre ou o zelador da igreja, para limpar àquela tosca bagunça.

Já estava na calçada em frente à Catedral, quando escutei novamente os mesmos sussurros, dessa vez vindo diretamente do campanário. Tive de voltar. Fiquei de pé no início da escada, tentando ouvir atentamente e entender o que tal criatura estava dizendo ou tentando dizer. A voz em si era grosseira, odiosa e gutural. Parecia não ser emitida por um aparelho vocal humano. Por outro lado, não compreendia nada do que era dito. Parecia se tratar de outro idioma, o qual não reconheci. Já não havia dúvidas de que alguém estava lá em cima. Estremeci. Senti arrepiar-me a espinha. Silenciosamente e de forma vacilante, subi às escadas rumo ao campanário. Como disse anteriormente, sou e sempre fui o que chamam de sensitivo e, ali, no meio das escadas, já sentia extrema tensão no ar. Também emanava do topo do campanário um odor nauseabundo. Eu estava tremendo e suando frio. Aproximando-me do topo, vi sombras, às quais não identifiquei à forma de imediato. Haviam mais vozes. Ouvi o que certamente tratava-se de outra língua, a qual eu pelo menos nunca ouvi nesse mundo. Talvez seja impossível colocar o que era dito em um papel, era algo como ISHUGFKLA IYGIHE WYHUAMSOP. Isso se repetia de tempos em tempos, sendo que outras coisas também eram ditas, por mais de um ser. Finalmente cheguei ao topo. Imediatamente fui tomado de súbito e EXTREMO PAVOR! Quando cheguei, vi primeiramente à direita uma bizarra forma coberta por uma capa negra. Tal criatura portava um livro denso e pesado, através do qual possivelmente estava recitando o que parecia ser um ritual. Nessa altura, eu já estava a ponto de desmaiar. Faltou-me completamente o ar. Ainda tive forças para olhar para a parede à esquerda. Estavam ali escancaradas três blasfemas e grotescas criaturas verdes, de braços e pernas disformes, cabeça desproporcional e olhos vermelhos e penetrantes. Fui tomado por um HORROR INDESCRITÍVEL. Emiti ferozes e assombrosos gritos e urros, até perder completamente a consciência. Após isso, não me recordo de mais nada.

Ontem, indaguei despretensiosamente amigos e parentes que vieram com tanta benevolência visitarem-me neste hospital, se caso alguém tinha encontrado algo de estranho ou diferente no interior daquela igreja. Como eu já esperava, disseram-me que nada foi encontrado, de modo que não há nenhuma prova concreta.

Penso que tais desprezíveis criaturas ainda estão à solta. Nossas vidas correm um risco assombroso.

Por enquanto, preciso guardar este relato a sete chaves. Não posso, sobretudo, mostrá-lo aos médicos e enfermeiros deste hospital psiquiátrico, sob pena de ficar internado aqui eternamente. Talvez nada disso tenha ocorrido. Talvez seja a loucura manifesta em sua forma mais primitiva. Dizem que todo o louco acredita piamente em sua loucura. Eu acredito que essas lembranças são reais.