O Caboclo D'Água

Há muito tempo atrás em uma aldeia distante, localizada entre os Estados de Minas e Goiás, existia um jovem índio que era filho de um dos mais valentes guerreiros da sua tribo. Ele era muito lindo. Era alto e forte, tinha os seus cabelos negros e brilhantes que, de tão compridos, lhe chegavam até abaixo dos joelhos. Ele era muito admirado e cobiçado pelas jovens índias de sua tribo. Mas já estava prometido para a filha do cacique, que também era ao mesmo tempo, o Pajé e o feiticeiro da tribo.

O grande problema era que, da mesma maneira que ele despertava a admiração das jovens índias, despertava também o ódio de alguns jovens índios, que sentiam inveja da sua beleza e de que, talvez por causa disso, ele tenha sido o escolhido para ser o futuro cacique.

Era tão grande a inveja, que certamente foi por causa disso que o ódio acabou dominando a mente de seis jovens da aldeia, que decidiram matá-lo.

Eles 'bolaram' um plano, que era o seguinte: Marcariam uma pescaria com ele, só que seria uma pescaria bem especial; uma pesca aos botos. Já que todos sabiam que o lugar onde eles costumavam aparecer ficava bem distante da tribo, e lá eles arranjariam um jeito de acabar com a vida dele.

Tudo combinado, saíram em uma manhã ainda bem cedinho. Caminharam pelas matas por um bom tempo. E quando já estavam bem próximos à margem do rio, caíram de surpresa sobre o jovem e o imobilizaram, amarrando-o fortemente com cipós. Em seguida, dois deles o agarraram pelos cipós que estavam enrolados no seu corpo e, nadando, o arrastaram até quase o meio do rio, onde o soltaram no meio da correnteza para que ele se afogasse.

Depois do que fizeram voltaram para a aldeia, felizes pelo que tinham acabado de fazer. Quando lá chegaram, demonstram muita tristeza ao anunciar a sua morte. Diziam eles que foram enormes jacarés que o devoraram, enquanto que eles, por estarem muito distante dele, nada puderam fazer. Foi uma comoção geral na aldeia...

Mas nem um mês se passou, quando correu a notícia de que um daqueles seis jovens que tinham participado daquela funesta pescaria tinha sido encontrado morto por afogamento, à beira do rio. Mas um detalhe intrigava a todos; ele estava sem os dois olhos, embora o seu corpo estivesse intacto .

E talvez não tivesse se passado nem uma semana após esse triste epísódio, quando outro jovem, que seria o segundo daquele grupo de seis, também foi encontrado nas mesmas condições; sem os dois olhos. Embora todos na aldeia tivessem ficado apavorados quando viram que também este segundo jovem foi encontrado sem os olhos, ninguém ainda tinha percebido aquela ‘coincidência’;aqueles dois jovens tinham participado daquela tal pescaria...

Até que tendo se passado poucos dias após esta segunda morte, o fato voltou a se repetir; mais um participante daquela turma, o terceiro, também foi encontrado morto; sem os olhos.

Aí então todos na aldeia entraram em pânico, principalmente os três sobreviventes daquele grupo...

O cacique ficou desconfiado de que alguma coisa do outro mundo estivesse acontecendo, e como também ele era o pajé, consultou lá os seus espíritos que certamente lhe revelaram que aqueles seis jovens tinham aprontado alguma coisa muito ruim naquele dia em que foram pescar, mas o espírito não disse o que foi que eles fizeram. Ele chamou então os três rapazes e os interrogou por um longo tempo, mas ninguém contou nada sobre o que de fato havia acontecido. Então o cacique disse que os espíritos haviam ordenado para que aqueles três jovens fossem levados até o local da pescaria dos botos e que lá permanecessem acampados durante três dias e três noites, pois só assim aquele espírito vingador se afastaria da aldeia. É claro que os três jovens se recusaram, pois ficaram apavorados quando souberam que era um espírito que estava matando os jovens, mas não tinham como não cumprir uma ordem do cacique.

E assim eles foram levados e deixados lá na beira do rio com a recomendação de que não retornassem para aldeia antes do tempo estabelecido e, caso desobedecessem a essa ordem, seriam executados.

Deram a eles três, além de armas, todo o suprimento necessário para os três dias. Eles estavam morrendo de medo...

Aquele primeiro dia até que transcorreu com certa tranqüilidade. E já estava anoitecendo, quando decidiram que enquanto dois deles iriam dormir, o terceiro ficaria acordado, vigiando. E assim o fizeram.

Mas no dia seguinte, quando os dois índios que tinham dormido dentro da tenda acordaram e saíram, logo se depararam com o corpo do seu amigo, que estava caído próximo à tenda, todo molhado como se tivesse se afogado, e também sem os dois olhos. Eles ficaram apavorados, mas sabiam que se voltassem para aldeia, seriam mortos. Mas se ficassem ali, fatalmente também morreriam... O que fazer então?

Decidiram que o melhor a fazer seria se embrenhar em uma mata fechada, onde ficariam até que se passassem os três dias, pois acreditavam que aquilo que então já chamavam de ‘caboclo d´água’, lá não os pegaria já que estariam bem distantes do rio. Caminharam até o final da tarde dentro da mata e, cansados, pararam para descansar. Um deles estava com muita sede e se dirigiu até um pequeno córrego para beber água. Como demorou muito a voltar, o seu amigo foi à sua procura. O quadro que viu o deixou aterrorizado; mesmo ali, bem longe do rio, o tal caboclo d'água havia matado o seu amigo e lhe arrancado os olhos. Ele então saiu em desabalada carreira morro acima, queria se afastar de qualquer lugar onde tivesse água; imaginava que assim se livraria daquele fantasma das águas. Subiu, subiu, até que encontrou uma caverna lá no topo da montanha. Como já estava quase desmaiando de cansaço, se sentiu seguro e decidiu passar a noite ali mesmo. Dormiu um sono profundo, sonhando que no próximo dia já poderia retornar à sua aldeia, por outro caminho que não tivesse nem rios nem riachos; estaria então, são e salvo.

Só que quando acordou no dia seguinte, estava caindo um forte temporal. Ele não se preocupou com a chuva, e começou a arrumar seus pertences. Foi então que ele viu um vulto de um homem que se aproximava lentamente na entrada da caverna. Assustado ele pegou seu arco, colocou a flecha e, apontando para a direção do intruso perguntou: “-Quem vem lá? Pare aí e se identifique, senão eu disparo!” Então uma voz rouca e fúnebre se fez ouvir: “-Será que você não se lembra mais de mim? Da última vez que nos vimos, você me arrastava para o meio do rio, lembra-se agora?” E uma gargalhada sinistra ecoou por toda aquela caverna; foi o último som que aquele jovem índio ouviu antes de ser envolvido por aquela criatura encharcada que o afogou com um forte abraço.

Obs.: Essa é uma das muitas histórias que minha vó costumava contar e que me marcou bastante, principalmente porque quando criança, o Rio Paraíba era um dos melhores lugares que existia prá gente se divertir. E minha vó sempre dizia para nós que, de vez em quando o ‘Caboclo D’Água’ costumava aparecer por lá para buscar mais olhinhos para enfeitar o seu colar... E não é que a gente acreditava?