O monstro da noite... DTRL 32

Ai meu Deus! Escureceu de novo. Mais uma noite. Que tortura. Ele vai vir hoje. Acho que vou contar ovelhinhas pulando a cerca para dormir. Mas não dá certo, nunca dá. Que angústia. Esse barulho é o que? Parece que é porta abrindo. Vou me cobrir todinha. Nossa que calor. Que alívio, era só alguém roncando.

Estou prevendo que é essa noite. De hoje não passa. Aquele vulto preto na parede, ai Deus. Vou fechar os olhos. Acho que vou gritar, mas não posso se não ele me mata. Mas porque está imóvel? Acho que vou acender a luz. Mamãe vai brigar, será que ela não entende o sofrimento de uma jovem de dezoito anos! Mas se ele estiver dormindo e acordar com a luz. Ufa! Era só a toalha pendurada no prego.

Eu devia mesmo era falar ao delegado, afinal ele que combate o mal. Assim ele prendê-lo-ia e eu estaria livre dessa tormenta. Lembro muito bem que mamãe comentava com as amigas que o delegado era inigualável na arte de prender homens maus. Ele próprio passou uma semana comendo, tão somente, brotos de árvores e bebendo o orvalho que acumulava nas folhas, quando rasgou a Caatinga no encalço da quadrilha de Chico doido. Voltando triunfante com a cabeça de três deles espetada em um tronco de Braúna e com o corpo de Chico doido arrastado na chincha do cavalo.

Deve ser mesmo é castigo. Quem mandou eu ajudar a fazer as armadilhas com o Juninho para pegar as pobres dos preás? Mas eu não gosto das bonecas. Também não quero fazer estágio para balançar moleque e ir fazer a vida de piranha na cidade grande, igualzinho que minhas irmãs mais velhas. Eu sei que mamãe explicou que papai só falou aquilo, usando de desculpa para não comprar as bonecas. Mas eu não quero ser piranha.

Não vou abrir os olhos. Vou ficar debaixo da coberta. Mas está muito calor. Posso ouvir os passos dele chegando. Parece que vem nas pontas dos pés. É hoje! Debaixo da coberta eu escuto os passos dele. Posso sentir seu bafo de gambá. Sinto seu vulto arrodeando minha cama. É apavorante ficar presa debaixo desta coberta e aguentar tudo isso calada. Eu vou sair e gritar. Quem sabe mamãe me socorre. E esse peso na coberta. Será a mão dele pressionando a coberta para baixo. Vem subindo como passos sobre a coberta. Será o que ele vai fazer comigo. Acho que não estou sentindo minhas pernas. É possível que desmaie. Ai meu Deus! Que sorte é Miguel, meu bichano. Vem ronronando. Vem ronronar pertinho de mim para me proteger essa noite seu safadinho.

Eu queria entender porque a Patrícia, a psicóloga que papai contratou, nunca fez nada para me ajudar. A primeira vez que me encontrei com ela, fingiu ser minha amiga. Disse para confiar nela e contar tudinho que ela estava ali para resolver o meu problema. Ocorre que eu contei tudinho. Mas ela disse que tudo era fruto da minha imaginação que nada daquilo existia, eram tudo invenção da minha cabeça. Eu sei que tudo é bem real. Acho que foi por isso que papai a contratou, para dizer que eu tenho a imaginação fértil e me entupir de remédios.

Pensei em pedir ajuda ao padre, afinal ele é quem está mais perto de Deus nessa cidade. Talvez ele pudesse conversar com Deus e mandar o monstro direto para o inferno que é o lugar dele. Só que o Juninho que já foi coroinha, disse que a mãe o tirou da Igreja só porque o padre não era boa gente. Acho que o padre não é boa gente. Boa gente mesmo era o tio Luiz, só que ele está preso. Eu não entendi porque o tio Luiz foi preso. Minha mãe disse que foi porque ele ajudava as pessoas. Acho que o jornalista que falou na TV tem razão. Esse mundo está mesmo é de cabeça para baixo. As pessoas ruins estão soltas e as boas estão no cárcere. Ora, se o padre continua sendo padre, o monstro continua livre por aí e o tio Luiz está preso, só pode ser isso.

Algo me diz que vai ser hoje. No começo eu nem entendia nada. Porque o monstro só fazia cócegas na minha barriga e me beijava o rosto. E era muito gostoso. Tão gostoso que eu até adormecia. Só que depois ele começou a passar a mão em uns lugares estranhos. Lugares que não era comum as outras pessoas passarem ao acariciar umas às outras. Ninguém passava, nem minha mãe passava. Só o meu pai. Tudo foi ficando cada vez pior. E pior ficou quando meus peitinhos começaram a crescer, pois ele começou a meter aquela boca suja nos meus peitinhos e começou a fazer coisas que eu não entendia. O Juninho me contou que o padre fazia o mesmo com ele. Por isso eu digo que o padre não é boa gente.

Acho que ele vai vir hoje, pois ele está bebendo. Quando ele está bêbado é muito pior porque ele me machuca. Mas hoje eu tenho uma surpresa para ele. Eu sei que ele virá com aquele bafo de gambá e arrancará o cobertor de cima de mim e depois se jogará em cima de mim como um porco imundo. Minha mãe coitada escutará tudo atrás da porta. Ela mesmo que devia se sentir culpada, pois aguentou calada e nunca disse nada para ninguém, nem mesmo para o tio Luiz. Mas colocar a culpa nela é fácil, pois viveu humilhada a vida inteira. Só vivia para cozinhar, trabalhar na roça e ver o seu marido violentar as suas filhas. E o que dizer dos homens dessa cidade que nunca fizeram nada, ao contrário subjugavam suas mulheres da mesma forma.

O monstro agora está deitado roncando ao meu lado, saciado de sua violência. Mas hoje eu guardei uma surpresa para ele. Ele devia saber que essa faca que agora rasga sua barriga que por sua vez expulsa as tripas com fezes mesclada com sangue para fora, eu deixei debaixo do travesseiro. Essa poça de sangue que tinge de rubro os lençóis brancos da cama, eu mesmo me banharia nele, pois é vermelha a cor da liberdade, não há dúvidas.

Não importa para mim ser presa. Pois se o mundo está invertido, com os justos na prisão. Eu prefiro estar no cárcere bem ao lado do tio Luiz.

Tema: psicose.

Bily Anov

bily anov
Enviado por bily anov em 07/02/2019
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