A campainha suspeita

Eu alguns dias atrás resolvi aceitar a proposta da minha amiga Cíntia, mãe de um adorável garoto de 11 anos chamado Daniel, que me havia pedido para cuidar dele de noite enquanto ele ficaria sozinho em casa, pois ela precisaria se ausentar devido ao trabalho, assim como o seu marido. Estava com tempo livre esse horário, e precisando juntar dinheiro, resolvi aceitar a proposta, já que ele não era tão pequeno assim e provavelmente não daria muito trabalho.

Toda sua família acabara de se mudar para uma casa peculiar, que ficava meio próxima do mato e meio isolada das outras casas. Não era grande e nem luxuosa, mas a beleza da natureza destacava aquele lugar. Achei estranho, tudo bem que muitas pessoas estão apreciando cada vez mais morar em um lugar tranquilo, distante da cidade, mas na minha opinião seria um tanto arriscado morar no meio do nada. Não havia muito tempo que foi construída e certamente foi comprada por um preço bem inferior. Como o marido de Cíntia é biólogo, era um plus para realizar estudos de diferentes plantas e espécies de seres vivos que estariam por ali, além de ser oportunidade de viver uma vida tranquila, com suas próprias plantações e alimentos. Era um paraíso de quem estava vivendo uma vida agitada no meio de uma cidade grande.

Resolvi chegar lá mais cedo no dia seguinte, para conhecer o ambiente e conversar um pouco. Daniel, pelo pouco que conheço, parecia ser quieto e não dar muito trabalho, porém, tinha muito medo de ficar sozinho naquela casa, pois sentia muito medo do ambiente estranho que aquela casa te proporcionava, entendo-o completamente, afinal é uma nova casa para ele, em um lugar diferente do que estava habituado. A madeira escura do piso dava um certo toque sombrio, já que também não possuía enfeites coloridos pela casa. Na verdade, a única decoração presente estava na sala: uma estátua de mármore média e algumas flores em um vaso logo na janela. Cíntia falou que ele tinha a sensação de estar sempre sendo vigiado, além de já ter passado por uma estranha experiência de tocarem a campainha da casa e ver alguém escondido com uma máscara atípica de terror observando a casa, porém era numa época de Halloween e acreditou que só estavam pertubando, então, ninguém levou a sério. Passou uma hora, e fiquei só com Daniel, que foi pro quarto ver um filme, não o perguntei qual, mas apenas torcia que não fosse de terror, pois parecia ser uma criança muito medrosa. Logo, ele gritou de cima:

-Se tocarem a campainha, melhor não atender, eu tenho muito medo.

-Porquê? Te incomodam muito tocando a campainha?

-Sim, parece que querem alguma coisa e já vi alguém vigiando a casa escondido com um rosto diferente.

Minha primeira impressão era que ele deveria ser alguém que assistia muito filme de terror, ou vídeos macabros no youtube, para ficar com isso em mente. Enquanto isso, preparava algo para comer e de repente, alguém tocou a campainha. Parecia cena de filme devido a coincidência. Fui atender, mas não tinha ninguém. Achei estranho e realmente comecei a ficar com medo. Me lembrei do que Daniel havia contado sobre o episódio da campainha. Se houvessem outras casas alí, poderia ter em mente que era brincadeira de algum vizinho, mas como pensar assim se ninguém mora por ali? Dez minutos depois tocaram novamente a campainha e era uma mulher meio loira, com um casaco escuro:

-Olá, aqui é a casa da Valéria?

-Não, não tem nenhuma Valéria aqui. – Em seguida, fechei a porta. Achei estranho, no mesmo instante fiquei com ainda mais medo. Será que procuravam alguém que já viveu ali? Resolvi subir em direção ao quarto do Daniel e ele não estava mais lá. Eu comecei a gritar por todo o andar, andando e procurando ele em todos os detalhes, com sensação de pavor e preocupação. Gelei. Até que notei uma carta bem em junto da televisão:

‘’Patrícia, existe alguém que costuma ficar tocando a campainha, mas eu nunca atendi por medo e falavam para eu não abrir a porta para estranhos. Às vezes fico espiando a janela e vejo uma pessoa de preto em frente à casa, fico só observando e isso já faz dois dias. Com isso, meus pais não viram nada demais, pois quando eles estão presentes, isso nunca aconteceu e decidiram que eu não ficasse sozinho em casa. Melhor tomar cuidado, eles devem estar planejando alguma coisa.’’

Eu tremi e veio uma onda de ansiedade, chamava por Daniel e ele não respondia, até ouvir de novo alguém tocando a campainha. Me sentia em um filme de terror. Não sei se era invenção da cabeça de Daniel que pode ser uma ameaça, ou pode ser que não seja nada demais, talvez seja mesmo uma antiga pessoa que estava aqui e se mudou, e ainda continuam procurando essa pessoa. O fato de o menino sumir de repente já é estranho, e considero que resolveu se esconder por medo. Preciso falar com Cíntia, é muito estranho. Resolvi espiar pelo olho mágico da porta e não atender. Fiquei uns 5 minutos espiando disfarçadamente a janela e vi aquela mesma garota. Até que vi também um homem vestido de preto ao fundo e isso me assustou ainda mais. Saí da janela e fui procurar mais uma vez o menino escondido. Ao mesmo tempo achava estranho ali não pegar sinal no celular, sequer haviam instalado internet para colocar WIFI, então não havia possibilidade de contactar ninguém. Entrei no quarto dele novamente e não o vi, até que ouvi uma voz de lá de cima, no sótão, chamando meu nome bem baixinho:

-Patrícia, se esconda rápido. Vem aqui para cima logo ou não fale pra ninguém que estou aqui! – De repende Daniel abre um quadrado do teto, que parecia ser um lugar escondido da casa. Subi na cama e pulei até ali em cima ainda sem entender. Rapidamente, ele fechou a entrada. Eu ainda não estava acreditando pelo que eu estava passando. Ainda não sabia se era tudo coisa da cabeça dele, ou de fato, era algum perigo. Estava pensando seriamente em chamar a polícia, caso realmente fosse o último caso. Estava com tanto medo, assim como ele aparentava, mas tentava disfarçar ao máximo por não ter certeza pelo que realmente estava acontecendo.

-Olhe aqui, está vendo aquele homem de preto? Parece que tem uma foice. Eles querem algo daqui e meus pais não acreditaram quando contei, acham que é dos vídeos de terror que eu ficava assistindo no youtube. Acham que são só jovens desocupados tocando a campainha, mas aposto que querem algo. Em seguida, comecei a ouvir umas batidas estranhas, como se alguém estivesse arrombando a porta. Gelei e tentei disfarçar, peguei o celular e disquei o número da polícia.

-Vamos ficar aqui quietos e qualquer coisa, abrimos essa janela e pulamos pra floresta. – falou Daniel assustado. Mais um barulho forte surgia de lá de baixo. Pedi para ele se acalmar, pois estávamos bem escondidos e já estava discando para a polícia. Me atenderam e relatei que a casa parecia estar sendo invadida por criminosos, a sorte é que ainda estava com o endereço no histórico do whatsapp que minha amiga havia me enviado. Tentava falar as informações tremendo e num tom mais baixo possível. Disseram que estariam a caminho, mas que iriam demorar, no mínimo, meia hora, devido a distância da cidade.

Tudo aquilo era muito estranho e estava com muito medo. Cíntia mal havia chegado naquela casa não fazia nem uma semana, e ela não tinha comentado que havia algo estranho. Apenas relatou que parecia ser uma casa pacata e bonita no campo. Em relação a Daniel, pelo que ela me contava, era que ele costumava assistir muito filme de terror, em boa parte inadequados para sua idade. Como ele tem acesso a internet e aplicativos, sentia dificuldades em proibí-lo de acessar tal conteúdo, acabou não indo muito adiante justamente só por serem filmes de terror.

Enquanto isso, ouvia pessoas andando pela casa e estava apavorada. Vi o carro da minha amiga se aproximando e sua cara de estranhamento ao longe ao entrar depressa em casa. Em seguida, ouvi gritos e uns barulhos estranhos. De repente, comecei a escutar uma vozes distantes lá embaixo:

- Você tem certeza de que tem mais alguém aqui dentro? Precisamos achar logo para não sermos pegos. - disse uma voz masculina

-Acho que sim. Aquela mulher chegou agora em casa. Tocaram a campainha e alguém atendeu. Deve ter mais alguém.

Eu e Daniel estávamos naquele sótão pequeno sem fazer nenhum ruído, morrendo de medo e com a certeza de que alguma coisa estava acontecendo e não era nada boa.

-Procurem por aqui! – falou um homem.

-Eles devem estar procurando alguma coisa. – sussurrou Daniel. Ontem eu vi um homem de preto no fundo com uma máscara daquelas de personagem de filme de terror olhando para a casa, minha mãe não me levou a sério, pois às vezes vejo espíritos e achava que era só alguém brincando. Em seguida aparece um carro que deveria ser do marido de Cíntia. Ainda não fazia idéia do que estava acontecendo, eu vi Cíntia chegando e não sei o que aconteceu, pois ela entrou na casa e mal ouvi sua voz.

-Que diabos está acontecendo aqui? –falou o pai de Daniel que parecia estar com uma arma e soltou um tiro, gritando logo em seguida.

-Se atirar em mais um de nós vamos matar ela e você! – Gritou um homem.

-Devem ser ladrões! Meu Deus... – falei pra mim mesma. Tentava mandar mensagem para vários conhecidos falando da situação e pra que fossem ali com a polícia. Estava morrendo de medo. Mas o sinal ruim da internet não estava contribuindo para isso.

-Acho que tem alguém aqui! – gritou uma menina. Nesse momento ficamos desesperados, eu tentava abrir aos poucos a pequena janela que estava ali. Abrí e ao mesmo tempo, vi a polícia chegando.

- A polícia está chegando! – Gritou alguma mulher criminosa que estava no quarto de Daniel, enquanto eu quase ia saindo pela janela e fazia um sinal para os policiais. Percebi que tinha uma abertura no teto, e estava pensando seriamente em subir para o telhado com o menino, mas ao menos o fato da polícia estar alí embaixo já me tranquilizava. Ouvia gritos e alguns tiros, barulhos de vidro quebrando, de móveis arrastando... Resolvi combinar com Daniel para descer, assim que isso acabar. Em seguida, apareceu uma ambulância. Eu não sabia o que exatamente aconteceu ou estava acontecendo. Antes da polícia já ouvia barulhos estranhos, e quando a polícia chegou, se intensificaram ainda mais. Me preocupava com minha amiga e seu marido. Será que estavam vivos? Resolvi espiar a janela, e vi que tinha um policial embaixo. Arrastei a janela e o chamei, morrendo de medo, querendo saber o que de fato estava acontecendo.

-Continuem aí em cima, já que não há perigo. A casa foi invadida por homens parece que para roubar a casa e talvez fazer seqüestro!

-Cadê meus pais? Perguntou Daniel assustado.- Em seguida, minha amiga sendo levada pra ambulância, parecia estar ferida, e um grupo de policiais segurando 2 homens e uma mulher para prendê-los. Depois, o pai de Daniel seguia para a ambulância devagar com um tecido num braço. Fiquei chocada com a cena e gelei. Daniel rapidamente gritou pela janela, também desesperado.

-Mãae, paai! Estou aqui. – O seu pai olhou para cima e falou que estava tudo bem, só iria para a ambulância e parecia um pouco ferido e andando com dificuldade.

-Que bom que estão bem. Parece que invadiram a casa e nos machucaram quando entrei. Tenho que ir na ambulância e acompanhar sua mãe que ficou mais ferida, e conversar com os policiais.

-Posso levar o Daniel para minha casa então? Falei ainda assustada com toda a situação.

-Primeiro todos precisam dar um depoimento na delegacia. Vocês que estavam na casa venham comigo. – falou um policial.

-Patrícia, então você que é de confiança continue com ele e me mande notícias. Preciso acompanhar minha esposa e que me diga o que aconteceu. Daniel deve estar muito abalado com tudo isso e não sei se devo levar ele comigo na ambulância agora.

Eu concordei, e sinceramente, não sabia o que fazer. Nunca havia passado por algo parecido, rapidamente tirei o concreto que tapava o buraco para o quarto de Daniel, desci e o ajudei a descer também. Estava tão trêmula que mal conseguiria dirigir, e até mesmo não estava acreditando que passei por tudo isso, pois foi tudo tão rápido. Parecia que tudo foi tão planejado pelos criminosos.

A moça da campainha estava saindo sendo segurada por policiais. Disseram que iriam investigar a casa e confirmaram que estavam planejando realmente roubar o local e quem sabe seqüestrá-los. Sorte que eu havia subido naquela hora para o tal esconderijo de Daniel, senão nunca se sabe o que poderia ter acontecido se eu estivesse exposta com ele. Depois de prestar o depoimento na polícia, concluíram que poderia ser alguma gangue perigosa, que se vestiam de preto e usavam máscaras de halloween para se disfarçarem, e ali seria um lugar perfeito para o crime, justamente por ser mais isolado. Em seguida, eu resolvi ir rapidamente na ambulância procurar saber se tudo estava bem com Cíntia e seu marido.

Precisavam escolher outro lugar para morar o quanto antes, e de preferência, bem longe dali. Eu me despedia de todos assustada, levando Daniel para dormir em minha casa e depois daquilo, minhas noites sozinha em casa nunca foram os mesmos, tanto é que rendeu uma bela história de terror. Até hoje tremo se alguém no meio da noite resolver tocar a campainha ou me interfornar.

No momento que estavámos indo para minha casa, perguntei a Daniel:

-Como você fez para subir até aquele lugar do esconderijo?

-Com um banco pequeno que ficava no meu quarto, e de lá de cima eu arrasto ele pra baixo cama com um pau.

-Espero que você se mude logo dali e me mande notícias depois.

-Claro. Espero também que eles realmente só tinham interesse em roubar a casa. - falou Daniel.

Amanda Passos
Enviado por Amanda Passos em 14/07/2018
Reeditado em 26/02/2023
Código do texto: T6390048
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