AS CRIANÇAS VERDES

Me parecia ser uma manhã comum na minha fazenda, não havia nada de diferente, exceto o fato da tempestade destroçar grande parte das minhas plantações de arroz. Era um tempo frívolo, vários fazendeiros sentiram na pele aquela perda. Outro fato extremamente intrigante que ocorreu neste dia, fora o restante de algumas plantações estarem comidas quase que inteiras.

Não bastasse a tempestade, teria de lidar com um ladrão vegetariano!

O meu cultivo em grande parte estava perdido, aquilo acontecia quase toda noite, nunca conseguia pegar os comedores de lavouras, os cães latiam na escura madrugada, mas nunca consegui encontrar vestígios dos morta-fome malditos de legumes!

Já era quase meio-dia quando vislumbrava a silhueta do Sr. Bets vindo em direção a minha casa, no seu velho Chevette azul, na curva, a estrada engolia sua lataria, à poeira o cobria por completo. Avistava apenas parte do cabo. O velho da hipoteca não atrasara um dia se quer, parecia-lhe que o dinheiro corria nas veias, isso ficara mais óbvio ainda quando entrará na minha casa com botas de couro, que, deveriam custar uma fortuna, um charuto Cohiba berike entre os lábios, seu bigode no estilo (morsa) recordava dois dentes de sabre.

Neste dia, tinha me cumprimentado com rapidez, parecia estar apressado.

— Bom dia, Roger! Espero que você tenha algo para mim hoje! — dizia ele, adentrando a porta vindo em minha direção.

Pusera o chapéu no cabide. Respondi, sacudindo as mãos com um pouco de terra entre os dedos.

— Bom dia Sr. Bets. — O homem era sempre sério, às vezes me intimidava, certamente em boa parte era o seu bigode amedrontador!

Ele viria a minha fazenda para cobrar novamente o dinheiro do imóvel. Nos últimos anos daquele tempo a minha vida no campo tinha sido conturbada, havia perdido metade da minha plantação de arroz na tempestade que ocorrera uns dias atrás.

O Sr. Bets não queria desculpas, a sanguessuga almejava a todo custo o dinheiro. Prosseguia com aviso.

— Olha, Roger… Não gosto de dar viagens perdidas. — dizia Bets, olhando para além da janela da sala, enquanto dava uma tragada forte no charuto que acabara de acender.

Senti-me um pouco desesperado com aquelas palavras.

— Mas Sr. Bets, a tempestade levou quase toda a minha plantação, como vou lhe pagar a hipoteca? — Falava meio intimidado, gesticulava com as mãos sujas de terra.

Estava plantando algumas mudas de árvore antes do velho bigodudo chegar.

— Você tem um mês, apenas um mês! Não mais que isso, se não arrumar o dinheiro, considere-se um homem sem lar. Passar bem. Sr. Roger. — Proliferava essas palavras saindo sem olhar para trás, usava a minha tigela em cima da mesa como cinzeiro.

Havia me sentido um homem sem esperanças, um cão encurralado na cerca.

Como conseguiria arrumar tanto dinheiro em pouco tempo?

Acreditava que tudo estava perdido!

Tudo que eu tinha conquistado estava em risco e poderia morar debaixo da ponte, perderia tudo. Cada um dos animais, o restante da plantação, todo o esforço que usara para revirar aquelas terras.

O ronco do motor do Chevette do Bets fora o último sinal de esperança indo embora naquele fim de mundo, que só Deus sabe o quanto era sofrido. Contava com a generosidade dele, mas o miserável não terá pena nem mesmo de sua velha mãe. Contavam que ele vira de família rica da Nova Inglaterra. Casou-se cedo e viúvo também ficara logo cedo.

Todos desconfiavam que fora ele o assassino! Não só de sua esposa como de sua mãe. Por essas especulações e outras que todos temiam o Sr. Sanguessuga!

Após a ida do Bets, retornara aos meus afazeres, estava na hora de trabalhar duro, fui ao alpendre da casa e contemplei toda aquela vida diante dos meus olhos, que nada tinha de poluição, nem barulhos irritantes de buzina, sem degradação visual, sem perturbações da cidade.

Apenas a bela e vida simples do campo. Havia preparado o arado para o cavalo, colocará as rédeas nele, o dia seria longo e o sol naquele dia estava um tremendo inferno de quente. O cavalo hesitara a puxar no começo, mas em seguida arrastara até as pedras com ferocidade, o arado tinha forma de V, com tombador de terra para a tração animal, seria um meio mais rápido que na enxada!

Precisava agilizar, estava completamente desesperado, continuava pensando enquanto os torrões de terra se contorciam aos cortes da lamina gigante. Pensei que aqueles torrões fossem eu, e a lâmina o Sr. Bets me cortando em pedacinhos. A mula diminuirá a velocidade, e a intensidade, estará cansado. Precisava de água, peguei o balde na varanda, e fui cambaleando até o poço profundo, estava suando como porco, o meu macacão estava excessivamente molhado!

O sol parecia querer me castigar neste dia, não bastará o velho maldito ameaçando tirar minhas terras. Caminhava distraído até o poço, olhando para as terras áridas além da cerca do meu vizinho.

Chegando na borda, me deparava com duas criaturas incrédulas e medonhas. Cujo olhar era uma afronta aos meus sentidos.

Não queria acreditar na minha visão enganadora, nem tudo que viera através dos sentidos poderíamos afirmar ser verdadeiros.

Diante disso, pensei talvez fosse o sol forte que estava me causando alucinações e o meu desespero em perder as terras. Eles subiam rápido, como escaladores de montanhas, seus olhos brilhavam no escuro de tão brancos e vazios que eram.

Cai de bunda no chão andando para trás, quase sem fôlego, o medo me roubava o ar dos pulmões de imediato.

— Mas que diabos são essas coisas? Resmungava — Com um pouco de hesitlevantavoz trêmula.

O “garoto” me olhava de um jeito estranho, fazia sinais com a cabeça, como se tivesse confuso, estava agachado em cima da borda do poço, seus ombros eram largos, e membros flácidos.

A sua aparência era de causar arrepios no âmago! Meus pelos levantavam, e meus olhos cresceram atônitos, minhas mãos tremiam em aversão aquela criatura esquisita.

Eles não paravam de me observar, sentia seus olhares vazios me afetarem. Estava ficando nauseante com aquilo, pareciam enxergar o meu interior, a minha alma! A “menina” também que estará do seu lado em pé na borda do poço, me encarava, com olhos de defunto, aquele olhar fundo.

O que me amedrontava ainda mais eram as suas aparências, eles eram verdes! As suas peles eram exoticamente verdes! Brilhavam a luz do sol, pareciam ser ásperas como escamas, pingavam excessivamente! Seus dedos estavam grudados uns nos outros com membranas, como um pé de pato.

A menina me olhava mais estranho, parecia estar hipnotizada com a minha face de surpresa e medo, vestiam roupas estranhas, diferentes do meu tempo. Me levantava pasmado e eles reagiram como se tivessem assustados e mergulharam dentro do poço, donde haviam surgido. Escutei o estrondo no fundo, o eco saiu como se a cacimba tivesse engolido uma bomba!

Quis me aproximar, queria ver aquilo mais de perto outra vez, mas não tive coragem. Voltei para casa, e tranquei a porta. Fiquei observando o poço de longe. Meio cabreiro com tudo.

— O que eram aquelas criaturas? Meu Deus! Duendes? Alienígenas? Porquê no meu poço? — As dúvidas me preenchiam ainda mais!

Fui até a cozinha, peguei algumas torradas no fogão, não acreditava no que estava fazendo, — e se eles me devorassem?

Estava curioso, e queria ver aquilo mais de perto outra vez! Caminhei devagar até chegar próximo do poço novamente, olhando para dentro, recostando na borda, estava preparado para o pior, levava a espingarda na outra mão!

Olhei para dentro da cacimba e ainda estavam lá, no fundo, na penumbra do poço, grudados na parede. Estirei o braço e mostrei as torradas.

— Olhem, estão com fome? Eu trouxe comida — falei, com nervosismo.

A menina subia lentamente as paredes do poço sem qualquer dificuldade, como um alpinista, escalava as paredes lodosas e úmidas do reservatório. Pareciam lagartos, mas não possuíam cauda alguma.

Em seguida o outro veio atrás, e os dois se puseram diante de mim novamente, ainda estava surpreso com aquelas duas coisas me olhando.

Afastei-me um pouco e eles desceram da borda, ergui a comida novamente e eles pegaram. Tinha apenas quatro dedos em cada mão. Eu observara esse detalhe.

— Vocês gostam de sanduíche? Perguntei esticando o braço para eles.

O menino pegou ferozmente da minha mão, sem tirar os olhos de mim e enfiou na boca, mas parecia não ter gostado, cuspindo em seguida.

A outra criança não tirava os olhos de mim também, parecia entender o perigo de estar perto de um estranho.

Fazia várias perguntas, mas nada eles me respondiam. Perguntei se não estavam perdidas, de onde vieram.

Só me olhavam, curiosas, sem entender nada que eu falava. O garoto olhou rente ao meu ombro e viu os legumes atrás de mim, correu para come, com terra e tudo, esfiara na boca, como um esfomeado.

— Vocês gostam de legumes! A menina viu a horta de cenouras e correu para comer, como um coelho selvagem!

— São vegetarianos! — encontrei os meus comedores de lavouras, sussurrei baixinho para não assustar-los.

Passaram-se alguns dias e todas as manhãs eu ia até à cacimba, alimenta-los com verduras. Não gostavam muito de mim, mas aos poucos fui ganhando a confiança deles. Com o passar do tempo fui perdendo o medo deles e eles de mim, criamos laços.

Não sei como aquelas criaturas foram parar ali, mas por algum motivo acredita que eles seriam a salvação da minha terra. retribuição, ajudaram-me a plantar. Faziam isso perfeitamente, como se já tivessem o feito antes, no mundo deles talvez.

Aquilo me impressionou fantasticamente. Gostavam de ficar mais tempo no poço, suas peles desidratavam muito fora d’água. Pareciam ser seres de Atlantis, mas o mar estava tão longe dali para tal pensamento. Elas se comunicavam entre si, mas nada que fosse de entendimento humano.

Falavam uma língua incompreensível, talvez uma língua morta há muito tempo. Pensei que houvesse um mundo dentro do nosso, à terra será oca?!

A entrada seria o poço da minha fazenda. Pensei em quanta gente viria até aqui só para vê-los, ficaria rico!

Me contive com esse pensamento.

Tudo pmim era um total mistério!

Estava acabando o mês, e lá longe avistava o carro velho do sanguessuga mais famoso de toda a Inglaterra.

A estrada fazia a lataria do carro granir naquelas terras secas cheias de pedras. As criaturinhas correram e se esconderam com medo do barulho, no lugar de sempre, pulando no poço!

O Sr. Bets desce do carro com toda aquela corpulência, como de costume carregava nos lábios grandes o velho charuto Cohiba, andava feito pinguim carregando sua bengala. Estava na varando quando ele chegou resmungando de longe.

— Ora, admiro o esforço que tem feito pelos seus bens, é incrível o que um homem não faz para continuar pisando no que é seu! — disse o velho, subindo os degraus da varanda.

Já um pouco exausto. Levantei da cadeira de balanço, sem entender o que ele queria dizer com aquilo. Prossegui assim mesmo.

— Preciso lutar pelo pouco que tenho! — afirmei, fixando-o nos olhos e desviando sem que se percebe para o poço.

Estava com medo que as criaturinhas surgissem ali, naquele momento. Seria um caos a mais para mim. Se apoiando na bengala e dando uma baforada que cobria o seu rosto, prosseguiu com o que estava dizendo…

— É uma pena que tenha se esforçado tanto para nada, seu prazo acabou Evan Karl Roger!

Retruquei em tom quase furioso

— Como, mas… Eu consegui, a minha lavoura está grande, vou colher-la nessa semana!

Estava mentindo, sabia que não era esse o tempo para que os alimentos se desenvolvessem bem.

Seus pulmões soltavam mais uma nuvem de fumaça no ar

— Não tenho tempo para esperar, vamos, assine aqui! Nada disso aqui te pertence mais! — Tirando da mala que trazia consigo alguns papéis.

— Não vou assinar! — Falei com firmeza olhando nos olhos! Sua bengala pontuda se estremeceu em minha direção, ele quase a enfia na minha cara!

— Olha aqui, seu rato miserável, você não tem escolha, se não assinar agora, da próximo vez que vinher eu trago a cavalaria comigo. E será despejado como um monte de merda na estrada! — Ele faltará explodir de fúria, estava vermelho. O sangue fervia nos seus olhos.

— Tudo agora pertence a mim, tudo aqui é m… Não terminara o restante da frase se quer! Não vi como, foi muito rápido.

Apenas num piscar de olhos o grandão Bets cairá na minha frente como um saco de gordura, com uma faca enfiada até o cabo na cabeça — soltou apenas um "ahh" silencioso que mau pude ouvir, arregalando os olhos e boquiaberto aos meus pés!

Caiu de peito no chão, estremecendo as tabas da varanda com o rosto virado. O sangue escorria nos degraus, um a um até formar uma poça de sangue na areia. Levantei o olhar, e o menino verde sorria para mim, como se aquilo fosse brincadeira de criança.

— O que você fez? Que diabos você fez?

— Ele está morto! Você o matou!

Estava apavorado, ainda me certifiquei, nenhum batimento, nada. O Sr. Bets haviam falecido do pior jeito, definitivamente, e pior ainda na minha varanda!

Todos iriam procura-lo se ele não aparecesse logo. Iriam me acusar de assassinato!

Entrei para pegar algum pano, a fim de limpar tudo aquilo logo. Esconder o cadáver do miserável.

Voltei deparando-me com o corpo do velho gorducho quase dentro do poço.

— Não, não, parem!

— Não façam isso!

Ouvi apenas o estrondo no poço, fez-se um grande eco nos ares. Às duas crianças correram em minha direção, cambaleei para trás com medo, e eles me abraçaram, olhando para cima.

Aqueles olhos vazios baixavam um tremendo terror no meu ser.

Olhava para o reservatório, como iria tira-lo dali? Dessa vez, com certeza perderia tudo e ainda seria condenado!

Mas os dias foram passando, e ninguém veio atrás do velho. Outro dia, tinha visto na Tv. Ele fora acusado de falsificação de documentos e que estava foragido. Certamente que aqui seria o último lugar aonde iriam procura-lo.

Dias adiante apenas compradores de lavoura vieram! Muitos compradores, nunca tinha vendido tanto como naquele tempo.

Podia-se dizer que fiquei extremamente rico. As criaturinhas continuaram comigo, até que o menino ficou doente, não pude cura-lo, dei todos os remédios possíveis, sua pele perdeu a cor e seus olhos ficaram escuros, acabou morrendo!

Enterrei-o nos fundos do quintal, havia lhe dado o nome de Ouro.

Senti uma tremenda tristeza com a perda daquela criatura. E a menina, havia lhe dado o nome de Prata, ela aprendera o meu idioma, depois de muito tempo, ela contou como tinham chegado aqui.

Havia me dito que em seu mundo o sol era apenas uma sombra, um mundo crepuscular, não lembrava o local exato, mas que se chamava "Luminous".

Ela contou que chegaram aqui depois que foram buscar alguns animais do seu pai, próximo a um rio adentrando em uma caverna, ouviram ruídos de sinos, e seguiram até o final da covil e avistaram uma luz, que, fora a do meu fosso.

A menina decidiu voltar para casa pelo mesmo lugar, não que fosse impossível. Despedi-me dela com os olhos marejados, nunca mais veria tal criatura fantástica. Não ousou olhar para trás, aquilo em parte foi de partir o coração. Ainda hoje imagino como será o mundo deles. Um mundo paralelo ao nosso, talvez. Nunca me esqueci de nenhum. Nem mesmo do momento em que Ouro me salvou daquele que seria o meu carma, descanse em paz, senhor Sr. Bets! Que o diabo o tenha!