JOÃO E O MARTELO DE OURO - DTRL33

João andava solto pelo mundo afora. Os tempos de contos de fadas acabaram.

Morava por aí, fazendo bicos para viver. Sonhando em ter sua riqueza de volta e poder abraçar sua velha mãezinha. Lembrava vivamente do desespero nos olhos dela quando abriu as mãos e eram feijões e não xelins.

Na vida solitária e vazia, o confortava os momentos em que tocava sua música. À custa comprou a rabeca e com passos desengonçados e sua voz doce, divertia o povo com sua arte.

Mas João e seu coração ingênuo não mudaram com o tempo e mais uma vez o destino veio troçar dele. Corria pela aldeia a notícia de que um notório mágico chamado Dimitri, que encantava plateias pelo mundo, com mágica verdadeira, faria uma única apresentação.

Curioso, João foi conferir e como todos os ingênuos que são seduzidos, iludiu-se.

Dimitri, disfarçou-se e entrou na taberna em que João tocava, para beber. Pois ele tinha esse costume de se misturar aos comuns para saber o que falavam dele. Quando ouviu João tocar, Dimitri teve uma epifania. Nunca na vida escutou som mais puro e bonito. Chorava aos borbotões, feito bebê.

Na sua bebedeira ele se achegou:

-Não alardeie, jovem. Sou esse famoso mágico que todos falam. Quero lhe propor um negócio. Sua rabeca em troca de um martelo de ouro mágico.

Não precisamos ser prolixos ao lembrar da inocência do camponês. Saiu feliz com seu martelo, deslumbrado por uma única demonstração do mágico, que fez o autêntico milagre de Jesus, transformando água em vinho.

Topou, numa das tabernas da vida, com um carrancudo flautista. Entristeceu-se por sua rabeca e alegrou-se com a flauta mágica do músico, que dentre as quinquilharias que trazia na sacola, tinha uma rabeca, mas não qualquer rabeca, era a própria rabeca de João.

-Quando ouvi um mágico charlatão tocá-la, senti a tristeza do instrumento lamurioso que chorava de saudades de um menino ao qual ele pertencia. Esperei o velho dormir e o roubei na calada da noite.

Quando João contou toda sua história, os dois voltaram à aldeia. João, de supetão cravou seu martelo de ouro no crânio de Dimitri e dizia: -Veja no que teu martelo te transforma, patife. Julgas ser o martelo uma fraude, mas verás que ele funciona, -e desferia golpes contra Dimitri, já morto. O Flautista e João passaram a conviver juntos partilhando um com o outro, suas vidas solitárias. Com os anos João aprendeu que entre o flaustita e ele haviam muitas similaridades. Os dois foram enganados e nutria seus ânimos esse sentimento eterno de vingança. Não confiavam em ninguém e nessa paranoia, dedicavam-se a matar quem se aproximasse.

O flautista usava formas requintadas de atrair vítimas com sua música e passou a encantar mulheres invés de crianças, as seduzia e as induzia ao suicídio entorpecidas de amor.

João perseguia e atacava os aproveitadores e espertalhões, cravando seu martelo de outro nas suas testas. Aprenderam a tirar, antes que lhes fosse tirado. Dedicaram-se a matar o amor, antes que morressem dele.

Tragicomédia