O FORRÓ E O APOCALIPSE

A banda de forró tocava numa praça... e as pessoas que dançavam distraídas, bêbadas, entediadas, pacíficas, eufóricas - quem sabe até felizes da vida... – não podiam perceber que tudo em sua volta estava morrendo.

Na rua de trás do coreto onde tocavam “Frevo Mulher” do Zé Ramalho, todos os corpos já podiam sentir o fim do mundo. Uma nuvem gigante de gafanhotos, baratas e vespas descia sobre as cabeças e corpos dos homens e mulheres. Apenas as crianças e os animais eram poupados daquela dor. Porém, nem por isso conseguiam sobreviver... devido a uma onda de calor acima de cinquenta graus, que se seguiu minutos depois da súbita seca dos rios e cachoeiras, que regiam a cidade.

Havia uma ladeira bem ao lado da praça. E de repente se tornou enorme e muito escura. Uma multidão de pessoas tentavam chegar ao seu topo..., elas podiam ver que o local do forró era ainda um local seguro.

Tentavam subir, mas eram puxados por seres infernais, humanos altos, magérrimos, com chifres ou cabeças de chacal... que usavam seus dentes para puxar os pecadores pelas pernas... ninguém conseguia chegar ao forró. A banda tocava alto, com empolgação e um barzinho oferecia um desconto na cerveja (caso fosse acompanhada por batatas fritas). A água na pracinha, também era abundante... e um casal tentava entender o porquê de seus celulares não estarem funcionando. Enquanto o homem na mesa ao lado se preparava para pedir sua namorada em casamento assim que ela terminasse de devorar todo o seu quibe de forno. Mas ao mesmo tempo enquanto ela comia..., ele utilizava esses últimos minutos pra se perguntar se era isso que ele queria pro seu futuro. “E se ela quisesse ter filhos?”, “O mundo anda perigoso demais ultimamente...”, “Será ela a escolhida? Neste mundo inteiro cheio de pessoas?”.

Havia também uma outra praça, numa rua próxima, uma muito maior que aquela onde forrozinho acontecia. Uma legião de arcanjos descia sobre ela. Eles saíam de uma nuvem, tocando trombetas e anunciando o momento da justiça eterna. As pessoas se abraçavam e se ajoelhavam em prantos e gritos de desespero... enquanto outras se suicidavam só de pensar em ter de expor os seus segredos e pecados.

Os homens de má índole, estupradores, ateus, preconceituosos, mesquinhos e criminosos eram tomados por uma lava quente que surgia de buracos que se formavam no chão, bem abaixo dos seus pés. As trombetas eram ensurdecedoras e a visão dos anjos era tão ofuscante e aterrorizante que ninguém ousava encará-los de frente. Apenas se ajoelhavam confessando e chorando.

“Carcará, pega, MATA... E COME!”, cantava o cantador... enquanto o ranger de dentes e lamentos nas ruas que os cercavam, saíam de caixas de som espalhadas nos postes das ruas. Todos os pecados estavam sendo revelados e julgados... menos os pecados dos que habitavam a pracinha... onde a banda tocava e continuaria tocando... para sempre, sem parar... nunca... não havia mais o que fazer. O forró não precisava acabar. Até que a comida, a cachaça, a cerveja... o refrigerante e a água acabassem. Pra quê acabar a música?! Pra quê o desespero?! “Porque parar o forró... diante do inevitável, sanfoneiro?”

Pra quê ter juízo, logo agora... no juízo no final?!