Labirinto

O sonho era bonito. Estava deitado na praia e sentia o sol bater na face direita do seu rosto. Já ardia de tão quente, mas não era uma ardência ruim ou angustiante. Trazia prazer sentir aquilo e o barulho das ondas do mar se quebrando trazia a tão querida paz. Porém, como é por diversas vezes costumeiro nessa vida, o sonho acabou e tudo se tornou um pesadelo. O despertador tocou as 05:30 da manhã, sinal de que ele tinha que sair da sua sonhada praia e começar a se arrumar para ir ao seu odioso trabalho.

Tudo ocorria exatamente como ele detestava nos inícios da manhã. O seu café estava velho e ele colocou o número errado de colheradas de açúcar. O pão já estava duro, mas não o suficiente para que fosse impossível de comer. A programação da televisão era um lixo e, mesmo que achasse algo bom, não daria tempo de assistir tudo. Era assim todas as manhãs, mas o horário já avisava que não tinha como ser melhor.

O cotidiano dos seus tormentos se modificou assim que abriu a porta. Tudo estava escuro. Somente por causa de uma luz, que estava distante dele uns 50 metros, era possível perceber que o que levava até ela era um corredor. Ele continuava na beira da porta com a sua chave na mão. Tentava entender o que estava acontecendo. Tentando achar alguma explicação lógica para aquilo. Tentando se convencer de que tudo não passava de um sonho. Tentando não se frustrar. E tentando criar coragem para ir até aquela luz.

Os seus primeiros passos foram feitos sem muita convicção, mas a curiosidade de saber o que tinha lá fez com que a coragem viesse lentamente e seus passos foram se tornando mais firmes. Chegando lá, percebeu que tinha algo escrito na parede iluminada. “Bem-vindo ao meu labirinto! Direita ou esquerda? Direita.”. O que já era confuso para a sua mente se tornou ainda mais depois dessa frase. A única coisa que tinha convicção de que sabia era o que era um labirinto, mas não sabia de quem era ou de que maneira tinha parado ali já que sabia que não existia nenhum na porta de sua casa quando foi dormir. De qualquer maneira, seguiu para a direita com calma e sem nenhuma coragem.

As paredes eram brancas e feitas com grandes tijolos de concreto, mas já estavam sujas e com trepadeiras crescendo nelas. Via a sua sombra o acompanhando apressadamente enquanto andava. Não havia luz o suficiente para que uma sombra fosse gerada. Percebeu isso quando um rato passou correndo por ele e nem sequer gerou uma imagem borrada. Quando chegou em uma bifurcação, continuou para a direita assim como ordenara o aviso. Finalmente, viu uma luz no final do corredor em que estava. Seguiu apressadamente, ansioso para saber o que estava escrito. Enquanto andava pensava somente em coisas boas, acreditando que podia ser uma saída ou pelo menos uma explicação do que estava acontecendo.

O branco da parede começou a ter respingos de vermelho. Os respingos viraram manchas. A sua sombra se ajoelhou em prantos, ele não. Os seus passos estavam mais lentos como se quisessem impedir que os seus olhos vissem uma desgraça. Como se pudessem ver o futuro. E como se antecipassem a dor.

Antes de ler o que estava escrito, viu o seu gato de estimação, chamado Simão, caído no chão. Ele repousava sobre o próprio sangue retirado por meio de uma degolação. Ainda dava para perceber o rabo com os pelos todos eriçados, mostrando que ele sofreu e sentiu medo em seus últimos minutos de vida. Assim que a sua ficha caiu, o que demorou poucos segundos, sentiu como se uma adaga tivesse sido fincada no peito. Não acreditava que, depois de passar doze anos ao lado do seu gato, ele teria que o perder dessa maneira, sem conseguir entender nem onde está e o porquê de estar lá.

Quando finalmente conseguiu fazer com que as lágrimas saíssem da frente dos seus olhos, leu o que estava escrito na parede. “Eu disse direita? Esse nunca é um bom caminho, mas fique com esse presente. O reencontro com um animal de estimação é sempre emocionante. Siga ao norte e depois vá para a esquerda.”. Ele decidiu ir para o norte já que essa era a única opção além de voltar, mas viraria a primeira a direita que visse.

Assim que começou a seguir pelo caminho planejado, viu que a sua sombra estava indo para trás. A sua mente estava perplexa com aquilo que via e isso só aumentou quando viu uma outra passar pela parede logo em seguida. Olhou para os lados e viu mais umas outras três sombras fazendo o caminho contrário. Decidiu ignorá-las, acreditando que esse seria somente outro truque do labirinto para desviá-lo do verdadeiro caminho.

Como prometeu para si mesmo, virou a primeira a direita. O caminho parecia ser longo já que caminhava durante horas e não chegava a nenhuma parede que o impedisse de continuar. A sua mão já estava muita arranhada por ter que andar encostando na parede uma vez que a iluminação ia diminuindo lentamente e quase imperceptivelmente. Para ele, o labirinto insistia em tentar o convencer a seguir o outro caminho. Via diversas sombras voltando ou entrando em diversas bifurcações que levavam ao norte ou a noroeste, mas continuava firme em sua promessa.

Finalmente chegou no terceiro aviso. A luz estava fraca e tremula. A escuridão a sua volta não o permitia ler direito. Quando olhou para a sua esquerda, viu diversas sombras parando uma atrás da outra. Não conseguia ter um bom pressentimento daquilo. Assim que a última sombra parou, todas passaram a correr em círculos. As sombras começaram a sair das paredes. Ele sentia o vento delas correndo em volta dele e o impedindo de respirar fundo. O seu coração disparou enquanto gritos estridentes de sofrimento começavam a ensurdecê-lo. Os seus olhos latejavam com o som e suas mãos foram instintivamente para os seus ouvidos, mas os sons já estavam dentro da sua cabeça. A dor que as sombras pareciam sentir invadiram o seu corpo e se concentravam em seu peito. Parecia que todas as angústias, sofrimentos, medos e dores, tanto físicas como emocionais, que as sombras sentiam estavam sendo transferidas para ele. A sua mente não aguentava aquilo e ele implorava para que a morte chegasse logo. O seu sofrimento deve ter durado horas ou pelo menos era isso que o seu cérebro estimava.

A dor não cessou instantaneamente, mas foi reduzindo aos poucos, igual aconteceu com as luzes enquanto caminhava. No momento em que tudo se tornou suportável, viu que a luz presa na parede estava mais forte e com brilho firme. Leu cada palavra muito lentamente para tentar driblar a dor e impedir que ela não o faça entender a mensagem corretamente. “Você é retardado ou só não passou do maternal quando ensinaram direções? Eu falei esquerda e é melhor seguir as minhas ordens.”. Quando leu a palavra “ordens”, uma raiva subiu a sua cabeça que foi o suficiente para ignorar todo o resto da dor que sentia. Ele adorava desafiar autoridades e achava que, se continuasse para a direita, conseguiria a liberdade, então assim foi como ele fez.

Ele foi um pouco para o norte e logo virou à direita. A dor misturada com a raiva o deixou com um aspecto de maluco. Às vezes, enquanto caminhava, sorria do nada com algum xingamento aleatório ao labirinto e seu criador como se estivesse prestes a ganhar uma luta difícil. Os seus passos agora eram inegavelmente firmes e sem nenhuma hesitação. Não havia muitas sombras a sua volta, somente três.

A caminhada até o outro aviso não durou tanto como a anterior, mas ainda assim foi longa. Os seus pés já doíam, principalmente porque os sapatos que usava não eram feitos nem mesmo para caminhadas curtas. Mesmo assim conseguiu chegar ao quarto aviso e, no momento em que estava perto o suficiente para ler, se ajoelhou para que conseguisse descansar um pouco. Na parede estava escrito: “Você está saindo da área de influência dos meus poderes. Parabéns,”. Depois de ter sentido medo, tristeza e dor, esse foi o primeiro aviso que trouxe alguma felicidade e esperança. Pelo menos foi isso o que ele sentiu na primeira parte, mas a vírgula no final da frase o deixou apreensivo. Queria acreditar que era só um descuido numa pichação apressada. E, como quis acreditar dessa forma, assim acreditou e decidiu continuar o seu caminho para direita.

Não demorou muito para encontrar outra bifurcação na sua tão querida direção. Depois de ter dado uns vinte passos, o caminho que estava atrás dele se fechou e o chão cedeu até a metade dos seus passos. A luz que iluminava aquelas áreas só durava o bastante para que ele visse toda o chão ceder com um estrondo aterrorizador e sumir diante dos seus olhos, se tornando nada além de escuridão. A cada passo que dava para frente, um pouco mais de chão era perdido atrás. Não tinha percebido antes, mas agora só tinha uma única sombra o seguindo, somente a sua.

Os seus passos estavam tão lentos como os de um velho de noventa anos. Queria correr até o aviso, mas os seus joelhos estavam travados de medo. Queria acreditar que continuava no caminho da saída, porém não conseguia se convencer de que a liberdade tinha um caminho tão amedrontador. Os seus sorrisos desafiadores agora não passavam de um rosto que se segurava para não chorar com as suas pálpebras e lábios tremendo. Toda a força que fazia não foi o suficiente para segurar as suas lágrimas enquanto lia o aviso. “, você cavou a sua própria cova, então agora aceite a sua morte. Nos vemos no inferno.”. No exato segundo em que os seus olhos viram o ponto final, todo o ar a sua volta sumiu. Não havia mais luz no labirinto enquanto ele sufocava até a morte. Em seu sofrimento, os seus olhos pareciam vazios, embora seu coração estivesse cheio de decepção.